Justiça

Decisão judicial concede reajuste para um Agente Federal

DECISÃO

O autor propõe a presente ação ordinária, com pedido de tutela antecipada, em face da UNIÃO FEDERAL, objetivando, em síntese, que a ré proceda ao reajuste do seu subsídio mensal em folha de pagamento.

Como causa de pedir sustenta a ocorrência de omissão inconstitucional, posto que o art. 37, X, da Constituição da República impõe a regra da revisão anual. Destarte, pugna pela revisão da sua remuneração através da variação do INPC no período, num percentual de 21,17%, com a consequente criação de rubrica e a expedição de ofício para que o Órgão Pagador cumpra a liminar.

A inicial, fls. 01/26, veio acompanhada com procuração, fl. 29, e pelos documentos anexos, fls. 27/28 e 30/49.

Decisão de fl. 58 afastando a ocorrência de litispendência ou coisa julgada, diante da certidão de fl. 56/57, bem como indeferindo o pedido de gratuidade de justiça.

Substabelecimento acostado aos autos, fl. 61.

Custas devidamente recolhidas, fl. 65.

É o relatório. Decido.

I – DOS FATOS E DO DIREITO

A parte autora busca, em sede de tutela antecipada, que seja reconhecida a omissão inconstitucional presente no art. 37, X, da Constituição da República, ensejando, assim, o reajuste do seu subsídio mensal em folha de pagamento com a revisão da sua remuneração através da variação do INPC no período, num percentual de 21,17%. Por fim, pugna pela criação de rubrica e a expedição de ofício para que o Órgão Pagador cumpra a liminar.

Dispõe a Constituição da República em seu art. 37, X, o seguinte:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

(…)

X – a remuneração dos servidores públicos e o subsídio de que trata o § 4º do art. 39 somente poderão ser fixados ou alterados por lei específica, observada a iniciativa privativa em cada caso, assegurada revisão geral anual, sempre na mesma data e sem distinção de índices; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

 Regulamentando a revisão geral e anual em comento, a Lei n° 10.331, de 2001, aduz em seus artigos 1º e 2º:

Art. 1º As remunerações e os subsídios dos servidores públicos dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário da União, das autarquias e fundações públicas federais, serão revistos, na forma do inciso X do art. 37 da Constituição, no mês de janeiro, sem distinção de índices, extensivos aos proventos da inatividade e às pensões.

Art. 2º A revisão geral anual de que trata o art. 1º observará as seguintes condições:

I – autorização na lei de diretrizes orçamentárias;

II – definição do índice em lei específica;

III – previsão do montante da respectiva despesa e correspondentes fontes de custeio na lei orçamentária anual;

IV – comprovação da disponibilidade financeira que configure capacidade de pagamento pelo governo, preservados os compromissos relativos a investimentos e despesas continuadas nas áreas prioritárias de interesse econômico e social;

V – compatibilidade com a evolução nominal e real das remunerações no mercado de trabalho; e

VI – atendimento aos limites para despesa com pessoal de que tratam o art. 169 da Constituição e a Lei Complementar no 101, de 4 de maio de 2000.

Com a mudança perpetrada pela EC 19/98, a regra supramencionada expressamente previu o princípio da periodicidade, ou seja, garantiu anualmente ao funcionalismo público, no mínimo, uma revisão geral.

Diante da nova redação, o STF decidiu em sede de Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (2.061-DF, DJ 29 Jun. 2001, Rel. Min. Ilmar Galvão) tratar-se de “norma constitucional que impõe ao Presidente da República o dever de desencadear o processo de elaboração da lei anual de revisão geral da remuneração dos servidores da União, prevista no dispositivo constitucional em destaque, na qualidade de titular exclusivo da competência para iniciativa da espécie, na forma prevista no art. 61, §1, II, a, da CF”. Neste julgamento, o STF reconheceu a mora do Presidente em iniciar o processo legislativo.

Em suma, para que regra presente no inciso X do art. 37 tenha eficácia mister o envio pelo Presidente da República de, pelo menos, um projeto de lei anual, tratando da reposição do poder aquisitivo da remuneração dos servidores públicos federais, observados os tetos constitucionais.

No caso vertente, consoante os documentos presentes nos autos, verifica-se que, de fato, o autor é Agente da Polícia Federal 1ª Classe, lotado em exercício na Delegacia de Repressão a Entorpecentes.

Sustenta o autor que os servidores públicos da Polícia Federal estão há quatro anos recebendo as mesmas remunerações. No caso específico do autor, o mesmo recebe a remuneração de R$ 9.468,92 desde fevereiro de 2011, quando atingiu a primeira classe, conforme documentos anexos às fl. 42/48, não havendo revisão no salário da categoria desde 2009.

Configurada, portanto, a omissão inconstitucional do Poder Executivo, já que solapa a eficácia do art. 37, X.

Cumpre mencionar que a declaração de inconstitucionalidade exercida em sede de controle difuso por via incidental somente pode ser admitida quando for questão prejudicial ou necessária à análise da ação. Em outras palavras, há que se reconhecer a adequação da via utilizada já que o requisito da lesividade está implícito na própria ilegalidade ou inconstitucionalidade da norma, seja por ação ou por omissão. Não há que se cogitar sobre a existência de sentença extra ou ultra petita, posto que a inconstitucionalidade de leis é questão de ordem pública, podendo ser declarada de ofício pelo magistrado em qualquer momento ou grau de jurisdição. Neste sentido:

EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DE OFÍCIO. POSSIBILIDADE. TAXA DE ILUMINAÇÃO PÚBLICA E TAXA DE COLETA DE LIXO E LIMPEZA PÚBLICA. SERVIÇOS PÚBLICOS INESPECÍFICOS E INDIVISÍVEIS. MUNICÍPIO DE NITERÓI. 1- A inconstitucionalidade de lei ou ato do Poder Público pode ser reconhecida em qualquer procedimento judicial de modo incidente, negando-se aplicação ao dispositivo apontado como inconstitucional. 2- O processo de fiscalização das normas jurídicas é atividade típica do Poder Judiciário. Uma norma em desconformidade material, formal ou procedimental com a Carta Magna não pode prevalecer, devendo o julgador, antes de adentrar ao mérito da causa, examinar a sua validade. 3- Não se pode exigir a taxa de coleta de lixo e de limpeza pública, por configurar serviço público universal e indivisível. Precedentes do STF. 4- Apelação improvida. (TRF-2 – AC: 337746 RJ 2001.51.02.006311-0, Relator: Desembargador Federal LUIZ ANTONIO SOARES, Data de Julgamento: 26/02/2008, QUARTA TURMA ESPECIALIZADA, Data de Publicação: DJU – Data:16/04/2008 – Página:348/349)

Tal como no caso de inconstitucionalidade por ação, também a omissão violadora da Constituição pode ser imputável aos três Poderes. Por exemplo, pode o Poder Executivo se abster de tomar medidas político-administrativas em matéria de educação (art. 208 da Constituição).[1]

Reconhecida a omissão inconstitucional, não há que se falar em violação do art. 2º da Constituição, pois que é da essência do princípio da tripartição de poderes, já que independentes e harmônicos entre si, o controle recíproco de suas prerrogativas, de modo que, na atuação deficiente de um deles, como no caso em que a Constituição impõe a deflagração anual do processo legislativo para revisão geral dos vencimentos e subsídios, deve ser restabelecido o traçado constitucional, com o consequente reconhecimento do direito constitucionalmente previsto.

Ademais, tal crítica cai por terra quando analisamos a própria teoria democrática. [2]Se considerarmos que a Constituição resguarda direitos fundamentais, e cabe ao Judiciário a sua guarda, cabe também a ele o dever de concretizá-los, sobretudo quando há inércia do Executivo e do Legislativo.[3]

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Ressalta o Min. Celso de Mello, na relatoria do Mandado de Injunção nº 542, Dj: 28/06/2002:

“Se o Estado, no entanto, deixar de adotar as medidas necessárias à realização concreta dos preceitos da Constituição, abstendo-se, em conseqüência, de cumprir o dever de prestação que a própria Carta Política lhe impôs, incidirá em violação negativa do texto constitucional. Desse non facere ou non praestare, resultará a inconstitucionalidade por omissão, que pode ser total (quando é nenhuma a providência adotada) ou parcial (quando é insuficiente a medida efetivada pelo Poder Público). Entendimento prevalecente na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal: RTJ 162/877-879, Rel. Min. CELSO DE MELLO (Pleno).  – A omissão do Estado – que deixa de cumprir, em maior ou em menor extensão, a imposição ditada pelo texto constitucional – qualifica-se como comportamento revestido da maior gravidade político-jurídica, eis que, mediante inércia, o Poder Público também desrespeita a Constituição, também ofende direitos que nela se fundam e também impede, por ausência (ou insuficiência) de medidas concretizadoras, a própria aplicabilidade dos postulados e princípios da Lei Fundamental.DESCUMPRIMENTO DE IMPOSIÇÃO CONSTITUCIONAL LEGIFERANTE E DESVALORIZAÇÃO FUNCIONAL DA CONSTITUIÇÃO ESCRITA.  – O Poder Público – quando se abstém de cumprir, total ou parcialmente, o dever de legislar, imposto em cláusula constitucional, de caráter mandatório – infringe, com esse comportamento negativo, a própria integridade da Lei Fundamental, estimulando, no âmbito do Estado, o preocupante fenômeno da erosão da consciência constitucional (ADI 1.484-DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO).  – A inércia estatal em adimplir as imposições constitucionais traduz inaceitável gesto de desprezo pela autoridade da Constituição e configura, por isso mesmo, comportamento que deve ser evitado é que nada se revela mais nocivo, perigoso e ilegítimo do que elaborar uma Constituição, sem a vontade de fazê-la cumprir integralmente, ou, então, de apenas executá-la com o propósito subalterno de torná-la aplicável somente nos pontos que se mostrarem ajustados à conveniência e aos desígnios dos governantes, em detrimento dos interesses maiores dos cidadãos”.(original sem grifos)

Na doutrina estrangeira também é possível verificar o entendimento, segundo o qual, o Judiciário tem legitimidade para declarar as omissões inconstitucionais que inviabilizem o exercício de direitos fundamentais garantindo através de suas decisões o exercício destes direitos.

Em Portugal, a Constituição (1976) trouxe regras sobre a inconstitucionalidade por omissão. Também na Alemanha e na Itália a temática já vinha sendo discutida desde o final da década de 50 e início da década de 60.[4]

Na Itália, por exemplo, com o passar das décadas e a frequente atuação[5] da Corte Constituzionaleno exercício do controle de constitucionalidade, surgiram debates envolvendo a possibilidade de atuação do Judiciário quando verificada uma inconstitucionalidade por omissão capaz de ensejar a inviabilidade do exercício de direitos constitucionalmente previstos.

Logo, conforme amplamente debatido no Direito Europeu, para que seja possível atuação do Judiciário, dois requisitos devem ser observados: a existência de omissão legislativa inconstitucional (rime obbligate, na expressão cunhada por Crisafulli, deve ser fruto de uma solução constitucionalmente obrigatória – e não de um juízo discricionário)[6] e a identificação de uma solução normativa constitucionalmente obrigatória.

É possível verificar na jurisprudência do STF, o entendimento de que, declarada a omissão inconstitucional, cabe ao titular do direito subjetivo procurar em ação própria a recomposição dos danos sofridos (STF, MI 284, Relator (a): Min. MARCO AURÉLIO, Relator(a) p/ Acórdão: Min. CELSO DE MELLO, TRIBUNAL PLENO, julgado em 22/11/1992, DJ 26-06-1992 PP-10103 EMENT VOL-01667-01 PP-00001 RTJ VOL-00139-03 PP-00712).

Acerca da possibilidade de o cidadão intentar via ação própria pleiteando a indenização com vistas à respectiva reposição patrimonial devido a prejuízos causados por omissão legislativa do art. 37, X, foi proferido acórdão do TRF-5ª Região nos seguintes termos:

“CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. SERVIDORES PÚBLICOS. REAJUSTE ANUAL. ART. 37, X DA CF/88. MORA DO PRESIDENTE DA REPÚBLICA. OMISSÃO LEGISLATIVA. DIREITO À REPARAÇÃO PATRIMONIAL ATRAVÉS DE AÇÃO PRÓPRIA. UTILIZAÇÃO DO INPC. CABIMENTO. LEGITIMIDADE DO SINDICATO. – No que concerne à revisão geral da remuneração dos servidores da União (art. 37, X da CF/88), o col. STF já declarou a mora legislativa por falta de iniciativa do projeto de lei pelo Presidente da República, quando do julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão n. 2.061-7-DF. Em Mandado de Injunção (nº 562-9-RS), o STF também já se pronunciou no sentido de que uma vez declarada a omissão legislativa, cabe ao titular do direito subjetivo buscar a reposição patrimonial através do exercício de ação própria. – Possibilidade de ser fixado o percentual do reajuste pelo Judiciário – constatada a omissão de quem deveria propor o projeto de lei e fixar esse ponto – através de um critério objetivo de correção, previsto em lei, uma vez que estará o Judiciário apenas aplicando a norma, o que é seu papel essencial. – Não é desarrazoado se fixar o percentual do INPC aplicado nos casos de reajustes dos benefícios previdenciários, donde tem se valido o Governo, desde o ano de 1998, para atender as revisões desse seguimento social, o qual foi considerado constitucional pelo STF, posto que revelador da inflação que a classe média suporta em face de na composição do índice ter peso maior os valores da cesta básica, transportes e mensalidades escolares. – Direito aos efeitos indenizatórios, de acordo com o INPC compreendendo os anos de 1999, 2000 e 2001 e 2002, aplicando-se o índice desse indexador do exercício anterior ao da concessão, a partir do ano de 1998, data da promulgação da Emenda Constitucional que assegurou o direito aqui postulado. – Recurso adesivo prejudicado. – Apelação e remessa oficial providas em parte.(AC N.º 317936/RN, Desembargador Federal Francisco Wildo, TRF5, Primeira Turma, DJ – Data::15/04/2005 – Página::989 – Nº::72)

No julgamento do Recurso Extraordinário do caso mencionado, o STF manteve o entendimento do Tribunal Regional Federal da 5ª Região julgando-o constitucional (STF. Primeira Turma. RE 472678. Relator: Marco Aurélio, j. 25/04/2006. DJ 17/05/2006.).

No presente caso, não se trata de aumento salarial (vedado pelo artigo 2º-B da Lei 9.494/97), ou indenização, mas sim de revisão, buscando afastar os efeitos que a inflação gera. Tanto a indenização quanto a revisão buscam a necessária manutenção do poder aquisitivo da remuneração. Conforme afirma o Min. Marco Aurélio no julgamento do RE 565.089 – SP, com repercussão geral reconhecida, em feito de sua relatoria pendente de julgamento no STF:

“Consoante a jurisprudência tradicional do Supremo, mostra-se inviável o aumento remuneratório de servidor público por decisão judicial, porquanto o Poder Judiciário não possui função legislativa – Verbete nº 339 da Súmula: “não cabe ao Poder Judiciário, que não tem função legislativa, aumentar vencimentos de servidores públicos sob fundamento de isonomia”. A visão é correta. Não há espaço para a concessão de aumento pela via judicial, mas os recorrentes não buscam isso. Buscam a indenização pelo descumprimento de um dever jurídico, consistente no inadimplemento de majoração remuneratória para resguardo da equação entre remuneração e trabalho.O Supremo já assentou que “a correção monetária não se constitui em um plus, não é uma penalidade, mas mera reposição do valor real da moeda corroída pela inflação” – Agravo Regimental na Ação Cível Originária nº 404, da relatoria do Ministro Maurício Corrêa.”(original sem grifos)

No mesmo sentido, elucida a Min. Carmen Lucia em sua obra:

Como a revisão não importa em aumento mas em manutenção do valor monetário correspondente ao quantum devido, fixou-se a sua característica de generalidade, quer dizer atingindo todo o universo de servidores públicos.” (In ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. Princípios constitucionais dos servidores públicos. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 324)(original sem grifos)

Diante disso, levando em consideração a finalidade do instituto de manter o poder aquisitivo da moeda em face da inflação, entendo que a recomposição baseada em período inflacionário superior a um ano configura direito subjetivo do agente público destinatário da norma, consubstanciando verdadeiro poder-dever do Estado restabelecer o valor da remuneração e dos subsídios em razão das perdas inflacionárias.

Por essa delimitação constitucional do perfil da revisão, que guarda relação com a variação do processo inflacionário, percebe-se que o percentual a ser atribuído a título de revisão geral anual deve sempre espelhar a inflação do período apurada pelos índices oficiais. A reposição há que ser na exata medida do que se perdeu, no mínimo, não havendo espaço para fixação de qualquer outro índice aleatório.

Logo, para que se torne eficaz o comando constitucional em questão, este juízo entende que seria cabível a utilização do índice IPCA, que é o índice oficial utilizado pelo Banco Central e que foi utilizado na lei nº 12.770, de 28 de dezembro de 2012. Todavia, como o pleito autoral se baseia no INPC, índice inclusive inferior ao IPCA, e tendo em vista que ambos são desenvolvidos pelo IBGE, por uma questão de razoabilidade, deverá ser utilizado o INPC, conforme também se valeu o TRF-5, no acórdão supramencionado.

Analisando os autos, percebe-se que o autor na época do último reajuste (fev de 2009) exercia o cargo de agente de segunda classe, com remuneração de R$ 7.885,99, sendo promovido para primeira classe em fevereiro de 2011, recebendo, desde esta data, a quantia de R$ 9.468,92.

Compulsando as alegações autorais e o sítio eletrônico do IBGE[7], verifica-se que os dados são conflitantes, de modo que este juízo entende prudente se valer dos dados oficiais e não aqueles trazidos pela parte.

Cabe ainda ressaltar que o autor pleiteia a revisão do período de março de 2010 a outubro de 2013. No entender desde juízo, o reajuste deveria ocorrer desde março de 2009, haja vista ser a data do último reajuste, contudo, não se mostra possível aplicar tal raciocínio, já que se estaria extrapolando o pleito autoral. De qualquer forma, isso é irrelevante aqui, pois a ordem cabível neste feito é a da inclusão da reposição. Os atrasados deverão ser objeto de ação própria, onde poderá pedir o que melhor lhe convier.

Além da questão revisional, não se deve olvidar a situação crítica em que se encontra a Policia Federal.

A corporação vem sofrendo com problemas estruturais alarmantes. Segundo matéria do Jornal Folha de São Paulo[8] junto a MARCOS LEÔNCIO SOUSA RIBEIRO, presidente da Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal (ADPF) e membro do Conselho Nacional de Segurança Pública, percebe-se o descaso com a instituição.

Cite-se, por exemplo: “Para concluir as investigações que culminaram com a prisão do bicheiro Carlinhos Cachoeira, os policiais federais se desdobraram em jornadas de trabalho que chegavam a 15 horas diárias, de segunda a segunda. Por falta de pessoal, o mesmo policial que trabalhava no monitoramento telefônico também tinha que ir a campo fazer diligências. Houve policial que teve seu filho nascendo durante a operação e não pode se ausentar um dia sequer. Esse é um retrato da Polícia Federal que o Brasil desconhece e que o governo finge não ver.”.

Esse retrato é agravado por condutas governamentais preocupantes, como, por exemplo, a determinação de que todas as diárias sejam submetidas a autorização prévia.[9] O pagamento das diárias viabiliza o deslocamento da PF para realizar operações, não se mostra razoável, por uma questão de segurança pública e celeridade, exigir autorização prévia para tanto. Alguns grevistas ainda alegam que o sucateamento da PF seria uma represália do governo federal as frequentes operações que investigam políticos.[10]

A polícia federal encontra-se em situação de abandono: “Temos salários inferiores ao das polícias legislativas do Senado e Câmara e das polícias civis de vários Estados. Nossa gratificação de chefia é dez vezes menor do que a Polícia Civil do Distrito Federal. Temos menos gratificações e chefias do que a Funai. Além disso, falta uma estrutura administrativa adequada, não há reposição salarial da inflação e há a demora na implantação de benefícios para os policiais lotados nas fronteiras. Com tudo isso e com a iniciativa legislativa de esvaziamento da aposentadoria policial, a PF ruma para um quadro de descontentamento generalizado. As consequências são imprevisíveis, mas de antemão a criminalidade agradece.” [11]

A situação é tão grave que existem conflitos internos entre agentes e delegados da polícia federal[12]. A precariedade da corporação e a diferença salarial prejudica o trabalho e fomenta as disputas, causando efeitos drásticos à segurança e até mesmo ao trabalho do Ministério Público Federal que depende da PF para realizar investigações.

A recusa do Governo Federal em conceder aumentos aos agentes, com os quais vinha negociando, e sua tentativa de impor o tratamento geral dado no último reajuste é inaceitável. Primeiro, a postura do Governo, largamente noticiada na imprensa, que ou se aceitava o valor oferecido ou não haveria aumento algum é, no final das contas, usar de violência institucional.

A eventual recusa de algum grupo de servidores à proposta (ruim) feita pelo Governo não desonera este de cumprir os ditames constitucionais onde aparece a necessidade de revisão. Quando menos, deveria, ainda que a contragosto dos policiais, conceder o aumento. Ocorre que o governo se vale da pressão e do poder de não dar aumento algum. “Poder” no sentido de capacidade, não no sentido de legitimidade ou legalidade, vez que, repita-se, a Constituição não deixa essa revisão ao alvedrio do Governo. Curioso, não se pode deixar de notar que o Governo, levado a cabo por um Partido dos Trabalhadores, aja com os servidores públicos de forma muito semelhante à dos piores capitalistas.

Acresça-se que os delegados tiveram reajuste e os agentes não, agravando ainda mais, e bastante, o confronto entre ambos os grupos. A quem interessa isso? Será que não se percebe que destruir a Polícia Federal é ruim para todos? Ou, talvez, não todos, já que há muitos que ficarão felizes se a Polícia Federal estiver operacional e moralmente morta.

O que não se compreende é que um Governo, que deve agir em prol da sociedade e do Estado, não se comova com esta situação, convivendo exageradamente bem com a situação cada vez mais caótica da Polícia Federal.

Nas redes sociais, um dos meios da nova democracia direta que a tecnologia parece estar permitindo, e palco de movimentos sociais e deflagração de movimentos maiores e manifestações nas ruas, há uma enorme maioria que imputa tudo isso ao que chamam de “vingança” contra a Polícia Federal por conta das investigações bem sucedidas que fez e que resultou na prisão de poderosos. Este Juízo, contudo, não quer acreditar nessa versão. Eliminada esta hipótese, resta a alternativa da mera omissão. Omissão juridicamente relevante e que produz resultado no mundo material idêntico ao que uma vingança, se fosse o caso, criaria: a destruição da Polícia Federal. Então, mesmo que se negue a ideia de vingança contra a Polícia, ninguém pode admitir este estado de coisas.

É fato notório que ocupantes da carreira policial no Congresso Nacional pátrio, contra quem nada temos, recebem o dobro dos policiais federais e, ainda que não estejamos pretendendo de modo algum nos opor ao prestígio vencimental dos policiais no Congresso, tal realidade revela injusta discrepância entre carreiras policiais em contraposição aos riscos reais e graves condições de atuação, quantidade de tiros e ameaças de morte que os policiais federais, Delegados e Agentes recebem cotidianamente.

Com o descontentamento da instituição a onda de protestos no país é evidente.[13] Inúmeras manifestações já ocorreram e outras já estão marcadas até para março, inclusive a possibilidade real de greve durante a Copa[14].

Uma forma de ver o problema é esperar que a Polícia não faça isto durante a Copa. Outra, no entanto, é reconhecer que diante da omissão e dos ouvidos tapados por parte do Governo, talvez ocasião tão importante e dramática seja o único, ou ao menos um bom, momento para que o Governo e a população venham a ouvir o grito de desespero de uma instituição honrada que está sendo covardemente destruída. Ninguém que ame o serviço público pode assistir placidamente as maldades que a Polícia Federal vem sofrendo.

Particularmente, constrange a este julgador visitar Brasília e ver um estádio de aproximadamente R$1.500.000.000 (hum bilhão e meio), construído para abrigar apenas duas coisas: um único jogo de futebol e o desinteresse das autoridades pelas reais necessidades públicas. Some-se a esse 1,5 bilhão, mais um outro depositado para comprar uma refinaria obsoleta nos EUA, mais um outro tanto para fazer um porto em Cuba e nos indagamos o que não seria se usássemos esse dinheiro para a Polícia e a Receita Federal terem meios para cumprir suas funções institucionais.

Veja matéria completa neste link para o blog do juiz William Douglas

Fonte: Portal Sindipolf-SP

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