O Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região reconheceu o vínculo empregatício entre um motorista da Uber e a plataforma de corridas por aplicativo. Ao entender que o funcionário cria uma relação de dependência com a empresa, que tem total controle e poder de decisão e fiscalizador, a 8ª Turma do TRT-4 condenou a Uber a indenizar a vítima em R$ 1 milhão por danos sociais.
O motorista entrou na Justiça contra a Uber por alegar ter sido dispensado pela empresa sem justa causa. Diante disso, o autônomo pediu ao TRT-4 que reconhecesse o elo trabalhista com a plataforma, além de exigir o pagamento de uma indenização por ter sido bloqueado do aplicativo.
O pedido do motorista foi julgado como improcedente na primeira instância. Mas na segunda instância, a 8ª Turma deu procedência ao recurso interpelado pelo motorista. Relator do caso no tribunal, o desembargador Marcelo Ferlin D’Ambroso, ressaltou que a diferença entre o trabalhador autônomo e o funcionário assalariado com vínculo se dá pela ausência de subordinação e pela não eventualidade do serviço prestado.
Gasto próprio do motorista não afasta vínculo
A decisão da primeira instância reconheceu a não eventualidade entre o motorista e a Uber, mas alegou que não havia subordinação na relação de trabalho, por considerá-la “frágil”, já que o autônomo no caso é avaliado por passageiros, e não pela plataforma.
Contudo, Ferlin D’Ambroso reavaliou o aspecto de subordinação: para o magistrado, as atividades do motorista reforçam o objetivo social da Uber, o que configura como vínculo empregatício. O fato do trabalhado usar dinheiro do próprio bolso para gastos com gasolina e veículo não atesta a qualquer relação de independência entre autônomo e a empresa, porque tais condições seriam impostas pela Uber.
A empresa também é responsável por remunerar o trabalho do motoristas. Cabe à Uber também determinar quem pode ou não se cadastrar na plataforma, por quanto tempo a pessoa pode dirigir e, por fim, se ela pode ou não ser banida; a Uber inclusive escolhe os motivos pelo qual pode suspender o autônomo.
Magistrado do TRT-4 critica “uberização”
O desembargador pontuou ainda que a chamada “uberização” do trabalho — que não por acaso inclui o nome da empresa, diz Ferlin D’Ambroso — mantém os mesmos elementos que compõem uma relação de emprego normal, apesar de se passar pretensamente por uma relação de trabalho que coloca o empregador na posição de “autônomo” ou “microempreendedor”.
Ferlin D’Ambroso, magistrado do TRT-4, escreve na decisão:
Portanto, só o que muda é a máscara, a fraude emprestada e aperfeiçoada pelo algoritmo que tenta (e muitas vezes com sucesso), confundir as pessoas para elidir o respeito aos Direitos Humanos do Trabalho e descumprir a legislação social. Obviamente, a forma de prestação de serviços não desnatura a essência da relação de emprego, fundada na exploração de trabalho por conta alheia, pois os meios de produção continuam na propriedade da plataforma. Por outras palavras, não há nada de novo nisso, a não ser o novo método fraudulento de engenharia informática para mascarar a relação de emprego.
Uber feriu dignidades humanas do motorista
O magistrado conclui que também foi praticado pela Uber a prática de dumping social — motivo pelo qual a empresa deve pagar a indenização de R$ 1 milhão, multa que será revertida a uma instituição filantrópica escolhida pelo Ministério Público do Trabalho (MPT). Ferlin D’Ambroso aponta que a Uber faltou com a dignidade humana do trabalhador, na tentativa de reduzir significantemente os custos de produção. Isso gerou o que o magistrado chama de “concorrência ilegal”.
A decisão do TRT da 4ª região de reconhecer o vínculo trabalhista entre a Uber e um de seus motoristas vai ao encontro às falas da presidente do TST (Tribunal Superior do Trabalho), Maria Cristina Peduzzi. Ela, em entrevista ao UOL, defendeu que autônomos cadastrados nas plataformas da empresa — mas também na de outros serviços por aplicativo, como iFood e 99 — podem recorrer à Justiça caso se sintam lesados. A ministra também defendeu que esses trabalhadores têm direitos mínimos.
O que é dumping social?
D’Ambroso interpretou que a Uber causa danos não apenas ao motorista, como indivíduos, mas a toda a sociedade.
O termo, na definição dele, consiste em “prática reiterada pela empresa do descumprimento dos direitos trabalhistas e da dignidade humana do trabalhador, visando obter redução significativa dos custos de produção, resultando em concorrência desleal.”
O valor milionário da indenização, portanto, não deverá ser pago ao motorista que entrou com a ação, mas a uma entidade pública ou filantrópica a ser definida pelo Ministério Público do Trabalho.
O advogado José Eduardo Resende Chaves Júnior, desembargador aposentado do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região (TRT3), explica o conceito que baseou aquela condenação.
“Dumping social, na Justiça do Trabalho, é um dano social, difuso e coletivo, decorrente de lesões reincidentes aos direitos trabalhistas. Viola-se a estrutura dos direitos sociais e as regras de mercado, com a obtenção de vantagem indevida perante a concorrência”, analisa.
“Juridicamente é considerado abuso de um direito e, como tal, constitui ato ilícito. Com relação aos aplicativos é a primeira vez, mas existem inúmeras decisões da Justiça do Trabalho que condenaram empresas pela prática de dumping social”, lembra.