Nota sobre a Lei do Fomento ao Teatro de São Paulo e a razão dos questionamentos em curso no judiciário

Esclarecimentos são da Rede de Teatros e Produtores Independentes

 

O Programa Municipal de Fomento ao Teatro para a Cidade de São Paulo foi criado pela Lei Municipal n. 13.279, em 2002, com o objetivo de apoiar a manutenção e criação de projetos de trabalho continuado de pesquisa e produção teatral.

Muita gente não sabe mas para decidir quais projetos serão contemplados pelo Fomento, elege-se a cada Edição uma Comissão Julgadora que é constituída por 07 (sete) membros: 04 (quatro) são escolhidos pela Secretaria Municipal de Cultura e *03 (três) são escolhidos pelos votos dos candidatos (os proponentes de projetos).

Ou seja, ao contrário do que ocorre em todos os editais públicos que se tem conhecimento, os candidatos escolhem quem serão seus julgadores!!!*

Em agosto de 2018, por ocasião da 33ª Edição do Fomento, a REDE DE TEATROS E PRODUTORES INDEPENDENTES (Rede de Teatros), o CBEC (Conselho Brasileiro de Entidades Culturais), a Associação São Pedro Pró Cultura e o Fórum Faz Cultura, de forma conjunta, fizeram uma consulta à Secretaria Municipal de Cultura de SP quanto à forma como vinham sendo votados e eleitos os membros da Comissão Julgadora.

Essencialmente, questionou-se a interpretação extensiva que se vinha dando ao termo “proponente”; já que um mesmo proponente pessoa jurídica (no caso, a Cooperativa) adotou a prática de votar diversas vezes, elegendo sempre todos os seus candidatos. Essa distorção contrariava a vontade do Legislador, observada a redação original do PL 146/00, e permitia a formação de um monopólio.

Analisando os resultados, publicados no Diário Oficial do Município, de 30 edições do Fomento, em 28 delas a Cooperativa elegeu os 03 (três) membros da Comissão Julgadora (que deveriam representar os vários segmentos da sociedade civil), inclusive repetindo os mesmos jurados em até 10 (dez) edições sucessivas, num questionável círculo de manutenção do controle das comissões.

Resultado: quase 90% dos projetos aprovados pela Lei de Fomento ao Teatro em 15 anos (ou 30 edições) foram de grupos da Cooperativa. Ou seja, conforme dados da SMC, dos R$ 188.565.936,17 disponibilizados pela Secretaria para o Fomento, a Cooperativa concentrou 87,2% dos recursos (ou, aproximadamente, R$ 164.429.496,00).

*O que também resultou que alguns grupos da Cooperativa fossem contemplados até 12 vezes!

Uma distorção, um privilégio inexplicável.*

Ao analisar esses questionamentos, a Procuradoria Geral do Município elaborou parecer concluindo que realmente a interpretação que se vinha fazendo era equivocada, pois a Lei 13.279/02 OUTORGAVA DIREITO DE VOTO AOS PROPONENTES PESSOAS JURÍDICAS, CABENDO A CADA PROPONENTE O DIREITO DE VOTAR APENAS UMA VEZ. As cooperativas e/ou associações poderiam inscrever e representar vários projetos, como sempre fizeram, mas somente poderiam votar uma vez.

O então secretário municipal de cultura André Sturm cumpriu o parecer, mas passou a enfrentar questionamentos judiciais da Cooperativa Paulista de Teatro, principal beneficiária da sistemática até então vigente, que impetrou mandado de segurança (no.1038544-51.2018.8.26.0053), paralisando e inviabilizando a 33ª Edição do Fomento ao Teatro.

Para não perder os recursos, o secretário lançou o Prêmio Cleyde Yaconis, que contemplou 25 grupos/cias da cidade com até 300 mil reais cada um, 15 dos quais, diga-se de passagem, nunca haviam sido contemplados antes.

No Mandado de Segurança impetrado pela Cooperativa, o Ministério Público de SP manifestou-se favorável às conclusões do parecer da SMC, destacando que: “…é possível extrair que o caput do art. 4º é claro ao determinar que serão denominados proponentes as pessoas jurídicas”.

A própria SMC, ao refutar os questionamentos da Cooperativa no Mandado de Segurança, afirma que a Cooperativa, à altura, não estaria “(…) a defender os interesses dos cooperados, senão a perda do monopólio fático e eleitoral de que usufrui. (…)”; afinal, “(…) Segundo levantamento realizado pela Secretária Municipal de Cultura, a Cooperativa Paulista de Teatro exerce o monopólio fático na eleição dos membros da comissão julgadora e, consequentemente, na quantidade de projetos eleitos.

No dia 08 de fevereiro de 2019, logo após tomar posse, o Secretário de Cultura Alexandre Youssef reuniu-se com o presidente da Cooperativa Paulista de Teatro e do SATED anunciando nas redes sociais que iria “destravar” o histórico Fomento ao Teatro.

Apenas uma semana depois, no dia 14 de fevereiro, a COOPERATIVA PAULISTA DE TEATRO DESISTIU DO MANDADO DE SEGURANÇA, QUE ATÉ ENTÃO DEFENDIA FERVOROSAMENTE, sem quaisquer explicações ou divulgação à sociedade civil.

Um mês depois, no dia 15 de março, a Secretaria Municipal de Cultura lançou o Edital da 34º Edição do Fomento ao Teatro nos mesmos moldes das edições anteriores, sem nenhuma referência ao parecer de sua assessoria jurídica.

Em 19 de março, a REDE DE TEATROS, buscando salvaguardar a observância da lei, sobretudo após a desistência da Cooperativa no Mandado de Segurança, protocolou ofícios ao Secretário de Cultura e ao Prefeito, respectivamente, solicitando que o processo de votação da comissão da Edição 34º do Fomento observasse a nova e correta interpretação da lei, conforme conclusões do parecer elaborado pela Consultoria Jurídica da própria SMC.

Como a REDE DE TEATROS não obteve nenhuma resposta e a eleição dos membros da comissão julgadora da 34ª Edição do Fomento ao Teatro foi realizada contrariamente ao parecer, a REDE DE TEATROS pediu e teve deferida pelo Juízo da 15ª Vara da Fazenda Pública de São Paulo, ordem liminar (mandado de segurança no. 1018067-70.2019.8.26.0053), para que o secretário de cultura justificasse os motivos do não cumprimento do parecer, suspendendo temporariamente o edital.

Em suma: a REDE DE TEATROS, assim como toda a classe teatral, reconhece a importância do Programa de Fomento ao Teatro de São Paulo e acredita que essa conquista deve se perpetuar, sobretudo em contínua evolução. Isso interessa a todos indistintamente.

Repetindo palavras da Secretaria Municipal de Cultura, ao refutar questionamentos da Cooperativa no mandado de segurança anterior (que impetrou e depois desistiu):

“O princípio democrático constitui pilar fundamental para desenvolver a cultura, o mesmo pode-se dizer sobre o PRINCÍPIO REPUBLICANO, que pressupõe a alternância no exercício do poder. Em tempo de contestação à concentração de poderes políticos e à perpetuidade das agremiações políticas, é salutar, senão impositivo ao Administrador Público, promover a lógica da isonomia no âmbito de acesso aos recursos orçamentários da Secretaria Municipal da Cultura, o que implica, evidentemente, reduzir os monopólios fáticos que desfiguram a verdadeira liberdade de associação, absolutamente prejudiciais à racionalidade democrática e contrários à própria noção fluída e mutável de bens culturais.”

O que a REDE DE TEATROS defende é que a Comissão Julgadora da Lei de Fomento ao Teatro, ou seja, quem decide quais serão os projetos artísticos contemplados, seja eleita de forma democrática, transparente e seja representativa da sociedade civil, em prol da justa distribuição dos recursos públicos pretendida pelo legislador.

São Paulo, 15 de maio de 2019

Rede de Teatros e Produtores Independentes

Fonte: Rede de Teatros e Produtores Independentes

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