Texto foi aprovado em dois turnos na Casa. E obriga também a execução de emendas de bancadas estaduais
No mesmo dia em que o ministro da Economia, Paulo Guedes, principal fiador da reforma da Previdência , desistiu de ir à Câmara debater o tema, e 13 partidos apoiaram a proposta, para não deixar dúvida de que o assunto é sério, o Congresso lançou mão de uma estratégia típica da “velha política”: desengavetou uma proposta de 2015 – uma emenda constitucional – para tornar o Orçamento ainda mais impositivo (mais rígido), o que vai contra uma das principais bandeiras de Guedes, que é desvincular e desindexar todas as despesas.
Em um trâmite acelerado, o texto da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) foi aprovado em duas votações no plenário da Câmara na noite de terça-feira, com apoio até do partido do presidente Jair Bolsonaro, o PSL. Na primeira votação, foram 448 votos a favor e três contra. Na segunda, 453 deputados votaram a favor; seis, contra; e houve uma abstenção.
Com a proposta, cada estado ganha ao menos R$ 125 milhões com emendas impositivas, que têm execução obrigatória. A rigidez orçamentária aumenta de R$ 4 bilhões a R$ 5 bilhões, dizem fontes. Mas a PEC ainda precisa passar pelo Senado.
Joice Hasselmann (PSL-SP), líder do governo no Congresso, disse que terá apoio para segurar a PEC no Senado:
– A Câmara é soberana, foi uma decisão de todos os líderes. Não cabe a líder do governo fazer críticas. Agora vai para discussão, em tudo dá para fazer do limão uma limonada.
‘Pacto de convivência’
O presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), no entanto, disse que vai apoiar a proposta se ela garantir recursos aos estados:
— Se essa PEC votada pela Câmara garantir recursos no Orçamento impositivo para ajudar os estados, terá meu total apoio como presidente do Senado, e eu dividirei com líderes partidários, que, não tenho dúvida, terão sensibilidade para aprovar essa matéria o mais rápido possível.
A briga de forças no Congresso promete ser dura. Além da PEC que torna o orçamento mais engessado, o apoio dos 13 partidos à reforma da Previdência não veio sem contrapartidas. Eles querem, por exemplo, que o governo retire da reforma mudanças no pagamento de aposentadorias rurais e de benefícios assistenciais (BPC). E cobram também mais diálogo com o Palácio do Planalto. Juntos, os partidos que apoiaram o projeto somam 291 deputados.
A demonstração de força do Congresso exigiu esforço do Executivo para tentar contornar a situação, tanto da PEC do orçamento, como do veto a pontos da reforma.
Assim que a Câmara anunciou que a emenda do orçamento seria colocada em análise, o ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, correu para o Congresso. Ele chegou a defender um “pacto de convivência” entre Executivo e Legislativo. O ministro disse ter ouvido “coisas importantes” dos parlamentares e que levará as queixas ao presidente:
– Vivemos um momento novo, diferente. Nós precisamos, com humildade, paciência e resiliência, construir um caminho de entendimento.
A reunião com Onyx foi marcada por queixas quase unânimes dos líderes. Um tema foi a troca de farpas entre Bolsonaro e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). Também houve reclamação sobre mobilizações nas redes sociais contra o Congresso e postagens do presidente e seus familiares. O líder do PSDB, Carlos Sampaio (SP), disse que fez uma cobrança sobre a falta de habilidade do governo para negociar a reforma:
Ele (Onyx) reconhece que há uma falta de habilidade, mas pediu paciência para compreender o estilo.
O líder do Cidadania, Daniel Coelho (PE), afirmou que a conversa não vai melhorar os ânimos se o governo não mudar de atitude.
A terça-feira começou com a expectativa da presença de Guedes na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara. Sem uma base de apoio clara e sem a definição do relator da reforma, Guedes cancelou de última hora sua ida . Ele tomou a decisão após consultar Maia e o secretário especial de Previdência e Trabalho, Rogério Marinho.
A decisão do ministro causou enorme desconforto até entre os governistas. Eles se recusaram a ouvir o substituto de Guedes, Rogério Marinho. A oposição conseguiu reunir assinaturas para votar a convocação do ministro. Nesse caso, ele seria obrigado a se apresentar e não teria mais o tratamento de convidado. Para tentar reverter o estrago, foi costurado um acordo entre o líder do governo na Câmara, major Vitor Hugo (PSL-GO), Marinho e os partidos da oposição para que Guedes compareça à comissão ainda como convidado, na próxima quarta-feira .
– É a segunda vez que nós estamos fazendo um acordo, que precisa ser cumprido. Palavra dada é igual uma flecha, não volta – disse o presidente da CCJ, Felipe Francischini (PSL-PR).
A solução, no entanto, vai atrasar o cronograma da reforma em pelo menos uma semana. Num cenário otimista, o relatório só deverá ser analisado na CCJ na segunda semana de abril e não mais na primeira, conforme estava previsto.
Francischini disse que deve indicar o relator nesta semana. Ele sustenta, entretanto, que não há base de apoio ao Planalto e que a oposição está organizada na comissão, enquanto o governo patina. O presidente da CCJ ficou especialmente irritado com a inabilidade de deputados governistas com o regimento. A oposição conseguiu, sem protesto do governo, manter a ordem da lista de inscritos para questionar Guedes na próxima quarta. Os primeiros deputados a perguntar são todos oposicionistas.
A justificativa oficial para Guedes não ir à comissão foi que ainda não há um relator para a reforma da Previdência. Mas essa condição nunca foi comunicada à Câmara. Nos bastidores, auxiliares de Guedes explicaram que o ministro acabaria sendo alvo fácil da oposição, o que poderia gerar um desgaste desnecessário. Maia confirmou o temor de Guedes :
– Ele (Guedes) achou que não teria apoio do plenário da CCJ e preferiu não vir. Eu disse a ele: “ministro, o senhor já deu demonstração que respeita o Parlamento brasileiro. Se a sua decisão for essa, eu, pessoalmente e como presidente da Câmara, vou respeitar e conversar com líderes partidários para que a gente encontre uma outra data”.
Guedes conversou com Maia ainda na sexta-feira sobre a possibilidade de virar um alvo na comissão. Segundo fontes, aliados de Maia concordaram que seria melhor o ministro ser preservado.
Guedes participou, no mesmo horário, de uma reunião ministerial. No encontro, Bolsonaro orientou integrantes do primeiro escalão do governo a “remarem juntos com o Congresso” para viabilizar a aprovação da reforma da Previdência. A falta de Guedes ocorre num momento em que o governo aposta suas fichas no ministro para tentar arrefecer a crise com o Congresso e abrir caminho para aprovar a reforma da Previdência.
Fonte: O Globo