Em condições precárias, catadores recolhem 70% mais recicláveis que empresas 

A situação econômica e as condições de trabalho de milhares de catadores no país poderiam ser diferentes se fossem remunerados pela coleta voluntária que realizam – e não apenas pela venda do material, cujo preço é instável e depende de uma cadeia formada por diversos atravessadores, entre a indústria e o catador. 

Segundo dados do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), 75% dos ganhos totais do setor de reciclagem são destinados às indústrias, mas 90% do lixo reciclado passa pela mão de catadores, organizados em cooperativas de reciclagem ou trabalhando sozinhos nas ruas e lixões. 

Em São Paulo, a cidade mais populosa do país e, portanto, a maior geradora de lixo, duas concessionárias receberam juntas cerca de R$ 10 bilhões para explorar por 20 anos o serviço de coleta seletiva. 

Em 2020, essas empresas recolheram 94,5 mil toneladas de lixo para reciclagem na cidade, segundo dados do SNIS (Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento). No mesmo ano, 1.875 carroceiros e catadores (que são apenas uma parte do total que trabalha na capital) recolheram 161,2 mil toneladas, 71% a mais do que as empresas de coleta seletiva. 

No entanto, os catadores não recebem pelo serviço, apenas pela venda do que arrecadam. A maior parte deles ganha menos de R$ 1.000 por mês na capital. 

Os dados pertencem à pesquisa Cataki 2022, realizada pela Plano CDE com catadores de São Paulo, Belo Horizonte e Rio a pedido do Pimp My Carroça, movimento social que busca valorizar o trabalho de carroceiros e catadores de material reciclável no país. Também na capital mineira, os catadores recolhem 59% a mais de material do que as empresas de coleta seletiva oficiais. 

“Eles são numerosos, têm um horário de trabalho flexível e percorrem muito mais ruas do que as empresas contratadas para a coletiva seletiva”, diz a doutora em ciência política Sonia Dias, especialista em gestão de resíduos sólidos pela UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais). 

Ao lado da mestre em economia do desenvolvimento Mathilde Bouvier, Sônia assina o artigo “Catadores de materiais recicláveis no Brasil: um perfil estatístico”, publicado pela rede global Wiego (Mulheres no Emprego Informal: Globalizando e Organizando). De acordo com o documento, o número estimado de catadores de materiais no Brasil era de 281.025 em 2019. Homens são a maioria (70%). 

“O Brasil recicla 97% das latas e 67% do papelão. Mas apenas um quarto de todos os municípios do país possuem coletiva seletiva de lixo, que indica que essas altas taxas se devem ao trabalho dos catadores de materiais recicláveis”, afirma Sônia. 

Só 4% do lixo no Brasil é reciclado 

De acordo com o Panorama de Resíduos Sólidos no Brasil 2022, da Abrelpe (Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais), cada brasileiro produz, em média, 381 quilos de lixo por ano. Mas apenas 4% disso é reciclado no Brasil, segundo a ISWA (Associação Internacional de Resíduos Sólidos, na sigla em inglês).  

Trata-se de um patamar muito menor que a média de outros países latino-americanos, como Chile e Argentina (16%), e infinitamente inferior ao de alguns países europeus, como a Alemanha (67%) 

O índice de 4% do lixo reciclado é o mesmo observado na cidade de São Paulo, mas poderia ser bem maior. “No entanto, mais de 30% do volume coletado por dia é passível de reciclagem, o que não acontece, pois a população descarta muito o material passível de reciclagem juntamente com resíduos comuns”, informou a Prefeitura de São Paulo, em nota à Folha. 

O poder municipal também informou que desenvolve programas de capacitação para catadores, como o SP Coopera, que atende cerca de 2 mil pessoas em situação de vulnerabilidade. Segundo a prefeitura, o programa vai formalizar 20 novas cooperativas de catadores na capital paulista, além de fortalecer as 30 que já estão instaladas. 

“É um discurso recorrente do poder público: jogar para o cidadão a responsabilidade em reciclar. Mas sem oferecer estrutura para a coleta de material reciclado, nem incentivo para que os moradores separem o material”, diz o grafiteiro e ativista Mundano, fundador do Pimp My Carroça. 

De acordo com a Prefeitura de São Paulo, a “coleta domiciliar seletiva está presente nos 96 distritos do município, cobrindo cerca de 76% das vias”. Mas a reportagem constatou que em diversas ruas do centro da capital o caminhão da reciclagem passa, mas não recolhe o lixo. 

“Tente achar uma lixeira para material reciclável na avenida Paulista, um dos endereços mais ricos da cidade. Você não vai encontrar”, diz Mundano. “Muito menos na periferia.” 

Informações e imagem: Folha de S.Paulo 

Leia também: Jovens negros têm mais dificuldade de acessar mercado de trabalho, diz pesquisa

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