Falha de agência transfere 1,2 bi de pedágio irregular a concessionárias, diz TCU

Segundo o tribunal, agência reguladora comete erros e edita normas falhas que pesam para motoristas

 

Empresas que operam rodovias concedidas pelo governo federal estão se apropriando indevidamente de recursos pagos pelo cidadão graças a falhas e normas irregulares editadas pela ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres), órgão que deveria fiscalizar o serviço.

Auditoria do TCU (Tribunal de Contas da União), obtida pela Folha, estima que condutores de veículos tenham pago ao menos R$ 1,2 bilhão a mais que o devido em praças de pedágio país afora.

A agência, diz a investigação, deixou de aplicar descontos obrigatórios nas tarifas, autorizou reajustes sem previsão contratual e permitiu a ampliação injustificada de custos com equipamentos.

Para obter uma concessão rodoviária, a empresa interessada se compromete a fazer, além da manutenção e conservação, investimentos.

Os contratos de concessionárias da terceira rodada de leilões —ocorrida em 2013 e 2014, no governo Dilma Rousseff (PT)— preveem que, em caso de descumprimento dessas obrigações e de parâmetros de qualidade, aplica-se um fator de abatimento no pedágio.

A apuração desse desconto é feita anualmente e ele deve ter aplicação imediata, na primeira revisão tarifária subsequente. A ANTT, porém, tem levado, em média, um ano e quatro meses para fazê-lo, segundo o TCU. Nesse período, o cidadão paga sem necessidade uma tarifa mais alta.

O relatório do tribunal sobre as concessões, concluído em novembro, estima que reduções de até 14% nos preços pagos pelos motoristas deixaram de ser aplicadas nos processos de reavaliação recentes.

Somente cinco empresas (MGO, Concebra, MSVia, CRO e Via 040) arrecadaram R$ 313,6 milhões dessa forma.

O tribunal constatou que o cidadão tem pago pedágio até para manter pistas que não existem. Os contratos também determinam diminuição da tarifa quando a responsável pela concessão não duplica.

Na Via 040 (Brasília-Juiz de Fora), o pedágio deveria ter ficado 1,22% mais barato por não terem sido duplicados 38,8 quilômetros, segundo a auditoria.

A ANTT também deu causa a aumento dos valores pagos pelos condutores ao editar, em 2009 e 2010, duas resoluções sobre os sistemas eletrônicos instalados nas rodovias (entre eles circuitos de TV e radares).

Elas padronizaram os custos e as especificações técnicas desses aparelhos, gerando incremento de R$ 670 milhões nos investimentos que deveriam ser feitos por oito detentoras de concessões do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT), em 2008 (ViaBahia, Transbrasiliana, Litoral Sul, Fluminense, Planalto Sul, Rodovia do Aço, Fernão Dias e Régis Bittercourt).

Esse valor foi coberto por reajuste das tarifas.

O TCU concluiu, no entanto, que os parâmetros das resoluções para os circuitos de TV eram os mesmos originalmente exigidos e, por isso, eles não impactaram os custos das empresas na prática.

No caso dos radares, os valores de referência previstos nas normas estavam superfaturados, segundo a corte.

Qual o problema?

A ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres) deixou de aplicar descontosobrigatórios nas tarifas, autorizou reajustes sem previsão contratual e permitiu a ampliação injustificada de custos com equipamentos tecnológicos, suportados pelos usuários das pistas para rodovias das 1ª, 2ª e 3ª etapas do programa federal de concessão a partir de 2009.

O tribunal identificou também favorecimento às empresas no reajuste das tarifas de rodovias leiloadas no governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB), em 2000, a cargo das concessionárias NovaDutra, Concer e CRT.

Os contratos previam aumentos com base na variação de índices relativos aos principais componentes de custo das rodovias. Segundo o tribunal, a ANTT alterou essa fórmula em 2011, para o IPCA.

Segundo o TCU, a alteração “trouxe significativos prejuízos aos usuários, pois se estima que isso tenha resultado em tarifas de 11% a 14% maiores que as devidas”.

No caso da Nova Dutra (Rio-São Paulo), o reajuste concedido entre 2011 e 2017 foi de 46%. Pelas regras originais, o porcentual seria de 28%. A arrecadação indevida teria sido de ao menos R$ 182 milhões.
Agência diz que vai fazer correções de receitas neste ano

Outro lado

A ANTT informou que ainda está analisando o relatório do TCU para decidir quais argumentos serão acolhidos e quais contestados.

A agência afirmou que, a partir deste ano, vai fazer as correções de receitas arrecadadas a mais pelas empresas nos anos anteriores.

Em relação à alteração do índice de correção dos contratos das rodovias Concer, Nova Dutra e CRT, a agência informou que a decisão foi tomada para evitar que algumas concessionárias tivessem reajuste negativo.

A ANTT diz que essa alteração contratual foi discutida com o TCU e “não houve nenhuma manifestação por parte da corte de contas”.

Sobre as resoluções que trataram de circuitos de TV e radares, a agência diz que foram feitas por “antigas gestões”.

Em nota, a MGO Rodovias afirmou que os processos de revisão tarifária seguem os procedimentos estabelecidos no contrato de concessão.

A Concebra, a Transbrasiliana e a Concer informaram que não se manifestariam, pois não foram notificadas.

A Arteris, controladora da Litoral Sul, Planalto Sul, Fluminense, Fernão Dias e Régis Bittencourt, alegou não ter conhecimento do processo do TCU e, se for intimada, “prestará todos os esclarecimentos”.

A CCR Lam Vias, que gerencia a NovaDutra e a MSVia, disse desconhecer o relatório.

A Via 040 não se pronunciou. A Folha não obteve resposta das demais concessionárias.

Fonte: Julio Wiziack e Fábio Fabrini – Folha de S.Paulo

Pedágio de estradas federais pode ter alta de 25%

Ministério de Infraestrutura alega que busca equilibrar contratos para permitir investimentos

 

Para readequar contratos herdados do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o Ministério de Infraestrutura quer permitir um aumento médio de até 25% dos pedágios para sete rodovias no Sudeste e no Sul.

Em alguns casos, como o da Fernão Dias, que liga São Paulo a Belo Horizonte, o reajuste pode chegar a 58%.

As concessionárias responsáveis pelas estradas enfrentam desequilíbrio financeiro e alegam não conseguir investir R$ 7 bilhões em obras de melhoria previstas nos contratos.

A Arteris, que tem como sócias a espanhola Arbetis e a canadense Brookfield, precisa honrar com R$ 4,6 bilhões para cumprir exigências como duplicações, faixas adicionais, sistemas de controle e monitoramento em cinco vias.

Outras duas empresas, Acciona e Triunfo, teriam de arcar com mais R$ 2,4 bilhões para melhorias em duas estradas.

Simulações indicam que a proposta de aumento do pedágio poderia gerar R$ 600 milhões por ano às concessionárias Planalto Sul, Fluminense, Fernão Dias, Régis Bittencourt e Litoral Sul, controladas pela Arteris, valor que seria suficiente para os investimentos.

O ministro de Infraestrutura, Tarcísio de Freitas, afirmou à Folha que “há espaço para aumento” até maior de tarifa em rodovias que não têm mais obras programadas.

“Nessas estradas, há pedágios muito baixos, sem investimentos previstos, e queremos autorizar aumento.

A questão é saber se a população não aceita pagar um pouco a mais para ter uma terceira faixa, por exemplo. Para isso, vamos fazer consulta pública.”

Na Fernão Dias, o pedágio poderia, segundo cálculos parciais, saltar de R$ 2,40 para R$ 3,80, que faria frente a R$ 1,2 bilhão em investimentos.

Na Régis Bittencourt, que liga a capital paulista ao Sul e é uma das rodovias com maior tráfego de carga do país, a exigência de investimento é de pelo menos R$ 1,1 bilhão.

A tarifa nessa estrada poderia passar, ainda na avaliação de técnicos, dos atuais R$ 3,20 para R$ 4 (25%).

Existem rodovias, como a BR-116 (PR/SC), da Autopista Planalto Sul, que precisam realizar R$ 383 milhões em investimentos, mas o pedágio nessa via já é elevado (R$ 6,50), deixando pouca margem para correções. Com uma tarifa de R$ 7, a BR-393 (Rodovia do Aço), administrada pela K-Infra, também tem pouco espaço de manobra.

Segundo os técnicos do ministério, na média, somando a tarifa das sete estradas, seria possível ampliar em até 25% a receita dos pedágios.

Caso decida avançar na ideia de reajustar as tarifas dessas rodovias, o ministério terá de superar ainda outra barreira.

O TCU (Tribunal de Contas da União) defende que não é possível agregar mais obras em contratos vigentes. Mas o ministro afirma que vai tentar reverter esse entendimento.

“Esses são contratos imperfeitos”, disse. “Não dá para prever o que vai acontecer em uma região por onde passa uma estrada. A mancha populacional pode aumentar mais do que o previsto, por exemplo. O que o contrato precisa prever são bons mecanismos de solução para conflitos e para reequilíbrio.”

Quando foram lançadas, entre 2007 e 2008, essas sete concessões tiveram de fazer investimentos pesados logo no início do contrato que não foram plenamente implementados porque a economia não cresceu como se esperava.

Esse problema se agravou nas concessões seguintes, no governo da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), cujo modelo forçou ainda mais as tarifas para baixo, mas exigiu investimentos altos na largada.

O resultado foi um desequilíbrio ainda maior nessas concessões mais recentes.

Boa parte desses contratos pertence a empresas controladas por empreiteiras implicadas na Lava Jato, como a Odebrecht. É da empreiteira baiana o contrato da BR-163, que passa por 19 municípios do Centro-Oeste e funciona como principal rota para a exportação da safra de soja para o porto de Santos (SP).

Assessores do governo afirmam que a empresa tenta negociar sua participação, mas nenhum investidor se interessa em comprar um contrato inadimplente.

Fonte: Julio Wiziack e Fábio Fabrini – Folha de S.Paulo

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