As centrais sindicais enviaram nesta quarta-feira (9) uma carta ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva em que defendem que o Estado brasileiro reconheça a independência da República Árabe Saaraui Democrática (RASD).
Nos últimos dias, o embaixador Ahmed Mulay Ali Hamadi, representante da RASD no Brasil, visitou os dirigentes das centrais sindicais e apresentou os argumentos da república africana pelo seu reconhecimento. Na segunda (7), ele esteve com o presidente da CSB, Antonio Neto, que imediatamente demonstrou seu apoio à causa.
Veja a íntegra da carta a seguir:
Prezado Presidente, Luiz Inácio Lula da Silva.
As Centrais Sindicais brasileiras, CUT, Força Sindical, UGT, CTB, NCST e CSB, depois de terem conversado e escutado os relatos históricos e os argumentos do representante da Frente Polisário no Brasil, vimos solicitar respeitosamente que o Estado e o Governo Brasileiro reconheça a República Árabe Saaraui Democrática (RASD).
Para nós, representantes dos trabalhadores e trabalhadoras brasileiros, o reconhecimento a RASD é uma questão de justiça, luta pela paz, justiça social e autodeterminação dos povos, e está baseada nos fatos históricos, relatórios e argumentos apresentados pelos representantes da Frente Polisário no Brasil, como segue:
– A República Árabe Saaraui Democrática – RASD (anteriormente conhecida como Saara Espanhol) ocupa um espaço importante no noroeste da África. É o único país árabe que tem o espanhol como segunda língua oficial. A RASD defende um mundo de paz, democracia, respeito aos direitos humanos e a justiça social. Foi proclamada em 27 de fevereiro de 1976, quando o último soldado espanhol deixou esse país.
– Os argumentos jurídicos e políticos que claramente justificam a necessidade do reconhecimento da RASD se sustentam como base fundamental para a estabilidade, paz e justiça no norte da África, que podem ser resumidos nos seguintes pontos, embora não sejam os únicos.
1- O Saara Ocidental é considerado pelas Nações Unidas um território não autônomo pendente de descolonização de acordo com a histórica e atual Resolução 1514 (XV), de 1960, que consagra o direito à independência e soberania dos países e povos submetidos ao colonialismo.
2- O parecer da Corte Internacional de Justiça, de 16 de outubro de 1975, resolveu a dúvida levantada pela Assembleia Geral da ONU ao esclarecer em suas conclusões (parágrafo 162) que nem Marrocos nem Mauritânia haviam exercido soberania sobre o Saara Ocidental. Portanto, a Corte confirmou que não existiam vínculos jurídicos capazes de modificar a aplicação da Resolução 1514 (XV) em relação à descolonização do Saara Ocidental e, em particular, à aplicação do princípio da autodeterminação por meio da expressão da vontade política da população pátria deste território.
3 – A Resolução da Assembleia Geral 2625 (XXV), das Nações Unidas, estabelece que “nenhuma aquisição territorial resultante de ameaça ou uso de força será reconhecida como legal”, reafirmando que a ONU rejeita a ocupação militar do Saara Ocidental e não reconhece a anexação marroquina ilegal a qualquer parte desse território. Mais precisamente, em suas 2 Resoluções 34/37, de 21 de novembro de 1979 e 35/19, de 11 de novembro de 1980, declara que: “a Assembleia Geral lamenta profundamente o agravamento da condição resultante da contínua ocupação do Saara Ocidental por parte do Marrocos”.
4 – A Resolução da Assembleia Geral das Nações Unidas, de 21 de novembro de 1979 (A/RES/34/37), diz: reafirma o direito inalienável do povo do Saara Ocidental à autodeterminação e à independência de acordo com as disposições da Carta das Nações Unidas e da Carta da Organização da Unidade Africana e com os objetivos da resolução 1514 (XV) da Assembleia Geral, bem como a legitimidade da luta que ele conduz para exercer esse direito de acordo com as resoluções pertinentes das Nações Unidas e da Organização da Unidade Africana.
5 – O Rei Marroquino, Hassan II, comprometeu-se perante a OUA/UA, em 24 de junho de 1981, “a aceitar que um referendo fosse realizado no Saara Ocidental para que o povo desse território pudesse exercer seu direito à autodeterminação” [AHR/RES. 103 (XVIII) (1981), que foi aprovada como documento oficial da ONU (E/CN.4/1982/17)].
6 – O Conselho de Segurança das Nações Unidas aprovou a Resolução 690 (1991), em 29 de abril de 1991, na qual, após lembrar que “em 30 de agosto de 1988, o Reino de Marrocos e a Frente POLISARIO expressaram em princípio concordar com as propostas do Secretário-Geral das Nações Unidas e do Presidente em exercício da Assembleia Geral de Chefes de Estado e de Governo da Organização para a Unidade Africana, no âmbito de sua missão conjunta e de bons ofícios”, evocando também a sua Resolução 658 (1990) de 27 de junho de 1990, que “continha o texto completo das propostas de acordo aceitas pelas duas partes, em 30 de agosto de 1988”, concordou em “estabelecer sob sua autoridade uma Missão das Nações Unidas para o Referendo no Saara Ocidental”, MINURSO. Essa decisão abriu caminho para que as duas partes em conflito decretassem, posteriormente, um acordo de cessar-fogo em 6 de setembro de 1991, que pôs fim a 16 anos de guerra, como etapa prévia para a realização do Referendo de Autodeterminação no Saara Ocidental.
7 – As instâncias jurídicas da União Africana reconheceram, em agosto de 2015, o direito inquestionável e inalienável do Povo do Saara Ocidental a um referendo de autodeterminação (parágrafos 53-54), concluindo que Marrocos não é uma potência administradora do Saara Ocidental e não tem soberania sobre ele, nos termos do artigo 73, da Carta das Nações Unidas.
8 – A Corte Africana de Direitos Humanos e dos Povos concluiu, em sua sentença de 22 de setembro de 2022, que “a ONU e a UA reconhecem a situação da RASD como uma situação de ocupação e consideram seu território como um dos territórios, cujo processo de descolonização ainda não foi concluído”.
9 – Em 10 de dezembro de 2015, o Tribunal Geral da União Europeia emitiu uma sentença anulando a cooperação comercial entre Marrocos e a UE, uma vez que essa cooperação incluía o Saara Ocidental como se fosse território marroquino. O Tribunal reconheceu a Frente POLISARIO como o único representante do Saara Ocidental. Mais tarde, o Tribunal aprovou várias sentenças a favor da Frente POLISARIO, em 21 de dezembro de 2016, 27 de fevereiro de 2018 e 29 de setembro de 2021, que deixaram clara a relação entre o país ocupado e o país ocupante.
10 – A República Saharaui, como fundadora e membro pleno da União Africana, atualmente reconhecida por 84 Estados Nacionais, possui embaixadas em mais de uma dezena de capitais africanas. Também tem embaixadas no México, Nicarágua, Panamá, Cuba, Venezuela, 3 Equador, Peru, Bolívia e Uruguai, bem como embaixador simultâneo em Belize. A maioria desses países mantém relações e embaixadas tanto com a RASD quanto com o Reino de Marrocos.
Nesse sentido, as Centrais Sindicais têm seguido com muita atenção a situação que vive o Povo Saaraui, vítima de uma ocupação injusta.
Importante lembrar o artigo 4º da Constituição da República Federativa do Brasil, que defende a soberania e autodeterminação dos povos, ainda mais neste momento que o país volta a ocupar o seu espaço e visibilidade mundial, como defensor do Direito Internacional, da Paz e da autodeterminação dos povos. A norma constitucional mostra a necessidade de atuar na busca da paz e da estabilidade no norte da África, região com a qual possuímos laços históricos, políticos, culturais e econômicos.
Considerando a sua histórica posição em defesa da soberania do Povo Palestino e vendo a semelhança com a longa luta do Povo Saaraui, defendemos a necessidade do reconhecimento da República Árabe Saaraui Democrática pelo governo brasileiro, como importante contribuição para a paz no Norte da África e no mundo.
Com objetivo de evitar retrocessos nos avanços diplomáticos do Estado Brasileiro, que inclusive contou com manifestação de apoio ao reconhecimento da Republica Árabe Saaraui Democrática por parte de senadores e deputados federais em 2014, dentre eles o ex-presidente brasileiro, o senador José Sarney, torna-se fundamental o reconhecimento da RASD.
Levando em conta os princípios que temos escutado de Vossa Excelência em várias oportunidades, o Brasil tem um papel histórico na defesa da justiça e da estabilidade mundial, sendo fundamental a sua contribuição para a libertação da última colônia na África.
Certos de que Vossa Excelência dará a nossa carta a atenção que o assunto merece, receba, mais uma vez, nossos mais elevados votos de respeito e consideração.
Antonio Neto, presidente da CSB (Central dos Sindicatos Brasileiros)
Sérgio Nobre, presidente da CUT (Central Única dos Trabalhadores)
Miguel Torres, presidente da Força Sindical
Ricardo Patah, presidente da UGT (União Geral dos Trabalhadores)
Adilson Araújo, presidente da CTB (Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil)
Moacyr Roberto Tesch Auersvald, presidente da NCST (Nova Central Sindical de Trabalhadores)