Grécia: “terapia de choque” contra os mercados

Coalizão da Esquerda Radical (Syriza, em grego) obteve 36 por cento da votação nas eleições que ocorreram no dia 25 de janeiro

*Revista Resenha Estratégica / Movimento de Solidariedade Ibero-americana (MSIa)

A vitória da coalizão de esquerda agrupada no partido Syriza nas eleições de domingo, na Grécia, significa um repúdio da população ao draconiano tratamento de austeridade financeira ao qual o país tem sido submetido nos últimos cinco anos. Ademais, o que está em causa é a perda da realidade das lideranças em funções de responsabilidade pública, que sacrificaram a Grécia no altar dos mercados financeiros. Acostumados a impor “terapias de choque” contra o bem-estar das populações vitimadas pela “mercantilização” de praticamente todos os aspectos da vida humana a submissão quase absoluta das políticas públicas aos seus ditames, os mercados receberam o troco nas eleições gregas. O resultado foi uma virtual onda de choque dirigida ao núcleo oligarca que controla o sistema financeiro, não apenas europeu, mas global.

Não por acaso, o triunfo do partido liderado pelo jovem engenheiro Alexis Tsipras, de 40 anos de idade, deflagrou uma onda de manifestações irritadas, muitas beirando a histeria, além de ameaças ostensivas, por parte dos pesos pesados da União Europeia (UE) e do séquito de apoiadores, propagandistas, arautos e outros beneficiários dessa estrutura hegemônica, que o sítio de análises estratégicas franco-belga De Defensa chama o “Sistema”.

Em uma análise publicada em 27 de janeiro, os analistas do sítio afirmaram:

A vitória do partido de Tsipras na Grécia é, evidentemente, um acontecimento de extrema importância, mesmo porque interrompe cinco anos de um tratamento indigno e inadmissível da Grécia. Durante este período, a Grécia tem sido submetida a uma política desestruturante e dissolvente, cuja própria essência é a barbárie pós-moderna operacionalizada pelo Sistema. A sociedade grega foi sistematicamente desconstruída e dissolvida em nome da austeridade, beneficiando as habituais forças do Sistema e os meios transnacionais, por sua vez, aproveitadores da operação, transformando o cidadão que se situa no âmbito coletivo de uma sociedade vinculada a uma nação e ao bem comum que ela deve assegurar, em um indivíduo isolado, sem qualquer proteção e, com frequência, considerado como uma peça inútil e cara para o Sistema. Se isso não é uma barbaridade que ultrapassa tudo o que já foi feito pelo caráter insidioso e totalitário da desestruturação e da dissolução, então, essa palavra não tem significado.

De fato, Tsipras baseou a sua campanha na promessa de reverter o que o seu já nomeado ministro da Fazenda, Yanis Varoufakis, descreve como o “déficit de dignidade” que está humilhando a grande maioria da população grega. Entre as suas promessas, está a exigência de um corte de pelo menos 50% na colossal e impagável dívida externa do país, estimada em 240 bilhões de euros, equivalente a 175% do PIB. O resultado do embate com a temida “tróica” – Comissão Europeia, Fundo Monetário Internacional (FMI) e Banco Central Europeu (BCE) -, que desde 2008 dá as cartas na formulação da política econômica e financeira grega, poderá ser determinante para o destino da estratégia da oligarquia financeira global e seus subordinados em Bruxelas, de impor a pseudopanaceia da “austeridade financeira” como o caminho para a recuperação das economias atingidas pela crise de 2008.

Por isso, o primeiro-ministro britânico David Cameron nem esperou o término da apuração oficial da eleição, para advertir que “a eleição grega aumentará a incerteza econômica em toda a Europa” (BBC, 25/01/2015).

Na Alemanha, a chanceler Angela Merkel, que para os gregos personifica as draconianas políticas da “tróica”, preferiu se manter em silêncio, embora um porta-voz oficial tenha dito que o caminho para a recuperação econômica da Grécia passa pela “preservação dos compromissos assumidos anteriormente” (Reuters, 25/01/2015).

Já o presidente do Bundesbank (banco central alemão), Jens Weidmann, disse esperar que “o novo governo grego não faça promessas que não pode manter e o país não tem como sustentar” (ARD, 25/01/2015).

O ministro da Fazenda da Bélgica, Johan van Overtveldt, também falou grosso: “Podemos falar de modalidades, podemos falar de restruturação da dívida, mas a pedra fundamental de que a Grécia deve respeitar as regras da união monetária – isto deve ficar como está (Reuters, 25/012015).”

O problema é que, como os gregos estão experimentando na própria pele, a amarga receita imposta pela “tróica” não está funcionando. Desde 2008, o PIB grego caiu 25%, o desemprego está na casa de 25%, sendo mais que o dobro no caso dos jovens (dos quais mais de 400 mil deixaram o país, em uma população de 11 milhões); enquanto isso, com todos os sacrifícios, a dívida saltou de 124% para 175% do PIB. Por isso, é mais que hora de uma alternativa mais realista.

Como afirma o economista Paul Krugman,

agora que Tsipras ganhou, e ganhou bem, funcionários europeus pedem que ele aja de forma responsável, cumprindo seu programa. O fato é que eles não têm credibilidade; o programa que impuseram nunca fez sentido. O problema com os planos do Syriza é que eles podem não ser suficientemente radicais. O alívio da dívida e um abrandamento da austeridade iriam reduzir o sofrimento econômico, mas é duvidoso que sejam suficientes para produzir uma forte recuperação. Mesmo assim, pedindo uma grande mudança, Tsipras está sendo muito mais realista do que aqueles que querem que o programa continue até que os ânimos melhorem. O resto da Europa deveria lhe dar chance de acabar com o pesadelo de seu país (O Globo, 27/01/2015).

Se a Grécia de Tsipras seguir os passos da Argentina de Eduardo Duhalde e Néstor Kirchner, quanto à imposição de um forte abatimento de sua dívida, o país terá uma chance de recomeçar, mesmo que, talvez, tenha que retirar-se da zona do euro. A possibilidade é equiparada pelos “eurocratas de Bruxelas” a uma explosão nuclear, pelo perigosíssimo precedente que sinalizaria aos demais países do bloco onde haverá eleições este ano – Espanha, Irlanda e Holanda.

Caso contrário, dificilmente, o novo governo terá condições de enfrentar com um mínimo de perspectiva de sucesso o colossal desafio de reverter o retrocesso socioeconômico e a humilhação que se abateram sobre a sociedade grega. Assim, Tsipras terá que se decidir, prontamente, entre a dignidade grega e os mercados – e não o caminho intermediário, que, nesse caso, equivaleria a uma capitulação.

Compartilhe:

Leia mais
reunião tst centrais sindicais
Centrais têm reunião com presidente do TST sobre contribuição assistencial e emprego no RS
APOIO À NOTA TÉCNICA Nº 09 DA CONALIS
Centrais sindicais dão apoio à Nota Técnica da Conalis (MPT) sobre contribuição assistencial
acordo rodoviários porto alegre trt
Rodoviários de Porto Alegre terão reajuste no salário e no vale-alimentação
Apoio Financeiro RS prorrogado
Governo amplia prazo para empresas do RS aderirem a Apoio Financeiro a funcionários
prodesp descumpre cota jovem aprendiz
Tarcísio promete 60 mil vagas de Jovem Aprendiz, mas Prodesp descumpre cota
Fachada ministério do trabalho
Ministério do Trabalho notifica 1,3 mil sindicatos para atualizar informações; acesse a lista
falecimentot josé alberto rossi cnpl
Nota de pesar: CSB lamenta falecimento de José Alberto Rossi, ex-presidente da CNPL
3a plenaria conselhao
Centrais defendem esforço maior contra a desigualdade em plenária do Conselhão
Desemprego no Brasil cai em 2024
Desemprego no Brasil cai de 8,3% para 7,1% em um ano; massa salarial cresceu 5,6%
Encontro sindicatos BR-CHINA SP 2
CSB recebe sindicalistas chineses para apresentar atuação sindical no Brasil