‘Jabuti’ favorece empresas e relator de MP

Cardoso Junior: relator é sócio minoritário de empresas controladas pelo pai, o ex-governador Newton Cardoso (MG), que são frequentes litigantes no Carf

Um “jabuti” na medida provisória (MP) do Programa de Regularização Tributária (PRT) para enfraquecer o voto de qualidade no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) poderá beneficiar empresas com multas bilionárias, advogados que têm perdido causas com o “voto duplo” dos auditores e o próprio relator da proposta, deputado Newton Cardoso Júnior (PMDB­MG), cujo pai tem mais de 30 processos no órgão e que renderam até investigação na operação Zelotes.

Além de mudanças para transformar o parcelamento das dívidas tributárias em um “Refis”, Cardoso incluiu emenda para extinguir multas quando for necessário o voto de qualidade no Carf, que julga recursos contra autuações da Receita e é composto paritariamente por advogados e auditores fiscais. Quando há empate, o presidente, que é do Fisco, desempata ­ e costuma manter a punição.

Pela emenda, quando ocorrer voto de qualidade, o devedor ficará livre de multa se decidir pagar, à vista ou parcelado, o valor cobrado pela Receita ­ e que pode ser inscrito num Refis nos moldes da MP. Assim, se livraria de uma punição maior, que pode chegar a três vezes o valor original. Estudo da FGV Direito SP do ano passado sobre a 1ª Seção do Carf, que reúne os processos de maior valor, mostra que o voto de qualidade ocorreu em menos de 5% dos 1.409 julgados. Mas quase todos estes 62 processos deram ganho de causa ao Fisco ­ só sete foram revertidos. Apesar de a quantidade de processos não ser tão expressiva, o valor é ­ e auditores dizem que os desempates têm crescido após a Zelotes, que renovou os conselheiros.

Casos como o da Gerdau, condenada a pagar R$ 4 bilhões, a fusão da Bolsa de Mercadorias e Futuros (BM&F) com a Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa), com cobrança de R$ 1,1 bilhão, e da Petrobras, autuada em R$ 1,5 bilhão por lucros de uma subsidiária, foram decididos recentemente por voto de qualidade. Outras punidas no desempate são a mineradora Nacional Minérios (Namisa), cobrada em R$ 1,746 bilhão, e a distribuidora de bebidas Eagle, da Ambev. Cabe recurso ao Carf ou à Justiça.

O próprio relator da MP pode ria se beneficiar. As empresas da família, das quais é sócio minoritário e que são comandadas pelo pai, o ex-governador de Minas Gerais Newton Cardoso (PMDB), são frequentes litigantes no Carf. Levantamento do Valor mostra que há 34 processos em discussão, alguns de 2008 e que não foram julgados nem pelas turmas ­1ª instância da instituição.

Nenhum foi decidido por voto de qualidade, mas, dado o volume, isso poderá ocorrer. Em apenas dois casos houve julgamento pela Câmara Superior, mas as decisões foram unânimes ­ uma vez para condena­lo e a outra para acatar parcialmente um recurso.

Só um dos processos pode custar R$ 47,845 milhões ao empresário. O Fisco cobra quatro impostos da Rio Rancho Agropecuária e de seus responsáveis sobre operações de 2007 a 2009. Por unanimidade, a turma que julgou o caso entendeu que houve fraude e determinou multa de 150% e que o administrador da sociedade responderá solidariamente com seu patrimônio para pagar a dívida.

O pai do relator ainda é investigado há dois anos pelo Ministério Público Federal na operação Zelotes, que apura fraudes nos julgamentos do Carf. Dois ex­conselheiros denunciados por corrupção por outros casos, Nelson Mallmann e Pedro Anan Junior, votaram para arquivar autuação da Receita sobre o imposto de renda de Newton pai, acusado pela Receita de sonegar R$ 106,9 milhões. Mallmann liderou a posição divergente contra o Fisco e foi o relator do voto vencedor, entendendo que não cabia o pagamento. A Receita chegou a recorrer, mas também foi derrotada em segunda instância.

Não há denúncia formal contra o político e, apurou o Valor, o inquérito ainda está em fase inicial de investigação.

O relator não foi encontrado ontem para comentar. Na semana passada, ele defendeu a emenda dizendo que a mudança tornará mais justa a regra e que decisões judiciais já cancelaram julgamentos do Carf por voto de qualidade. “Considerei por bem que pudéssemos dar ao contribuinte que vai ao Carf o mesmo tratamento disposto no artigo 112 do CTN e no Código Penal: na dúvida, a decisão tem que ser favorável ao réu”, disse.

Já o coordenador da Procuradoria-­Geral da Fazenda Nacional (PGFN) no Carf, Moisés de Sousa Pereira, não concorda com a premissa de dúvida. “Empate não é dúvida”, afirma. Lembra que o Supremo Tribunal Federal (STF), em mandado de segurança, manteve o desempate e diz que o paralelo com o direito penal não se aplica, uma vez que direito tributário não tem penas restritivas de liberdade.

O procurador diz que a emenda não deixa claro em quais casos a multa seria excluída: se só quando o desempate é no mérito ou se também vale em outros aspectos do recurso. Para ele, a proposta não vale para casos julgados antes da aprovação do texto, que ainda terá que passar pelos plenários da Câmara e do Senado. “No processo, vale a lei vigente no momento em que o ato foi praticado. Aplicação retroativa é exceção e teria que estar prevista expressamente”, diz.

Mas para o advogado tributarista Tiago Conde, o texto se aplica sim a casos já julgados, mas limitado a quem aderir ao Refis. Há dúvida, afirma, sobre a possibilidade de MP alterar o decreto 70.235, de 1972, que trata do processo administrativo fiscal, se não for restrito ao contexto do Refis.

As modificações feitas pelo Congresso no plano de regularização tributária prejudicam a arrecadação prevista para 2017 e são combatidas pelo ministro da Fazenda, Henrique Meirelles. Segundo ele, com o projeto original enviado pelo Executivo a previsão era de arrecadar até R$ 8 bilhões com o plano, mas as mudanças podem reduzir essa margem.

“Não há dúvida de que a regularização de recursos aprovada como está permite, na realidade, uma vantagem importante a quem se atrasou no pagamento dos impostos e prejudica a arrecadação prevista para 2017”, afirmou o ministro.

O ministro da Fazenda participou ontem de uma cerimônia com militares das Forças Armadas, no Rio, em comemoração ao Dia da Vitória e imposição da Medalha da Vitória. Meirelles indicou que vai ao parlamento pedir a revisão das alterações no projeto.

Fonte: Valor Econômico

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