O Decreto, que institui a “Política Nacional de Educação Especial: Equitativa, Inclusiva e com Aprendizado ao Longo da Vida”, foi judicializado em uma Ação Direta de Inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal (ADI 6590), por meio da qual dezenas de organizações da sociedade civil pediram habilitação como amicus curiae (amiga da corte), com o intuito de trazer subsídios para o julgamento. O STF chegou a suspender, em fevereiro, o decreto presidencial.
O decreto, que formalmente se institui como uma política inclusiva para pessoas com deficiência e necessidades especiais, na verdade representa uma política excludente e altamente capacitista. Ao invés de serem projetadas políticas públicas de adaptação do ensino na rede regular para pessoas com deficiência, efetivando o direito de acesso, o Governo Federal parece querer isolar tal setor da sociedade, sem qualquer resolução das comumente barreiras que já enfrentam diariamente.
Prova desse efetivo interesse por trás da aprovação da Política Nacional de Educação Especial são as próprias declarações do secretário executivo do Ministério da Educação, Victor Godoy Veiga, de que “as escolas estão tendo que contratar profissionais especializados para ficar cuidando daquela criança para ela não atrapalhar a aula dos demais alunos”, deixando em evidência de que trata-se de uma política exclusiva do ensino, em caráter estritamente preconceituoso.
Nossa Constituição Federal de 1988 promulgou um arsenal legislativo e de políticas públicas inclusivas, tal como a Lei de Diretrizes e Bases da Educação e a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva. Estas fortaleceram o direito de acesso e permanência na escola para todos os cidadãos, sendo inclusive garantido às pessoas com deficiência e necessidades especiais o atendimento educacional especializado, preferencialmente na rede regular de ensino.
Foi a partir desses mecanismos públicos que nas últimas décadas as crianças e os adolescentes passaram a poder acessar as escolas regulares, oportunizando mais interação e convivência social. É o que demonstra o Censo Escolar de 2018, quando 92,1% dos alunos com algum tipo de deficiência entre 4 a 17 anos estão matriculados em escolas comuns.
Nossa posição não busca de forma alguma ir contra as escolas especiais, constituídas como equipamentos sociais essenciais na prestação de serviços de apoio e complemento pedagógico, terapêutico, de assistência social. Entretanto, o caminho para um ensino efetivamente inclusivo e garantidor dos preceitos constitucionais de acessibilidade, para todos os cidadãos, ao ensino regular de qualidade, não é a aprovação do Decreto 10.502/20. O direito à educação no ensino regular deve subsistir, sendo progressivamente promovida a adaptação do ensino para alunos com deficiência ou necessidades especiais, mediante suficiente investimento e recursos destinados ao setor.