Com aumento de mão de obra e alta da gasolina, muitos atrasam contas, trabalham mais de 15h por dia e ficam até sem comer; “passo fome”, diz jovem de São Paulo
Há quatro anos, uma proposta sedutora e “fácil” de trabalho chegou a David Ferreira, então com 17 anos, por amigos. Popularizava-se o universo dos aplicativos de entrega e a possibilidade de atuar como “entregador” vinha sem muitas exigências. Ele, que já tinha uma bicicleta, seguiu o caminho traçado por muitos jovens. Mas, passado o tempo, o rapaz, que mora em Americanópolis, Zona Sul de São Paulo, já não guarda ilusões. Ele diz que perdeu as contas das vezes que não teve dinheiro para pagar uma refeição durante o dia de trabalho e, agora pai, conta que a quitação de contas costuma atrasar.
Ferreira não teve outras oportunidades para um emprego fixo na sua vida. E, apesar das dificuldades, traça planos “dentro do ramo” para arcar com as obrigações principais, como pensão da filha: ele faz economias para tirar a carteira de habilitação de moto e carro, para “subir na profissão” e ganhar um pouco mais.
O jovem faz parte de um universo de 1,4 milhão de entregadores e motoristas por aplicativos que existem no Brasil, segundo levantamento feito pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) em outubro passado. Que, diante da realidade de 12 milhões de desempregados do país, que atinge um terço dos brasileiros entre 18 e 24 anos, se submetem a condições precárias de trabalho.
Nas últimas semanas, grupos organizados de entregadores realizaram uma onda de protestos e paralisações, batizados de “breque”, para reivindicar o aumento das remunerações e outras melhorias na segurança. A rotina de dificuldades desses trabalhadores foi avaliada pela rede de pesquisa Fairwork, coordenada pela Universidade de Oxford, que deu notas baixas para todos os aplicativos no Brasil, em estudo sobre as condições de trabalho oferecidas aos entregadores. A maior nota aplicada foi 2, sendo que o máximo é 10, para Ifood e 99. Já Uber recebeu 1, e Get Ninjas, Rappi e UberEats sequer pontuaram.
— Minha meta é fazer R$50 por dia. Num dia bom consigo R$70, às vezes, no final de semana, chego a R$100 — conta David Ferreira, que trabalha cerca de 12 horas por dia. — Consigo sobreviver, pago aluguel e pensão. Mas às vezes passo aperto. O pior é quando passo fome na rua, volta e meia acontece, aí fico só com o cheirinho de lanche na mente.