Assim como educação, gênero e raça afetam renda

Políticas para reduzir a diferença salarial entre homens e mulheres e brancos e negros teriam o mesmo efeito na desigualdade que aumento da escolaridade

 

RIO – As estatísticas mostram que, em média, homens ganham mais que mulheres, negros têm salários mais baixos do que os dos brancos. A disparidade de renda relacionada a gênero e raça no Brasil ainda é tão intensa que reduzi-la à metade hoje provocaria um efeito sobre a desigualdade similar ao que o país teria colhido se tivesse mantido na escola até o fim do ensino médio quem era criança na década de 1990. Hoje, só 25% da força de trabalho têm mais de 11 anos de estudo. A conclusão está em um estudo inédito dos sociólogos Marcelo Medeiros, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Rogério Barbosa, pós-doutorando da USP, e Flavio Carvalhaes, do Núcleo Interdisciplinar de Estudos sobre Desigualdade da UFRJ.

— O Brasil é tão complexo que a desigualdade aqui não se reduz somente com educação. Não gastamos a energia necessária para diminuir diferenças de gênero e raça nas últimas décadas. Isso é ruim para a economia e para o país. A mulher que ganha menos acaba desistindo do mercado de trabalho. Como elas são mais escolarizadas, perde-se em produtividade — diz Medeiros.

Um homem com idade e instrução iguais às de uma mulher que vive na mesma região ganha 43,9% mais que ela. Se for branco, tem uma vantagem salarial de 12,7% sobre um negro. Os pesquisadores concluíram que, se nos últimos 24 anos, o país tivesse adotado políticas de igualdade de gênero e de raça e, hoje, essas disparidades fossem significativamente menores (ou seja, uma diferença de 24,8% no gênero e de 6,6% na raça), o impacto sobre a desigualdade de renda geral do Brasil seria o mesmo que ter proporcionado ensino médio completo ou formação superior para todos os brasileiros que tinham até dez anos em 1994.

O estudo usou dados dos últimos anos, com a data de referência de 1994, como uma forma de aferir o impacto de diferentes abordagens no combate à desigualdade. A simulação serviu para demonstrar o efeito limitado de usar apenas a política educacional como estratégia de combate à desigualdade, já que os aspectos de gênero e raça têm peso grande na disparidade brasileira.

— Não existe carreira de nível superior no Brasil com mulher ganhando mais que homem. Houve algum progresso, mas a distância ainda é grande — observa Barbosa.

Creche faz diferença

Dentre as ações para promover oportunidades iguais, Medeiros destaca a maior transparência nas empresas sobre as diferenças salariais:

— Temos que saber as razões de mulheres e negros não estarem progredindo para cargos de chefia. Sabemos que a discriminação não é aberta, é sutil. Isso tem que ser quebrado.

A publicitária Marina Schmidt, de 21 anos, atribui à condição feminina as dificuldades que encontrou numa empresa. Ela conta que fazia o mesmo trabalho de homens, mas tinha cargo inferior ao deles.

— Demorei a aceitar que era realmente isso que estava acontecendo. Primeiro, duvidei da minha capacidade. Depois, comecei a pensar que, talvez, eu realmente fosse inferior. Só quando conversei com alguns colegas homens sobre isso a ficha caiu. Isso só estava acontecendo comigo, a única mulher da equipe — diz Marina, que hoje é freelancer.

Outra política considerada fundamental para que mulheres possam se dedicar tanto quanto homens às suas carreiras é a abertura de creches. Atualmente, apenas 30% das crianças de 0 a 3 anos estão matriculadas. Sem essa alternativa, muitas mães optam por empregos com horários mais flexíveis e mais perto de casa para compatibilizar o trabalho com o cuidado dos filhos, tarefa que ainda recai mais sobre os ombros femininos. Somando as cargas de trabalho doméstico e remunerado, mulheres trabalham cinco horas a mais por semana.

Efeito limitado

Para o economista Naercio Menezes Filho, coordenador do Centro de Políticas Públicas do Insper, os efeitos da educação sobre a queda da desigualdade estão cada vez mais limitados no país depois da expansão das últimas décadas.

— Na década de 1970, quando os diferenciais eram altos, o aumento da escolaridade agia mais contra desigualdade. Daqui para frente, é preciso pensar em outras políticas. A desigualdade no Brasil é multifacetada. De gênero, cor, região. Daqui para frente, temos que pensar em outras políticas.

O pesquisador chama a atenção para o que chama de “loteria da vida”. A renda de alguém ainda é determinada pela situação no nascimento: se em família pobre ou rica, se na zona rural ou na cidade.

Em outro trabalho, os sociólogos Carlos Costa Ribeiro e Weverton Machado, do Iesp/Uerj, mostram que, entre 2003 e 2014, a desigualdade de renda no país caiu 30% somente com o aumento da participação de mulheres casadas no mercado de trabalho.

— Houve a entrada maciça da mulher no mercado, o que ajudou a combater a desigualdade. Mas o trabalho feminino teve uma evolução incompleta: a mulher entrou no mercado de trabalho, mas o homem não avançou no trabalho doméstico — diz Machado.

Professora de educação e direitos humanos do Instituto Federal do Rio de Janeiro, Rosália Lemos lembra que as mulheres negras são as mais vulneráveis. Para ela, o combate à discriminação de raça e de gênero no mercado de trabalho tem grande impacto nas famílias, já que 40% são chefiadas por mulheres.

Fonte: O Globo

Cássia Almeida e Matheus Maciel*

*Estagiário, sob a supervisão de Cássia Almeida

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