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iFood contratou agência para calar greves usando fakes no Facebook

iFood contratou agência para calar greves usando fakes no Facebook

O iFood teria pago duas empresas de marketing digital para se infiltrarem em greves de entregadores de aplicativo. Além disso, de acordo com uma investigação da Agência Pública, as agências também criaram perfis falsos no Facebook e no Twitter para tentar esvaziar reivindicações trabalhistas e manipular o debate público sobre paralisações de motofrentistas. As páginas fake, controladas pelas empresas de publicidade, se passavam por trabalhadores da categoria e não apresentavam ligação aparente com a plataforma de delivery.

Documentos, relatos e fotos de chats obtidos pela Agência Pública revelam que o iFood contratou duas agências de publicidade digital, a Benjamim Comunicação e a Social Qi (SQi), para realizarem campanhas sabotando greves manipularem o debate público sobre a melhoria das condições de trabalho para motoboys.

Segundo relatos de pessoas que participaram dessas campanhas, o objetivo era simular postagens com a linguagem usada pelos entregadores, como se elas tivessem sido escritas por alguém que presta o serviço. “Você posta memes, piadas e vídeos que promovem uma marca ou ideia, mas sem mostrar quem está por trás. Sem assinar”, explicou à Agência Pública uma fonte ligada à estratégia. “É aquele tipo de conteúdo que te deixa em dúvida: você não sabe se foi um meme, uma coisa que surgiu na internet ou se teve alguém por trás”.

A Benjamim e a SQi monitoraram greves de entregadores entre julho de 2020 e, pelo menos, novembro de 2021, conforme a apuração da reportagem. Nesse período, as agências teriam produzido conteúdo para as redes sociais em favor da vacinação prioritária de entregadores do iFood. De acordo com documentos obtidos pela Agência Pública, o departamento de políticas públicas da plataforma teria sido responsável pela contratação das agências de marketing.

As páginas falsas criadas a pedido do iFood
Uma das páginas criadas logo após a greve mais famosa dos entregadores — o “Breque dos Apps” — chama-se “Não Breca Meu Trampo”. Nas primeiras semanas acompanhando paralisações de motoboys, a conta focou em acusar o movimento de se alinhar politicamente com pautas de esquerda. Depois, a Não Breca Meu Trampo começou a atacar projetos de lei que regulavam a atividade do delivery no Brasil.

A partir de janeiro de 2021, quem assume o controle da estratégia e da Não Breca meu Trampo é a agência SQi. Além de manter o engajamento por postagens da antiga página, foi criada um nova de cunho mais humorístico, com publicações de memes enaltecendo o trabalho dos motoboys e com temas de interesse da categoria. Ela se chama Garfo na Caveira e está ativa ainda hoje, com quase 50 mil curtidas — o último post foi feito apenas nove horas antes da publicação desta matéria.

“A orientação era fazer conteúdos engraçados, que gerassem engajamento. Podia falar mal do Rappi ou Uber Eats, mas não do iFood”, comentou uma pessoa que prestou serviço para a SQi e para a Benjamim. De acordo com ela, as postagens seriam feitas com base em relatórios de monitoramento de Twitter e Facebook, assim como de grupos de entregadores no WhatsApp. A equipe da SQi teria se infiltrado em 15 chats coletivos e analisado mais de 19 mil mensagens.

Até junho de 2021, as páginas Não Breca Meu Trampo e a Garfo na Caveira teriam sido visualizadas por 3,16 milhões de pessoas com todos os 181 posts criados. A SQi alcançou mais de 21 mil seguidores no período, conforme um relatório apresentado para clientes da agência de publicidade.

Agências de marketing criaram perfis fakes no Twitter

Não satisfeita em criar páginas para simular motoboys, as agências usaram perfis falsos e nanoinfluenciadores para comentar em postagens apoiando greves de entregadores.

No Twitter, por exemplo, uma usuária chamada MiiFerreira6 respondeu a 23 tuítes sobre a campanha #ApagãodosApps, iniciativa dos entregadores contra a precarização do trabalho. O discurso era o mesmo em todos os casos: defender plataformas de entrega alegando que a paralisação não era boa para os entregadores.

A conta ainda está ativa e a maioria das interações no Twitter são elogiando o iFood. Conforme informações da Agência Pública, os tuítes da MiiFerreira6 haviam sido escritos, revisados e aprovados em um cronograma de postagens produzido pelas agências de publicidade.

Outras quatro contas falsas foram usadas pelas agências de marketing para tentar simular respostas de entregadores contra as greves.

Funcionário se infiltrou em greves de entregadores

Por fim, as agências de marketing conseguiram se infiltrar presencialmente em greves de entregadores de aplicativo. Em uma paralisação de abril de 2021, enquanto uma greve era realizada em frente ao estádio do Pacaembu, em São Paulo, a SQi enviou um funcionário para monitorar a manifestação.

A missão do funcionário da SQi era pautar a vacinação prioritária para entregadores, sem deixar claro que o iFood estava por trás da ação. Fingindo ser um motofrentista, o infiltrado chegou a levantar um cartaz escrito “Vacina pros (sic) entregadores de aplicativo já”, e distribuiu adesivos com essa frase. A ação foi considerada um sucesso pela agência de publicidade contratada pela principal plataforma de delivery do Brasil.

Outro lado

Em nota à Agência Pública, o iFood disse que sua atuação nas redes sociais não compactua com perfis falsos ou com o uso de robôs para gerar engajamentos falsos. A empresa de delivery afirma que contrata agências como a Benjamim, especializadas em pesquisa de opinião, campanhas de comunicação e monitoramento em redes sociais.

Já a SQi disse comentou, em resposta à reportagem da Agência Pública, que apresentou uma proposta para a Benjamim em sobre a criação de engajamento em “torno do marco regulatório” para o mercado de delivery no Brasil. Contudo, ela não foi aprovada pela agência e, portanto, não foi realizada.

A Benjamim também alega que a proposta da SQi não chegou a ser realizada como estratégia para o iFood. A empresa de marketing digital diz que não concorda com a criação de perfis fake e de mentiras, o uso de bots e a compra de seguidores. A agência diz que realiza duas atividades “dentro da legalidade”.

Fonte: Tecnoblog