A popularidade do presidente Lula tem registrado quedas consecutivas, refletindo a insatisfação de parte expressiva da população que esperava mudanças mais estruturais e aceleradas. O desgaste não ocorre apenas entre setores historicamente opositores ao governo, mas também entre eleitores que depositaram suas expectativas na reversão de retrocessos impostos nos últimos anos.
A ampla aliança costurada para derrotar Bolsonaro e garantir a governabilidade resultou em uma coalizão heterogênea, na qual partidos de centro e centro-direita exercem influência significativa. Se, por um lado, essa estratégia foi essencial para assegurar a vitória eleitoral e a estabilidade institucional, por outro, impôs limitações na execução de uma agenda transformadora. A necessidade de negociar com setores tradicionalmente vinculados ao mercado e ao conservadorismo político restringiu a capacidade do governo de avançar em reformas sociais de maior impacto.
Os eleitores de Lula, sobretudo aqueles ligados ao movimento sindical e às lutas populares, esperavam uma gestão que corrigisse as perdas impostas pelas gestões anteriores, especialmente no que tange às reformas trabalhista e previdenciária. A reforma trabalhista promovida pelo governo Temer enfraqueceu a organização sindical e precarizou as relações de trabalho, enquanto a reforma previdenciária de Bolsonaro impôs regras mais rígidas para aposentadoria, dificultando o acesso à seguridade social.
No entanto, a necessidade de atender às demandas dos partidos aliados resultou na manutenção de medidas que contrariam essas expectativas. O compromisso com o ajuste fiscal e a busca pelo equilíbrio nas contas públicas tornaram-se prioridades, muitas vezes em detrimento de políticas redistributivas mais ambiciosas. Essa postura gerou frustração entre aqueles que enxergavam o novo governo como uma oportunidade de reverter a agenda neoliberal imposta nos últimos anos.
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Além disso, há um desalinhamento entre algumas iniciativas do governo e as novas dinâmicas sociais e econômicas. Estratégias que foram exitosas em gestões passadas nem sempre apresentam a mesma eficácia diante das mudanças no cenário global e nacional. O mundo do trabalho, por exemplo, enfrenta transformações profundas com a digitalização, a economia de plataformas e a crescente informalidade, desafios que demandam respostas inovadoras e atualizadas.
Outro fator que contribuiu para a perda de apoio foi a dificuldade do governo em consolidar uma comunicação eficaz. A falta de uma narrativa coesa sobre suas principais ações e conquistas abriu espaço para que a oposição explorasse temas sensíveis, como o caso da polêmica envolvendo a regulação do Pix. O episódio, embora tecnicamente justificável dentro da política econômica do governo, foi utilizado para reforçar a tese de um Estado intervencionista, afastando setores da classe média que apoiaram Lula no segundo turno das eleições de 2022.
Além disso, a oposição de extrema-direita, apesar da derrota eleitoral, mantém uma base mobilizada e ativa, explorando as insatisfações sociais para ampliar seu espaço político. O crescimento de discursos reacionários e a tentativa de deslegitimar políticas progressistas representam um desafio contínuo para o governo, que precisa construir uma estratégia mais eficaz para enfrentar essa ofensiva.
Para reverter esse quadro, o governo precisa reforçar seu compromisso com pautas populares e com a reconstrução dos direitos trabalhistas. A revisão dos aspectos mais prejudiciais da reforma trabalhista, o fortalecimento dos sindicatos e a ampliação das garantias para os trabalhadores são medidas estratégicas não apenas para recuperar a popularidade do governo, mas também para consolidar um cenário político favorável à continuidade do projeto progressista nas eleições de 2026.
Além disso, é essencial que o governo retome sua vocação para o enfrentamento das desigualdades, priorizando políticas que impactem diretamente a vida dos trabalhadores e das camadas mais vulneráveis da população. Investimentos em programas sociais, ampliação do acesso a direitos e uma comunicação mais assertiva podem desempenhar um papel crucial nesse processo.
Por fim, a atual conjuntura exige que o governo encontre um equilíbrio entre governabilidade e transformação. A manutenção da estabilidade política não pode significar a renúncia ao compromisso com as mudanças estruturais necessárias para a construção de um Brasil mais justo e democrático. A capacidade de conciliar alianças políticas com avanços sociais será determinante para o futuro do país e para o enfrentamento da crescente ameaça representada pela extrema-direita.
A história mostra que governos que apostam na mobilização popular e na valorização do trabalho são aqueles que deixam legados duradouros. Resta saber se o governo Lula conseguirá transformar os desafios em oportunidades e reafirmar seu compromisso com a classe trabalhadora e com a democracia.
*Paulo de Oliveira é advogado, diretor da Executiva Nacional da CSB – Central dos Sindicatos Brasileiros, presidente do SEAAC de Presidente Prudente e Região, presidente da Comissão de Direito Sindical da OAB de Presidente Prudente e presidente do Conselho Intersindical de Presidente Prudente e Região.
Foto: Fabio Rodrigues-Pozzebom/Agência Brasil