Costa-Gavras volta aos poderes impróprios

“A Grécia não quer sair da zona do euro. Mas precisamos encontrar uma solução que satisfaça a população que enfrenta a tragédia e não apenas os bancos”, diz o cineasta sobre a crise no país 

Aos 18 anos, Constantin Costa-Gavras trocou a Grécia pela França, onde estudou literatura na Sorbonne e cinema no Institut des Hautes Études Cinématographiques, de onde saíram diretores como Louis Malle e Alain Resnais. “Fui uma vítima da Guerra Fria”, disse o cineasta de 82 anos, impedido de cursar uma universidade grega pelo seu histórico familiar. Por pertencer a um movimento de resistência de esquerda, seu pai foi preso várias vezes durante a Guerra Civil na Grécia (1946-1949), travada entre as tropas monarquistas e o Partido Comunista. “Em 1952, fui obrigado a abandonar meu país por motivos políticos. Jovens gregos de hoje fazem o mesmo, por motivos econômicos. Cresce o número de recém-formados que buscam melhores condições de vida em outros países da União Europeia.”

Embora só volte à terra natal para visitar familiares, na região do Peloponeso, ou passar férias, na ilha de Ceos, Costa-Gavras é testemunha das dificuldades na qual grande parte do povo mergulhou nos últimos cinco anos, por causa da crise financeira. “A Grécia não quer sair da zona do euro. Mas precisamos encontrar uma solução que satisfaça a população que enfrenta a tragédia e não apenas os bancos”, afirmou o diretor em entrevista ao Valor, em Cannes, onde apresentou na 68ª edição do festival francês a versão restaurada do filme político que o consagrou: “Z” (1969), sobre os excessos da ditadura na Grécia. “Naturalmente, sou contra o calote. Devemos pagar nossa dívida. Para o país, no entanto, é imprescindível fazer uma reforma política, o que implica suprimir certos privilégios, como os benefícios fiscais concedidos à Igreja Ortodoxa.”

Talvez o mais difícil nessa reestruturação seja mudar a mentalidade do povo grego, na visão do diretor. “A Grécia tem semelhanças com o Brasil, pelo que vejo de seu país no noticiário internacional e nos filmes. O homem comum é honesto e quer mudar o país. Mas quando os líderes roubam tanto, as pessoas começam a pensar: por que eu não posso? Deveríamos colocar os corruptos na cadeia para sempre, para dar o exemplo.” Costa-Gavras foi o presidente do júri que premiou “Tropa de Elite”, de José Padilha, em 2008, com o Urso de Ouro de Berlim. “Fiquei impressionado com a denúncia de corrupção policial no filme. Foi triste constatar que parte da polícia brasileira não está lá para proteger as leis, mas sim fazer as próprias leis.”

Também lembrado por “Estado de Sítio” (1972), sobre a influência dos Estados Unidos nas ditaduras da América Latina, e “Desaparecido – Um Grande Mistério (1982)”, sobre a ditadura de Pinochet no Chile, Costa-Gavras reconhece que a corrupção e a evasão fiscal ajudaram a endividar cada vez mais a Grécia, deixando o país à beira da bancarrota. “Todos os governos anteriores, tanto de direita quanto de esquerda, deixaram a dívida do país aumentar. Mas a Europa não fez nada para que se cumprissem suas próprias regras. A responsabilidade também é da Comissão Europeia, que permitiu que a situação chegasse a esse ponto.”

Com a corrupção tão institucionalizada, ninguém acredita mais nos governos ou nos partidos políticos, o que é muito perigoso, segundo o cineasta. “Os mais vulneráveis psicologicamente acabam se engajando na religião e da pior maneira possível”, disse, referindo-se ao ataque ao “Charlie Hebdo”, em Paris (em janeiro, houve um massacre na sede do jornal satírico, resultando em 12 mortes, em represália às charges com o profeta Maomé e outros líderes islâmicos).

“É importante que ‘Charlie’, uma instituição tipicamente francesa, exista. Mas eu não saí por aí dizendo ‘Eu sou Charlie’ (o slogan que predominou nas manifestações públicas em defesa da liberdade de expressão). No máximo, eu diria ‘Sou a favor do Charlie’, por não estar de acordo com tudo o que o jornal publica.” As caricaturas sobre a religião islâmica teriam ido longe demais? “Prefiro não responder. Não quero ser eu a pessoa a dizer o que eles devem ou não fazer.”

Morador no 5ème arrondissement de Paris, onde está localizado o Quartier Latin, região de concentração de universidades e escolas, Costa-Gavras acompanha diariamente a “crise de identidade dos filhos de imigrantes”. “Os jovens de origem árabe, principalmente, não são reconhecidos como franceses e muito menos respeitados no ambiente em que vivem. Os mais loucos partem para o terrorismo, usando a religião como desculpa.”

É o dinheiro, na visão do cineasta, a religião que impera no mundo atual. Por essa razão, seu próximo filme, em fase inicial de roteiro, abordará novamente o universo das finanças – tema de seu último longa-metragem, “O Capital” (2012), que retratou a falta de ética nas instituições financeiras. “Não é espantoso que os banqueiros tenham mais poder que os políticos?”

Filmar foi a maneira que Costa-Gavras encontrou para fazer-se socialmente útil. “Minhas obras não são capazes de mudar a realidade. Mas talvez possam pelo menos mudar o modo como o espectador vê o que acontece ao seu redor e no resto do planeta. Para mim, o cinema é o esperanto que deu certo”, disse, referindo-se ao idioma artificial criado para facilitar a compreensão entre povos de línguas distintas.

Fonte: Valor Econômico

 

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