Primeiro dia do evento trouxe painéis que transitaram pela importância da coletividade e as estratégias de combate às fraudes
O seminário “Os Desafios para o Próximo Governo – justiça fiscal, e combate à sonegação e à corrupção”, realizado pela Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Unafisco) lotou o auditório do hotel Maksoud Plaza, nesta quarta-feira (1), em São Paulo. O evento, que continua nesta quinta, apresentou duas aulas magnas e três painéis; a iniciativa tem apoio da CSB e de outras entidades. Entre os temas, a relação da sociedade com o Estado, arrecadação, Refis, transparência do Fisco e combate à corrupção.
A abertura ficou por conta da aula magna do antropólogo e professor das universidades PUC-Rio e Notre Dame Roberto Augusto DaMatta. Como a CSB noticiou, ele tratou da relação da população com o Estado e falou a respeito dos privilégios como uma das raízes do problema do País. Outro ponto levantado por DaMata foi a igualdade, a ser tratada como um desafio. “A gente se pensa desigual, então temos que inverter a lógica e pensar como chegar na igualdade”.
O professor apresentou ainda outras inversões cultivadas no Brasil que impedem uma melhor relação da sociedade com o Estado. “O funcionário público serve, e não é servido pelo Estado. Essa distinção de papéis é fundamental.Essa é a nossa crise com o Brasil. O símbolo do imposto, por exemplo, é o leão: um predador devorador. Como as pessoas não vão se sentir ameaçadas por esse símbolo?”, questiona DaMata.
Em sua palestra, o ex-ministro do STF Carlos Augusto Ayres de Freitas Britto abordou a arrecadação e direitos fundamentais. O discurso de Britto encontra-se com o de DaMatta ao tratar de cidadania, sociedade, serviço público e privilégios. “Falar de arrecadação e direitos fundamentais me leva a falar da vida em sociedade, porque onde existe um aglomerado humano com pretensão de permanência geracional, polis, Estado, nação, existem certas ideias motrizes de uma convivência em bases permanentes e equilibradas, e a administração fazendária é uma delas”, afirma o ex-ministro ao reforçar que não “pode ter Estado sem tributo”.
Ayres Britto reforça seu argumento usando a Constituição brasileira. O jurista citou o inciso 18 da Carta Magna para a plateia do seminário da Unafisco. “As administrações tributárias são atividades essenciais para o funcionamento do Estado”. Em outros momentos da fala, o ex-ministro faz críticas ao paternalismo brasileiro para dizer que há uma tentativa de diminuir o público. “Querem distinção do público e do privado, e isso em favor do privado”. Essa visão, para Ayres, não faz sentido, já que as pessoas só são livres porque “pertencem à coletividade”.
Painéis
O primeiro dia do Seminário da Unafisco sobre desafios para o próximo Governo contou com três painéis, que trouxeram especialistas diversos para tratar de temas como Refis, transparência e sigilo do Fisco, estratégias e ferramentas para o combate à corrupção. Os palestrantes resgataram a história brasileira, trataram de casos atuais e trouxeram o presente para tentar pensar um futuro em que a sociedade e os auditores fiscais pudessem estar mais próximos.
“Refis e Benefícios Fiscais”, “Transparência e Combate à sonegação e à Corrupção” e a “Experiência das Forças-tarefas e seus Legados para o Futuro das Instituições” foram os temas dos painéis. O primeiro debate trouxe um importante panorama histórico e atual sobre o Refis e outros benefícios fiscais, que têm diminuído a arrecadação da Receita Federal, além do impacto dessas práticas no comportamento dos contribuintes.
Mauro José Silva, auditor Fiscal da RFB, doutor em Direito e diretor de Defesa Profissional e Assuntos Técnicos da Unafisco Nacional mediou a mesa, que contou com a participação de Vasco António Branco Guimarães, doutor em Direito Financeiro e Tributário e jurista no Centro de Estudos Fiscais da DGCI, e Julio Cesar Vieira Gomes, auditor Fiscal da RFB, doutorando e mestre em Direito Tributário, julgador na Delegacia de Julgamento do Rio de Janeiro.
O auditor fiscal Vieira Gomes trouxe o histórico do Refis, regime opcional de parcelamento de débitos fiscais para empresas e pessoas jurídicas. O mestre em direito tributário explicou que o Refis tem 18 anos de história. De lá para cá já foram 40 parcelamentos e, segundo, o especialista, um com mais vantagens do que o outro.
“O contribuinte pode migrar de parcelamento, mesmo que não tenha sido bom pagador; com novas vantagens, há uma rolagem da dívida. Temos casos de dívidas arrastadas por décadas. Dinheiro que o Governo não recebe e reduções de 100% da multa. Como fazer valer o sistema tributário assim?”, indaga o auditor.
O doutor em Direito Tributário e diretor do Centro de Cidadania Fiscal (CCiF) Eurico Marcos Diniz de Santi mediu o painel que abordou também o combate à corrupção, mas com um olhar para o presente e para o futuro, apresentando os desafios que o Fisco enfrenta e deve enfrentar. A mesa contou com o auditor fiscal e presidente da Unafisco Nacional, Kleber Cabral, e com Beto Ferreira Martins Vasconcelos, advogado, ex-secretário nacional de Justiça e ex-coordenador da Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro.
Os caminhos para que os fiscais sejam vistos pela sociedade como servidores de cidadãos ganhou força nas falas. Como é possível trazer transparência e lidar com sigilo ao mesmo tempo? Como ter autonomia para autuar empresas e sistemas fortes que cheguem na sonegação de forma efetiva?
O moderador Eurico Marcos Diniz de Santi ainda brincou que o povo precisa amar os auditores. “A sociedade não vê o trabalho porque ele é sigiloso e escondido, mas estamos aqui em um seminário discutindo isso para mostrar o que vocês fazem e como fazem. Isso é fundamental”.
Em outro painel, exemplos práticos sobre sistemas e melhorias necessárias para a Receita Federal. Sob a moderação de José Robalinho Cavalcanti, presidente da ANPR, Deltan Martinazzo Dallagnol, procurador da República, e Roberto Leonel de Oliveira Lima, auditor Fiscal da Receita Federal e chefe do Escritório de Pesquisa e Investigação na 9ª Região Fiscal, trouxeram a sua experiência com a Operação Lava Jato.
Roberto Leonel de Oliveira Lima falou sobre dinamizar os trabalhos, mesmo diante das fraudes. Para ele, o segredo é o trabalho conjunto entre o Fisco, Polícia Federal e Ministério Público. “Temos tido umas discussões do que pode ser liberado ou não. Isso é uma questão delicada e temos uma dificuldade de sistemas, que precisam ser aprimorados, mas o SIMPA, organismo internacional que agrupa uma ordem administrativa mundical, foi um sistema que unificou a forma como os investimentos e movimentações bancárias acontecem e facilitou o trabalho integrado; é importante discutir isso para avançarmos mais”.
Cobertura
A CSB acompanha a íntegra do evento e trará conteúdos detalhados de cada painel. Fique atento ao site da Central.