Comissão Pastoral da Terra afirma que País atingiu seu maior índice de violência em zonas rurais desde 2003
Enquanto os grandes proprietários de terra colhem lucros bilionários com a cooperação do governo federal, trabalhadores rurais continuam a ter as suas vidas ceifadas nos campos brasileiros. Em 2017, o Brasil alcançou o maior índice de assassinatos na área rural desde 2003 segundo dados da Comissão Pastoral da Terra (CPT), divulgados no mês de abril deste ano.
Ao todo, 70 profissionais foram mortos em conflitos entre a agricultura familiar e o agronegócio durante o ano passado, sendo 40% deles em massacres nos estados da Bahia, do Mato Grosso, Pará e de Rondônia. Números que correspondem a um aumento de 15% de assassinatos no País em comparação a 2016 e de quase 80% comparado a 2004.
Infelizmente, este não é um cenário atípico das zonas rurais. Ainda de acordo com o Centro de Documentação Dom Tomás Balduino, da CPT, a Comissão registrou 1.904 vítimas feitas em 1.438 conflitos de 1985 a 2017, dentre os quais apenas 113 casos foram julgados e 31 mandantes de assassinatos e 94 executores foram condenados ao longo desses 32 anos – o que para a CPT mostra “como a impunidade ainda é um dos pilares mantenedores da violência no campo”, opinião compartilhada pelo vice-presidente da CSB Jotalune dos Santos.
Presidente da Federação dos Empregados Rurais Assalariados do Estado de São Paulo (FERAESP), o dirigente atribui a motivação do aumento dos assassinatos ao interesse pela posse de terra e à certeza da impunidade, aliada a uma forte influência da bancada ruralista do Congresso Nacional. Segundo Santos, “nós vivemos um momento em que o Congresso brasileiro tem construído situações facilitadoras aos grandes proprietários”.
“A verdade é que temos uma Câmara de Deputados e um Senado muito conservadores. A bancada ruralista é muito forte e cria condições que facilitam a vida dos grandes fazendeiros no campo jurídico e no campo político. E esse é o grande problema: tudo passa pela má vontade política e pela concentração de poder e de capital no País”, acredita o dirigente, defensor de uma reforma agrária brasileira ao lado de Maria Lucinete de Lima, 1ª secretária do Meio Ambiente da CSB.
Sindicalista da região Norte do Brasil e presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Careiro, Manaus e Iranduba (SINDRURAL), a dirigente sofre as consequências da má distribuição de terra na própria pele.
Em uma região onde a Comissão Pastoral da Terra já contabilizou 970 assassinatos em 658 conflitos nos últimos 32 anos; residente do Amazonas, que ficou em 6º lugar no ranking dos estados mais violentos no campo, com três mortes em 2017, (Pará é quem ocupou a 1ª colocação com 21 pessoas assassinadas, 10 no Massacre de Pau D’Arco), Lucinete é uma das profissionais e militantes rurais que correm perigo nas mãos dos grandes proprietários.
“Eu mesma já fui ameaçada. Aqui no estado do Amazonas nós temos gente marcada para morrer e eu sou uma delas. Estou na lista. Ficar na frente da causa dos trabalhadores rurais não é fácil, não. São ameaças todos os dias”, conta Maria Lucinete de Lima.
Mas, segundo a 1ª secretária da Central, mesmo em meio a um quadro de insegurança é possível o movimento sindical tomar algumas providências de proteção à categoria. “A principal ação é a gente denunciar. Fazemos reuniões nas Assembleias Legislativas, porque quando tem conflito a gente aciona as assembleias dos municípios, e vamos tentando resolver. Quando temos trabalhadores do campo ameaçados, a gente também procura retirá-los da área, dando proteção e pedindo apoio à própria CPT e a quem possa nos ajudar com relação à proteção da vida dessas pessoas. Já teve muita gente que foi retirado até de dentro da cidade para que pudesse continuar trabalhando no estado e sustentando a família dele”, relata.
A violência no campo não acomete somente os profissionais rurais, mas também indígenas, quilombolas, posseiros, pescadores, assentados e membros de movimentos sem terra. No caso dos últimos, a FERAESP afirma sua parceria por saber que “o assalariado rural de hoje pode ser o sem terra de amanhã”. De acordo com o presidente Jotalune dos Santos, a Federação costuma acompanhar cada luta de perto, oferecendo apoio com instruções e articulação junto à administração pública.
Reforma Agrária e Agronegócio
Não são apenas as pessoas que sofrem com a ganância do agronegócio. Conforme últimos dados do Instituto Homem e Meio Ambiente da Amazônia, (Imazon), o desmatamento na Amazônia Legal (área que abrange nove estados brasileiros e equivale a 60% do território nacional) chegou à extensão de 287 km², em março de 2018, 249% a mais do que em 2017, graças à falta de políticas públicas voltadas à sustentabilidade ambiental e desconcentração das posses de terra.
Uma das últimas ações do governo federal à produção no campo, inclusive, foi o desconto integral de multas e juros das dívidas dos produtores de larga escala. Com o chamado Refis Rural, ou Funrural – espécie de refinanciamento de dívidas –, a União perdoará R$ 15 bilhões dos R$ 17 bilhões devidos pelos produtores. Em contrapartida, acumula em três décadas 46 massacres nas áreas rurais que mataram 220 trabalhadores.
“Enquanto não houver uma reforma agrária de verdade, a tendência é que esse tipo de criminalidade aumente ano a ano. E não falta terra, o problema é a alta concentração de terra com os poderosos. Precisamos de uma política pública comprometida com a população porque o agronegócio, hoje, norteia a balança comercial de importação e exportação, gera riquezas, mas não distribui essa riqueza ao povo brasileiro e nem gera empregos. O único lugar em que ela aparece de fato é na balança comercial”, ressalta Jotalune dos Santos, complementado pela vice-presidente da CSB Silvana Cândido e pelo 1º secretário dos Trabalhadores Rurais da Central.
Para ambos os dirigentes, além da reforma agrária, o País necessita de um programa de proteção às mulheres do campo e maior fiscalização e segurança nas zonas rurais. De acordo com a presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Sapopema/PR, a posse de terra e o atendimento à população deveriam ser descentralizados.
“Os serviços públicos têm que chegar ao campo. Um CREAS (Centro de Referência Especializado de Assistência Social) itinerante, por exemplo, com uma equipe multidisciplinar para visitar as comunidades rurais, levando informações sobre os seus direitos seria muito importante para a valorização da categoria. Audiências públicas no campo para ouvir as trabalhadoras rurais também são essenciais. Nosso Sindicato já possui um trabalho voltado às mulheres com encontros e palestras, mas a administração pública não pode se omitir”, destaca Silvana.
Já Paulo Oyamada, presidente do Sindicato dos Empregados Rurais de Tupã (SER – Tupã/SP), reforça que o País necessita investir na segurança no campo com a contratação de novos servidores. “O Ministério do Trabalho diz que não tem verba para atuar e nem pessoal para fiscalizar. Mas o governo precisa se conscientizar que é necessário promover concursos públicos, de seres humanos para atuar nessa área porque a zona rural é a menos protegida pelos governantes, sendo que o trabalhador também sustenta o Brasil”, ressalta.
Desde sua fundação, a CSB assume o compromisso de lutar ao lado dos trabalhadores rurais de todo o Brasil e de não desistir do bom combate contra aqueles que exploram a mão de obra no campo. Para conhecer melhor as últimas lutas da Central no setor, leia as notícias abaixo:
Trabalhadores rurais do Amazonas reivindicam entrega de títulos de terra do governo federal
Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Palmitinho (RS) comemora 50 anos de muitas lutas