Vice-chanceler de Assad diz que ocidente tem de confiar no regime, e não em terroristas
Faisal al-Maqdad diz que foi surpreendido, em março de 2011, pelas vozes que tomaram as ruas em Deraa, sul da Síria, pedindo liberdade.
Em parte, afirma, porque acreditava que a Síria – governada há décadas pelo mesmo partido e pela mesma família – já fosse, afinal, livre. E porque ainda não entendia a “conspiração” armada para derrubar o país, antigo desafeto dos governos dos EUA e de Israel.
“É uma guerra contra a Síria”, afirma Maqdad à Folha, em seu escritório na capital, Damasco. Ele é vice-chanceler sírio e representante permanente do país na ONU.
Diante da saúde frágil do chanceler sírio, Walid al-Mualim, recentemente submetido a uma cirurgia cardíaca, Maqdad tem sido um dos principais rostos do regime de Bashar al-Assad.
Ele diz ter certeza de que Assad vai vencer a guerra – só “depende da quantidade de dinheiro e de armas enviados pelas forças externas [para os rebeldes]”.
Folha – Como o sr. descreveria a situação atual na Síria?
Faisal al-Maqdad – É uma guerra dos EUA e das forças não democráticas da região contra a Síria, incluindo Arábia Saudita, Turquia e Israel. Armas são entregues a grupos terroristas, como Al Qaeda e Jabhat al-Nusra.
Qual o interesse externo?
Os EUA querem que o último país no Oriente Médio a exigir uma solução justa ao conflito árabe-israelense desista. Querem mudar a natureza das alianças na região.
Para Israel, talvez fosse vantajoso que Assad ficasse no poder, por ser a opção estável.
É absolutamente o oposto. Israel tem recebido muitos dos feridos da Al Qaeda e de outros grupos terroristas [tratados em hospitais israelenses]. Essas gangues atacaram os palestinos na Síria, que são a esperança de um Estado palestino independente.
Quem é a oposição armada?
Conheço alguns deles pessoalmente. São criminosos e contrabandistas. São o tipo de pessoa que pode ser comprada pelos milhões de dólares enviados pela Arábia Saudita e pelos governos ocidentais. São terroristas armados que querem estabelecer um califado islâmico e restaurar o passado, em detrimento do governo secular sírio, que estabilizou a região por eras.
Qual foi o ponto de inflexão, após parecer que os rebeldes estavam perto de vencer?
No começo, não sabíamos o que estava acontecendo. O governo não esperava a quantidade enorme de armas e de dinheiro que entrou na Síria. O Exército não estava preparado para essas batalhas.
Em um estágio seguinte, quando treinamos nosso Exército e mobilizamos o povo em forças de defesa, fomos capazes de rebater o ataque. Hoje, não há um só lugar na Síria em que o regime não possa entrar, caso o queira.
Não houve excesso do uso da força pelo governo?
Não. Todos os crimes foram cometidos por grupos armados. É hora de a comunidade internacional entender que precisa confiar no governo, e não nos grupos terroristas.
O sr. tem certeza de que vai vencer a guerra?
Absolutamente.
Em quanto tempo?
Depende da quantidade de dinheiro e de armas enviados pelas forças externas. Queremos, desde o início, resolver essa questão de maneira política. Mas aqueles que querem controlar a Síria não dão uma chance à solução política.
Acreditamos que, no fim do processo político, deva haver uma urna para decidir quem vai liderar a Síria.
Essa já seria uma concessão do governo?
A democracia não é uma concessão. Democracia é um processo. O presidente Assad falou sobre esse processo por um longo tempo. Mas os opositores sabem que, democraticamente falando, não vão vencer. Como podemos discutir democracia com grupos terroristas, como Al Qaeda e Jabhat al Nusra? É difícil.
Haverá uma terceira negociação em Genebra?
A negociação política é a única solução. Mas não podemos desistir de nosso esforço contra o terrorismo. Acho que essa não é só nossa responsabilidade, mas também a da comunidade internacional.
Líderes que querem justificar seu apoio a grupos como a Al Qaeda afirmam que a Síria tornou-se um ímã para organizações terroristas. Sim, mas eles são justamente os responsáveis por criar a atmosfera que as atraiu.
Em um governo de transição, Assad seria o presidente? Isso é negociável?
É absolutamente inegociável. Assad é a garantia para a unidade do povo sírio. Ele tem um grande apoio. Se há dúvidas, vamos às eleições.
As manifestações pediam mais liberdade. Há liberdade na Síria? É um erro dizer que Assad é um ditador?
Eles estão errados. Há problemas aqui e ali. Não posso dizer que a Síria seja um paraíso. O Brasil também não é. Vocês tiveram diversas manifestações contra a Copa, contra o transporte público, e não posso dizer que não há democracia no Brasil. Somos países em desenvolvimento.
Como avalia a atitude brasileira em relação à Síria?
Estive no Brasil no início da insurgência, para me reunir com membros do governo. É claro que há pressão no Brasil por países ocidentais, como os EUA. Mas o Brasil precisa entender melhor o desenvolvimento dos eventos na Síria, em especial aqueles relacionados aos direitos humanos. Os direitos humanos estão sendo violados por terroristas, não pelo governo.
Fonte: Folha de S.Paulo