Opinião: Como fabricar uma crise e ganhar muito dinheiro com ela

Conversa de banqueiro com presidente do BC indica quem serão os vencedores

Paulo Feldmann
Professor de economia da USP e ex-presidente da Eletropaulo (1995-96, governo Covas), foi diretor e presidente no Brasil de multinacionais como Microsoft, Ernst & Young e Sharp

Há três meses se discute o Orçamento do governo federal para 2022. Entre o R$ 1,7 trilhão que o governo terá para gastar já se incluiu de tudo, como por exemplo alguns bilhões para os deputados atenderem seus redutos eleitorais ou o aumento salarial dado aos militares. Até mesmo a quitação da dívida gigantesca com os precatórios foi facilmente absorvida.

No entanto, quando o governo apresentou o Auxílio Brasil, que acarretava gasto adicional de menos de 2,5% do total que terá em 2022, uma crise apareceu. O mercado mobilizou-se com veemência, assessores do ministro da Economia, Paulo Guedes, pediram demissão e a mídia não tem assunto mais importante nos últimos dias. Inúmeros editoriais foram publicados, expondo o desastre que seria o rompimento do teto. Até o ex-presidente Michel Temer (MDB), o inventor do teto, escreveu um artigo nesta Folha (“Teto é tudo”, 24/10) e mostrou-se apavorado com as consequências de se romper o limite da sua cria.

O que ninguém comentou é que, neste momento, 20 milhões de brasileiros não têm o que comer, e os R$ 400 que receberiam mensalmente talvez atenuassem sua fome. Na verdade, 55% da população vivem sob insegurança alimentar e não sabem se conseguirão comprar os mantimentos mínimos para sobreviver nos próximos dias. O fato é que agora temos que colocar quase R$ 6 para comprar um dólar e, dessa forma, a inflação virá com força nas próximas semanas. Isso sim será inevitável, pois quase tudo o que é produto industrial manufaturado é importado no nosso país. Lembrando que, no começo da pandemia, ficou evidente que nem máscaras já não sabíamos mais fabricar.

O mercado —leia-se a Faria Lima— argumenta que o risco Brasil subiu muito e não teremos mais investimentos vindos de fora. Pelo contrário: os investidores estrangeiros estão retirando seus dólares e, por isso, o preço da moeda sobe. Dizem também que sem os investimentos entraremos em recessão, e a previsão para 2022, de repente, caiu para um crescimento abaixo de zero.

Com inflação e mais recessão, chegaremos à chamada estagflação. Os grandes especialistas que trabalham na Faria Lima, com sua brilhante criatividade, não hesitam em recomendar: temos que subir as taxas de juros, e a Selic precisa ser superior a 10% ao ano. Provavelmente é isso que vai acontecer. Mas ouso perguntar: com a subida da taxa de juros, quem será o grande vencedor?

Sim, claro, esse mesmo mercado formado por bancos, rentistas e investidores que, felizmente para eles, estão fora da insegurança alimentar.

Aliás, recentemente vazou uma gravação para a imprensa e ficamos sabendo que o presidente de um dos maiores bancos brasileiros costuma conversar com o presidente do Banco Central para falar, entre outras coisas, de taxas de juros. Deu para entender quem ganha com as crises fabricadas?

Publicado originalmente em Folha de São Paulo

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