Lara Resende aponta o juro alto como causa do baixo crescimento

O economista André Lara Resende criticou ontem de modo contundente a política monetária brasileira das últimas décadas, em evento no qual defendeu enfaticamente as ideias de que a taxa de juros deve ser fixada pelo Banco Central abaixo da taxa de crescimento e que um governo que emite a sua moeda não enfrenta restrições financeiras, apresentadas por ele recentemente em artigo no Valor. Ao comentar por que o Brasil não cresce, Lara Resende disse que faria uma “simplificação”, e afirmou que desde o Real o BC fixou o juro básico entre seis e duas vezes a taxa de crescimento.

“Quando você coloca os juros seis vezes a taxa de crescimento, o investimento colapsa, o crescimento cai, a dívida/PIB sobe”, afirmou Lara Resende. Com “um dogma financista” aumentam-se os impostos, o que levou a carga tributária brasileira para 36% do PIB, uma das mais altas do mundo. “Isso asfixia a economia, que não consegue funcionar”, disse ele, em evento organizado pelo Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri), que teve a participação do ex-presidente do BNDES Edmar Bacha e do ex ministro da Fazenda Pedro Malan.

Ele destacou que, desde que o país superou a inflação crônica, há 25 anos, a produtividade ficou estagnada, enquanto a chilena foi multiplicada por 5 e a chinesa, 20 a 25 vezes. Antes de falar do nível dos juros, disse que o Brasil é um país com todos os recursos possíveis, com “gente de altíssimo nível, capacidade empresarial, que tem capital”.

O economista fez críticas à política fiscal e à situação de Estados e municípios. Esses governos precisam respeitar o orçamento, destacou ele, que atacou, porém, as punições que asfixiam Estado. “O Estado se comportou mal, então não pode mais gastar”, ironizou. “Isso destrói o país, destrói, destrói a infraestrutura, destrói a segurança, destrói a educação. Destrói o moral da população.”

Ex-presidente do BNDES, Lara Resende afirmou ser “uma balela” a ideia de que aumentar a demanda pode criar a inflação num cenário em que a capacidade ociosa é de 40% e a taxa de desemprego é de 12,5%. “É conversa fiada.”

Bacha e Malan comentaram as ideias do artigo de Lara Resende “Consenso e Contrassenso: déficit, dívida e Previdência”, que circulava como texto para discussão na Casa das Garças. Em 8 de março, o Valor publicou o artigo “A crise da macroeconomia”, em que o autor volta “de forma menos técnica, para dar ideia desse novo arcabouço macroeconômico e de suas implicações para a realidade brasileira”. A “pedra angular” do novo paradigma é compreender que a moeda fiduciária contemporânea é uma unidade de conta. O segundo, um “corolário” do primeiro, é que o governo que emite moeda não tem restrição financeira, segundo Lara Resende.

“O governo não tem restrição financeira, mas é obrigado a respeitar a restrição da realidade, sob pena de pressionar a capacidade instalada, provocar desequilíbrios internos e externos e criar pressões inflacionárias”, escreveu. “O governo pode gastar mal, inflando os gastos com pessoal, criando uma burocracia incompetente e corporativista, subsidiando empresas improdutivas, mas, ao menos em tese, pode também gastar bem, investindo de forma competente, na educação, na saúde, na segurança e na infraestrutura.”

Na sua palestra, Lara Resende reiterou a visão de que a expansão de moeda não causa inflação. Citou a política de afrouxamento quantitativo (QE, na sigla em inglês), com compra maciça de títulos por bancos centrais de países desenvolvidos, para manter baixas as taxas de longo prazo. “O Fed [Federal Reserve] multiplicou a base monetária americana por 15, e a inflação nem se mexeu.”

Tanto no artigo quanto no evento promovido pelo Cebri, Lara Resende destacou que grande parte das teses não é nova, embora “contradiga o consenso econômico-financeiro”. Disse que a ideia de que a moeda é essencialmente uma unidade de conta é de 1905, formulada pelo alemão Georg Knapp, no livro “The State Theory of Money”. É conhecida como “cartalismo”, tendo sido retomada pelos economistas da chamada teoria monetária moderna (MMT, na sigla em inglês). Na fala inicial, Lara Resende não citou a MMT.

Bacha, porém, tratou do tema. Disse que os proponentes da MMT “militam em universidade de pouco prestígio [o andar de baixo da academia americana, segundo ele] e não publicam nas principais revistas acadêmicas”. Stephanie Kelton, uma das expoentes da escola, é da Universidade Stony Brook e assessorou Bernie Sanders, pré-candidato à Presidência dos EUA.

Bacha ressaltou ainda que a escola foi criticada por nomes de peso. O Nobel Paul Krugman comparou a MMT ao “Calvinbol”, jogo que aparece na história em quadrinhos “Calvin e Haroldo”, cuja única regra é que não se pode repetir a mesma regra duas vezes. “O ex-secretário do Tesouro americano Lawrence Summers chamou a MMT de a “nova feitiçaria econômica”. Já Kenneth Rogoff, professor da Universidade de Harvard, qualificou a MMT de disparate monetário, chegando a dizer que sua aplicação poderia desestabilizar todo o sistema financeiro global, disse Bacha, afirmando que “felizmente André não advoga as teses da MMT por inteiro”, reconhecendo a “restrição da realidade.”

Artigo recente da revista “The Economist” discute a MMT, debatendo se ela é “essencial ou se é uma maluquice”. Traz as críticas de Krugman e Summers, notando o destaque que a escola ganhou no debate político americano. No fim do texto, a “Economist” afirma que a MMT não é “obviamente um passo adiante”. Mas, se conquistar apoio político e influenciar as políticas apenas para fracassar, “não seria feitiçaria, mas macroeconomia como de costume”.

Lara Resende disse não ter mencionado a MMT em sua palestra ontem por ter “horror” a rótulos. “É uma fábrica de não pensar”, afirmou. “E, sinceramente, eu não dou a mínima para a MMT. Eu penso por mim mesmo.” Ele observou ainda que, por ter sido encampada pela agenda de debate sobre financiamento do sistema de saúde e de questões ecológicas nos EUA, passou a ser discutida ideologicamente, e não pelas qualidades intrínsecas.

O economista afirmou não ter nenhum complexo de inferioridade em relação a economistas como Rogoff ou Summers. “Eu não delego a nenhum deles pensar por mim”, disse ele, que criticou as publicações econômicas americanas. “Publicar nos principais jornais de macroeconomia do mundo hoje é uma fábrica de eunucos, de não pensar.”

Bacha disse ainda que, “mantidas as condições atuais”, acredita que o Brasil “deve continuar a conviver com taxa de juros sobre a dívida pública que superam a taxa de crescimento do PIB. Por isso, é importante alcançarmos o superávit primário nas contas do governo para evitar que a relação entre a dívida e o PIB, que já é alta para padrões de países emergentes, continua a crescer indefinidamente”. Como Bacha, Malan entremeou comentários sobre o artigo com elogios a Lara Resende. Malan concordou com pontos do artigo, como a necessidade de avaliação sistemática da eficácia de programas de governo. “Temos um problema sério de gasto público, com sua composição que é distorcida contra o investimento, a favor do consumo, e sua eficácia que é precária. O mesmo vale para a tributação.”

Malan também chamou atenção, porém, para questões que classificou de “controversas” e sua transposição dos países desenvolvidos para o Brasil. Ele lembrou a ponderação de Olivier Blanchard, ex-economista-chefe do FMI, sobre países sem estabilidade institucional e problemas estruturais de finanças públicas, ao comentar a possibilidade de uma atitude mais “leniente” em relação à situação fiscal em caso de os juros serem inferiores à taxa de crescimento. “São coisas que não fazem parte do dia a dia do mundo desenvolvido, mas fazem parte do nosso.”

Fonte: Valor Econômico

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