Central dos Sindicatos Brasileiros

Diversificar para crescer

Diversificar para crescer

O setor de TI apresentará alta demanda nos próximos anos. Mas, se não houver diversidade, haverá falta de profissionais qualificados

Era por volta de 1842 quando a condessa, escritora e matemática britânica Ada Lovelace escrevia o primeiro código capaz de ser processado por uma máquina. Ela tinha 27 anos quando se tornou a primeira programadora da história do mundo, graças a um trabalho feito em parceria com o cientista Charles Babbage.

Apesar dessa grande conquista, 173 anos depois poucas ‘Adas’ conseguiram seguir o caminho da condessa. Em 2015, as estatísticas mostram que as mulheres lutam muito para conquistar espaço no mundo da tecnologia, predominante composto por profissionais do sexo masculino.

Segundo pesquisas, elas compõem apenas cerca de 30% do quadro de funcionários nas empresas. E pior: podem ganhar 6 mil dólares a menos que seus colegas homens com o mesmo tempo de experiência, de acordo com um levantamento do portal de empregos norte-americano Glassdoor. Fatores assim fazem com que muitas candidatas com potencial se sintam desmotivadas a seguir carreira nessa área.

E quem pensa que o problema fica apenas na questão da discriminação de gênero está enganado. Um levantamento feito pelo grupo industrial Code.org afirma que a demanda por profissionais na área de TI (Tecnologia da Informação) vai mais que dobrar até 2020, gerando mais de 1,4 milhão de empregos.

No Brasil, a estimativa da consultoria International Data Corporation (IDC) é de que o mercado de TI fique acima do PIB do país e termine o ano como o setor com mais investimentos, chegando a 165,6 bilhões de dólares. Se as mulheres continuarem deixando essa área, haverá uma enorme falta de pessoas qualificadas para preencher tantas vagas, afetando a produtividade e economia do país.

“Tudo isso se deve à cultura machista em que ainda vivemos. Geralmente, quando a menina não se sente preparada para atuar em determinada área é porque a sociedade não a incentiva”, afirma a coordenadora e professora do curso de ciência e tecnologia do Instituto de Ciência e Tecnologia da Unifesp, em São José dos Campos, Luciane Capelo.

Segundo a professora, o curso conta atualmente com apenas um terço de meninas. Pensando nisso, os próprios alunos tomaram uma iniciativa para discutir sobre esse problema de diversidade. Formado por estudantes do Bacharelado Interdisciplinar em Ciência e Tecnologia, o Coletivo Conectivo reúne alunos para falar desde temas sobre LGBTS até outros grupos subrepresentados, como mulheres e negros, com o objetivo de encorajar uns aos outros no ambiente universitário, que é onde boa parte da discriminação acontece.

“Começamos a nos reunir para tratar sobre as questões das minorias étnicas e sociais, pois percebemos que num campus de exatas as pessoas não dão tanta importância para isso”, conta à Metrópole Magazine a aluna Karen Silveira, de 22 anos. “Por meio do coletivo promovemos debates e eventos relacionados a esses temas para conscientizar mais as pessoas, pois muitas vezes nem elas percebem que estão sendo preconceituosas”, diz.

A Unifesp não é a única a oferecer espaço para grupos que buscam inclusão. Presente em São José dos Campos há cerca de 10 anos, a Fatec também quer injetar mais profissionais femininas no setor. Em um levantamento realizado neste ano, a faculdade revela que a maioria de seus cursos tecnológicos traz pouca diversidade, com apenas 20% de estudantes do sexo feminino matriculadas no Tecnólogo de Análise de Desenvolvimento de Sistemas, uma das formações mais procuradas na profissão de TI.

No curso de Banco de Dados, a situação é ainda pior: a aluna do segundo semestre do período noturno, Ana Carolina Moraes, de 19 anos, tem só mais duas colegas mulheres na sala. “Algumas meninas quando chegam em uma turma de 40 pessoas e veem apenas uma ou duas mulheres podem se sentir mais receosas em continuar estudando, pois não se sentem confortáveis”, afirma.

E essa não foi a primeira vez em que ela notou essa diferença. Ao fazer outro curso de computação, Ana ainda conta que só havia ela e mais uma menina em sua turma, e que seus colegas chegavam a achar que elas iriam desistir de se formar. “A mulher precisa ser muito persistente para ter sucesso nessa área”, considera. Além da pouca presença feminina na Fatec, a estudante também afirma que já chegou a ser a única menina durante um estágio.

A boa notícia é que a própria faculdade reconhece e tenta resolver esse problema. “Nós procuramos dar suporte e cedemos nosso espaço para projetos que incentivam mulheres no mundo da computação”, explica o diretor da Fatec de São José dos Campos, Luiz Antônio Tozi. Nos dias 7 e 8 de novembro deste ano, por exemplo, o espaço da instituição serviu como sede para um evento internacional chamado Django Girls.

A iniciativa, fundada no ano passado na cidade de Berlim, ajuda mulheres a organizar oficinas gratuitas de programação para incentivar o público feminino a entrar no mundo da computação. Uma das organizadoras do workshop, a bolsista de iniciação científica do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisa Espaciais), Verônica Maria, de 21 anos, afirma que a criação de ações como essa são fundamentais para mostrar que as mulheres são capazes de conquistar esse mundo. “O Django Girls acredita que a tecnologia é para todos, e todo mundo pode construí-la”, fala.

Ainda de acordo com Verônica, é preciso não só incentivar as meninas a entrar na área de computação, como também acabar com a discriminação de gênero dentro das próprias empresas, motivo pelo qual muitas deixam suas carreiras na área. “Além do preconceito, outras razões que fazem as mulheres desistir de trabalhar com tecnologia são o assédio moral e sexual”, revela.

Um relatório feito pelo Center of Talent Innovation aponta justamente este problema. De acordo com o estudo, as mulheres brasileiras têm 22% a mais de chance de abandonar suas carreiras na área de Ciências, Engenharia e Tecnologia dentro de um ano do que os homens, mesmo que 87% delas tenham afirmado que amam o que fazem no trabalho. Além disso, 29% das entrevistadas disseram se sentir estagnadas em suas profissões. Isso porque 22% dos participantes de pesquisa em cargos sênior afirmaram que mulheres nunca conseguiriam uma posição de liderança em suas companhias. E o mais surpreendente: uma boa parcela dessas profissionais do país (33%) considera comportar-se como um homem para conseguir uma promoção.

“Começamos a nos unir para tratar sobre as questões das minorias étnicas e sociais, pois percebemos que num campus de exatas as pessoas não dão tanta importância para isso”.

Cenário otimista

Em fevereiro deste ano, a advogada Ellen Pao moveu um processo contra o fundo de investimentos Kleiner Perkins Caufield & Byers – famoso por levantar fundos para grandes empresas como o Google – alegando ter sofrimento discriminação de gênero por seus colegas durante o tempo em que trabalhou como sócias investidora na firma dos Estados Unidos. O caso foi a julgamento e foi um dos assuntos mais comentados no Vale do Silício, lançando luz sobre o problema de falta de diversidade nas companhias de tecnologia em todo o mundo.

Apesar de Ellen ter perdido na decisão do júri, ela se tornou símbolo da luta feminina por mais igualdade nesse mercado e gerou uma avalanche de processos contra outras organizações, demostrando que haverá cada vez menos tolerância com essas formas de abuso que afastam milhares de suas carreiras.

“Nos últimos tempos, tenho percebido que as próprias alunas da universidade estão mais fortes em suas ações e posicionamentos. Antes que venha uma piada ou assédio elas se posicionam e tomam a frente”, assegura a coordenadora e professora do ICT da Unifesp, Luciane Capelo.

Outra boa notícia é que as pesquisas mostram um aumento na procura de mulheres pelas áreas de Computação e Engenharia. Na Universidade de Stanford – uma das instituições mais cobiçadas por jovens que queiram trabalhar no setor – o curso de ciência da computação já é o mais procurado pelo público feminino, ultrapassando a área de biologia, que era a que mais formava mulheres até este ano.

O levantamento da Fatec de São José dos Campos ainda revela que o curso de análise e desenvolvimento de sistemas conseguiu dobrar o número de alunas ingressantes entre os anos de 2012 e 2015, com 17 alunas no período matutino contra apenas oito em 2012.

A ideia, com iniciativa como o Coletivo Conectivo e eventos como Django Girls, é que essas estatísticas cresçam cada vez mais nos próximos anos, trazendo um mundo tecnológico com mais diversidade e, consequentemente, inovação.

Mulheres na chefia

Uma pesquisa feita pela consultoria Ernst & Young afirma que as mulheres ocupam apenas 4% das posições de liderança de TI em todo o mundo. Já um levantamento feito pela Harvey Nash aponta que apenas 8% do CIOs (Chief Information Officers) são do sexo feminino.

+ DO MESMO

Mulheres, negros, hispânicos e outras minorias juntas não conseguem ocupar nem metade da força de trabalho em cargos de tecnologia na Apple, no Facebook e Google:

% de mulheres x homens na Apple: 22% x 79%.

% de mulheres x homens no Facebook: 16% x 84%.

% de mulheres x homens no Google: 18% x 82%.

% de brancos na Apple, Facebook e Google: 53%, 51% e 59%.

% de asiáticos na Apple, Facebook e Google: 25%, 43% e 35%.

% de hispânicos na Apple, Facebook e Google: 8%, 3% e 2%.

% de negros na Apple, Facebook e Google: 7%, 1% e 1%.

% de pessoas com mais de uma etnia na Apple, Facebook e Google: 2%, 2% e 3%.

Fonte: Metrópole Magazine