EUA: somos “excepcionais” e resto do mundo tem que engolir

O imperialismo Norte-Americano é o grande inimigo do mundo e do crescimento dos demais países

*Revista Resenha Estratégica / Movimento de Solidariedade Ibero-americana (MSIa)

Não é todo dia que os líderes da nação mais poderosa do mundo assumem às claras a atitude imperial que impregna a sua política externa, segundo a qual os EUA são a nação “excepcional” e “indispensável” e, portanto, têm o direito e o dever de conduzir as demais nações do planeta no rumo selecionado pelas suas iluminadas elites dirigentes. Em geral, os altos representantes de Washington se mostram mais comedidos e procuram ocultar a sua mentalidade supremacista sob disfarces como a defesa dos valores ocidentais, como a democracia, a liberdade de expressão e os direitos humanos, ou a luta contra o terrorismo. Por isso, vale registrar duas recentes manifestações de franqueza de autoridades do país, que ajudam a entender a sua agenda.

A primeira, embora não em ordem cronológica, foi do próprio presidente Barack Obama, que, no seu tradicional discurso sobre o “estado da União”, em 20 de janeiro, admitiu sem rodeios:

Eu acredito em um tipo mais inteligente de liderança estadunidense. Nós lideramos melhor quando combinamos o poder militar com uma diplomacia forte, quando alavancamos o nosso poder com a construção de coalizões; quando não deixamos que os nossos medos nos ceguem às oportunidades que este novo século apresenta. É exatamente o que estamos fazendo neste momento – e, em todo o mundo, está fazendo uma diferença.

Primeiro, nós permanecemos unidos com gente de todo o mundo que tem sido alvo de terroristas – de uma escola no Paquistão às ruas de Paris. Nós continuaremos a caçar os terroristas e desmantelar as suas redes, e nos reservamos o direito de atuar unilateralmente, como temos feito incansavelmente desde que assumi a Presidência, para eliminar terroristas que representam uma ameaça direta a nós e aos nossos aliados [grifos nossos]. (…)

Claro que os EUA têm atuado unilateralmente em todas as ocasiões em que isto convém à sua agenda, e não apenas com o pretexto do combate ao terrorismo, mas isto é um detalhe de somenos.

Adiante, um uma evidente menção à China, Obama observou:

Na Ásia-Pacífico, nós estamos modernizando alianças, enquanto nos asseguramos de que outras nações sigam as regras – na maneira como fazem comércio, como resolvem as suas disputas marítimas e como participam no enfrentamento de desafios internacionais comuns, como a não-proliferação [nuclear] e a mitigação de desastres [grifos nossos]. (…)

O presidente estaria sendo mais realista se tivesse sintetizado as suas considerações unindo os dois trechos grifados acima, como fizeram alguns blogueiros – “nos reservamos o direito de atuar unilateralmente… enquanto nos asseguramos de que outras nações sigam as regras”.

A outra manifestação de “sincericídio” veio de George Friedman, o conhecido diretor da agência de inteligência privada Stratfor, considerada por muitos como uma “CIA nas sombras”, devido ao seu papel de destaque na promoção das agendas estratégicas estadunidenses. Em dezembro, durante uma visita à Rússia, Friedman concedeu uma entrevista das mais francas ao jornal econômico Kommersant, cujas repercussões fizeram com que fosse amplamente reproduzida em outros veículos midiáticos, como o sítio Russia-insider.com, que a traduziu ao inglês e a publicou em 20 de janeiro. A seguir, reproduzimos os trechos mais relevantes, que valem mais que muitos tratados de História e Relações Internacionais e dispensam comentários:

K – (…) Funcionários estadunidenses, bem como as lideranças de estados membros da União Europeia, têm explicado as suas duras políticas contra a Federação Russa argumentando que, com a sua anexação da Crimeia, a Rússia, pela primeira vez desde a II Guerra Mundial, “redesenhou fronteiras pela força”.

GF – Os estadunidenses sabem que isso é bobagem. O primeiro exemplo de mudança de fronteiras pela força foi a Iugoslávia. E o Kosovo foi apenas a culminância desse processo. E os EUA estão diretamente envolvidos nesses eventos.

K – Qual é o objetivo da política dos EUA, no que diz respeito à Ucrânia?

GF – Nos últimos 100 anos, os estadunidenses têm perseguido uma política externa bastante consistente. O seu objetivo principal: não permitir que qualquer estado ganhe muito poder na Europa. Primeiro, os EUA procuraram evitar que a Alemanha dominasse a Europa, depois, procuraram impedir que a União Soviética aumentasse a sua influência. A essência dessa política é a seguinte: manter ao máximo possível um equilíbrio de poder na Europa, ajudando a parte mais fraca, e se o equilíbrio estiver próximo de ser significativamente perturbado, intervir no último momento. Assim, no caso da I Guerra Mundial, os EUA intervieram apenas depois da abdicação de [o czar] Nicolau II, em 1917, para evitar que a Alemanha ganhasse terreno. E, durante a II Guerra Mundial, os EUA só abriram uma segunda frente bem tarde [em junho de 1944], depois que ficou claro que os russos estavam prevalecendo sobre os alemães.

E mais, da perspectiva dos EUA, a aliança potencialmente mais perigosa considerada era uma aliança entre a Rússia e a Alemanha. Isto seria uma aliança da tecnologia e do capital alemães com os recursos naturais e humanos russos.

K – Hoje, em sua opinião, quem os EUA estão tentando restringir?

GF – Hoje, os EUA estão procurando bloquear a emergência de todo um conjunto de potenciais hegemons regionais: Sérvia, Irã, Iraque [sic]. Ao mesmo tempo, as autoridades estadunidenses aproveitam os ataques diversionistas. Por exemplo, em uma batalha, quando o inimigo está prestes a conseguir a vitória, você o atinge de lado para desequilibrá-lo. Os EUA não estão querendo “derrotar” a Sérvia, o Irã ou o Iraque, mas precisam criar o caos por lá, para evitar que eles fiquem muito fortes.

K – E com relação à Rússia, que tática estão usando?

GF – (…) O imperativo estratégico da Rússia é ter uma zona tampão o mais longe possível das suas fronteiras ocidentais. Por isso, a Rússia tem sempre se preocupado particularmente com as suas relações com a Bielo-Rússia, Ucrânia, os Estados Bálticos e outros países no Leste Europeu. Eles são de grande importância para a segurança nacional da Rússia.

No início deste ano [2014], havia na Ucrânia um governo ligeiramente pró-russo, mas bastante fragilizado. Essa situação era boa para Moscou: afinal de contas, a Rússia não queria controlar completamente a Ucrânia ou ocupá-la; bastava que a Ucrânia não se juntasse à OTAN e à União Europeia (UE). As autoridades russas não podem tolerar uma situação em que forças armadas ocidentais estejam estacionadas a 100 quilômetros ou algo assim, de Kursk ou Voronezh.

Por sua vez, os EUA estavam interessados em formar um governo pró-ocidental na Ucrânia. Eles viram que a Rússia está em ascensão e estavam ávidos de não deixar que ela consolidasse a sua posição no espaço pós-soviético. O sucesso das forças pró-ocidentais na Ucrânia permitiria que os EUA contivessem a Rússia. A Rússia chama os eventos que ocorreram no início deste ano de um golpe de Estado organizado pelos EUA. E foi, verdadeiramente, o mais escancarado golpe da História.

K – O senhor quer dizer, o cancelamento do acordo de 21 de fevereiro [intermediado pela UE e a Rússia e estabelendo eleições antecipadas para setembro de 2014 – n.e.] ou todo o episódio [das manifestações na Praça] Maidan?

GF – A coisa toda. Afinal de contas, os EUA apoiavam abertamente grupos de direitos humanos na Ucrânia, inclusive financeiramente. Enquanto isso, os serviços especiais da Rússia não perceberam nada disso. Eles não entenderam o que estava acontecendo, mas, quando perceberam, não puderam fazer nada para estabilizar a situação e, depois, avaliaram mal os ânimos no Leste da Ucrânia.

K – Em outras palavras, a crise ucraniana é o resultado da confrontação entre a Rússia e os EUA?

GF – Aqui você tem dois países: um quer uma Ucrânia que seja neutra; o outro quer que a Ucrânia faça parte de uma linha de contenção contra a expansão russa. Uma parte não pode dizer que a outra está errada: ambas estão atuando com base nos seus interesses nacionais. O problema é que esses interesses não batem.

Friedman finaliza com uma observação que sintetiza, tanto o “sonho de consumo” de grande parte das lideranças hegemônicas estadunidenses como uma percepção realista da origem dos problemas enfrentados pela Federação Russa, a sua dependência das exportações energéticas:

(…) Mas a questão principal é se a própria Rússia poderá se manter inteira. Ela está agora enfrentando muitos dos fatores que levaram ao colapso da União Soviética: a falta de um sistema de transporte efetivo; uma atitude cética em relação ao capital em muitas regiões, do Cáucaso ao Extremo Oriente; mas o principal é que há uma economia que só pode funcionar sob certas circunstâncias, especificamente, altos preços da energia. Você só tem um produto e, hoje, há um excesso dele no mercado global.

A rigor, as palavras de Friedman embutem tanto um sinal de alerta para as lideranças de Moscou, como uma advertência à qual não apenas elas, mas também as suas contrapartes brasileiras deveriam prestar muita atenção, por apontar a urgente necessidade de uma mudança de rumo quanto à reestruturação de economias excessivamente dependentes de exportações de produtos primários.

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