Propostas para inibir corrupção são resposta do governo a manifestações. Pacote prevê criminalizar caixa 2 e confiscar bens de servidores corruptos
A presidente Dilma Rousseff entregou simbolicamente nesta quarta-feira (18) ao Congresso Nacional, em uma solenidade no Palácio do Planalto, o chamado “pacote anticorrupção”, conjunto de propostas elaboradas pelo Executivo para inibir e punir irregularidades na administração pública.
Aposta do governo para atender às cobranças de parte da população aos recentes escândalos de corrupção, o pacote reúne projetos que já tramitam no Legislativo sobre o tema e novas propostas elaboradas pelo Executivo.
“Meu compromisso com combate à corrupção é coerente com minha vida pessoal, minha prática política e é coerente com minha atuação como presidenta”, disse Dilma na cerimônia, sob aplausos das autoridades presentes.
A presidente afirmou que é preciso investigar corruptos e corruptores “de forma rápida e efetiva para garantir a proteção do inocente ou do injustiçado”. Ela disse ainda que alguns governos criam condições para que a corrupção seja prevenida, investigada e punida. “Outros não fazem isso, silenciam. Nós agimos. O Brasil de hoje combate a corrupção”, assegurou.
Principais pontos
Confira abaixo os seis pontos do pacote anticorrupção anunciado pela presidente:
1. Criminalização da prática de caixa 2(utilização de recursos não declarados, especialmente em campanhas eleitorais). Atualmente, a prática é considerada uma contravenção penal, isto é, um delito mais leve, punido com pena mais branda. A criminalização do caixa 2 foi entregue ao Congresso na forma de projeto de lei, que tramita em uma das casas legislativas e, se aprovado, é revisto pela outra, em um só turno de votação. Depois, é enviado à sanção do presidente da República ou promulgação, se a Casa revisora o aprovar.
2. Aplicação da Lei da Ficha Limpa para todos os cargos de confiança no esfera do governo federal. Também foi encaminhado ao Congresso como projeto de lei.
3. Alienação antecipada dos bens apreendidos após atos de corrupção para evitar que não sejam usados por agentes públicos e possam ser vendidos por meio de leilão. Esse projeto já tramita no Congresso desde 2011, mas agora o governo pediu urgência constitucional. De acordo com a Constituição, projetos com esse caráter têm 45 dias para serem votados na Câmara e outros 45 no Senado. Se o prazo não for cumprido, o projeto passa a trancar a pauta da Casa na qual esteja em tramitação e nenhuma outra proposta pode ser votada.
4. Responsabilização criminal de agentes públicos que não comprovarem a obtenção dos bens. O governo também defende a aprovação de um novo tipo de crime que puna agentes públicos que tenham enriquecimento incompatível com os ganhos. Um projeto sobre o tema já tramita desde 2005. Agora, o governo diz que estimulará a aprovação do projeto com celeridade.
5. Confisco de bens dos servidores públicos que tiverem enriquecimento incompatível com os ganhos. O Congresso recebeu da presidente uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC), que tem de ser aprovada em dois turnos na Câmara e no Senado, com pelo menos três quintos dos votos e cada um dos turnos.
6. Assinatura do decreto que regulamenta a Lei Anticorrupção, que responsabiliza pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública e pune empresas envolvidas em corrupção com a aplicação de multas de até 20% do faturamento (leia a íntegra da lei).
Congresso
Ministros, autoridades políticas e parlamentares da base aliada prestigiaram o ato político que marca o início da tramitação das propostas no Legislativo. No entanto, os presidentes do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), e da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), não compareceram à solenidade.
Diante da repercussão das manifestações do último domingo (15), que levaram milhares de pessoas às ruas para protestar contra a presidente e pedir o fim da corrupção no país, o governo decidiu acelerar o envio ao parlamento de propostas feitas anteriormente.
Na véspera da entrega do pacote, integrantes do primeiro escalão do governo Dilma fizeram uma ofensiva sobre congressistas da base aliada para apresentar os projetos, coletar sugestões e assegurar apoio para a aprovação das medidas.
Durante o discurso desta quarta, a presidente agradeceu o apoio de outros poderes. “Nesse complexo caminho, foi indispensável a parceria com os três poderes da República. […] Para os novos passos que vamos dar, a parceria vai continuar sendo fundamental, sem a parceria não teremos país que desejamos”, afirmou Dilma.
Prometido por Dilma durante a campanha eleitoral, o “pacote anticorrupção” foi sugerido pela pela presidente pela primeira vez, em 2013, como uma resposta à onda de manifestações que tomou conta do país durante a Copa das Confederações.
Na campanha eleitoral do ano passado, Dilma chegou a convocar uma entrevista coletiva no Palácio da Alvorada para detalhar as propostas. No entanto, apesar de ter feito a promessa há quase dois anos, o Executivo só encaminhou o projeto ao parlamento nesta quarta.
A presidente aproveitou a ocasião para elogiar o “fortalecimento e absoluta autonomia e isenção” da Polícia Federal para investigar casos de corrupção.
“E também respeitamos a autonomia do Ministério Público, nomeando integrantes da lista tríplice a nós encaminhadas por eles”, ressaltou. A presidente defendeu as leis de Acesso à Informação e Anticorrupção.
Na cerimônia, ao explicar o teor do pacote anticorrupção, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, defendeu que a impunidade seja enfrentada de “peito aberto”.
Ele classificou a corrupção como uma “doença”, que precisa ser trazida “à luz do sol” para ser tratada.
“Quando um governo se acumplicia diante dela, não só não cumpre sua missão, mas esconde dos olhos de todos uma realidade que corre no subterrâneo”, disse o ministro.
“A corrupção é um mal intolerável”, acrescentou. Ele destacou ainda o impacto negativo da corrupção no país e afirmou que a prática não só é “eticamente reprovável”, mas “agrava a própria exclusão social no país”, complementou.
Acordos de leniência
O decreto assinado por Dilma para regulamentar a Lei Anticorrupção determina ainda que os acordos de leniência sejam de competência exclusiva da Controladoria Geral da União (CGU) no âmbito do Executivo federal.
Os acordos de leniência são semelhantes aos acordos de delação premiada e preveem que pessoas jurídicas que assumam atos irregulares e colaborem com investigações possam ter redução da punição.
O ministro da CGU, Valdir Simão, rebateu as críticas do Ministério Público Federal de que os acordos de leniência podem ser “prejudiciais” para as investigações da operação Lava Jato, em que diversos acusados têm feito delação premiada.
A Procuradoria argumenta que a CGU poderá acabar validando um acordo em troca de dados já conhecidos pelos procuradores.
Simão negou, porém, que os acordos de leniência vão interferir em investigações que estejam em curso pelo Ministério Público Federal.
Segundo ele, fatos novos que surgirem precisarão ser apurados e poderão fazer com o que o acordo de leniência seja revisto.
“O acordo de leniência dá explicação para aqueles eventos que foram identificados no processo. Qualquer evidência de que existem novos elementos, eles serão apurados. Se estiverem relacionados, o acordo de leniência vai ter que ser revisto”, disse. “Então, esse acordo de leniência não prejudica qualquer tipo de investigação que esteja em curso.”
Fonte: G1