Documento do SNI cita atuação de ex-presidente, ao contrário de recente estudo divulgado pela montadora
Um relatório produzido a pedido do Ministério Público Federal (MPF) diverge do estudo feito para a Volkswagen por um historiador alemão sobre a atuação da montadora durante a ditadura militar brasileira (1964-1985). Enquanto a direção da empresa alega ter colaborado com a ditadura, mas não de forma institucionalizada, o documento do analista criminal Guaracy Minguardi, obtido pelo GLOBO, reproduz um informe do Serviço Nacional de Informação (SNI) com relato de que o presidente da fabricante de veículos na época, Wolfang Sauer, era informado sobre toda e qualquer atividade de repressão promovidas pelo setor de segurança.
Em 2016, a Volks contratou Christopher Kopper, professor da Universidade de Bielefeld (Alemanha), para examinar sua atuação entre os anos de 1984 e 1985 no Brasil. O historiador reconheceu a colaboração da montadora com a ditadura, mas diz que o chefe do departamento de segurança industrial, Adhemar Rudge, “agia por iniciativa própria, com conhecimento tácito da diretoria”.
Procurada, a Volkswagen do Brasil informou que “não tem comentários adicionais aos já feitos durante o evento no final do ano passado em sua fábrica” de São Bernardo do Campo, quando foi apresentado o relatório do historiador alemão.
O relatório de Minguardi, elaborado paralelamente ao estudo do historiador alemão, reproduz um informe do SNI de 18 de setembro de 1975 com o relato de que Rudge diz ter informado o diretor-presidente da empresa sobre uma ação de apoio aos militares conjunta com “outras grandes fábricas”. O informe diz ainda que o diretor-presidente da Volks, além de apoiar as operações de informações, “tem responsabilidade na liberação de outros apoios, em caráter permanente, que são prestados aos OI (órgãos de informação) de São Paulo”. Wolfgang Sauer, que presidiu a Volkws do Brasil entre 1973 e 1989 e morreu em 2013, é citado nominalmente no informe.
Na avaliação do analista criminal, esse documento “deixa claro que o setor de segurança da Volkswagen estava afinado com o SNI e, principalmente, que havia ainda conhecimento por parte das atividades pelo diretor-presidente”.
No relatório feito a pedido do MPF é destacado ainda que o subalterno direto de Rudge no departamento de segurança da empresa, major Eugênio Ramos, também era militar, o que provaria a intenção da montadora em colaborar com a repressão. “Havia um conluio desde o início entre a Volkswagen e o aparelho repressivo. Os dois militares no comando foram contratados para fazer o que fizeram, ajudar o aparelho repressivo da ditadura”, afirma o documento de Minguardi.
Uma outra divergência entre os dois relatórios é em relação ao apoio ao golpe que derrubou o presidente João Goulart, em 1964. O estudo do professor alemão diz que “a diretoria executiva da VW do Brasil não participou do golpe contra o último governo democraticamente eleito em 1964 e da posse da ditadura militar, nem ofereceu apoio financeiro aos golpistas”. Já o de Minguardi afirma que “quanto ao auxílio à conspiração contra Goulart localizamos um documento informando que a VW havia realizado doação para a movimentação de 1964”.
O documento ao que o analista criminal se refere é a ata da 26ª reunião extraordinária do Grupo Permanente de Mobilização Industrial (GPMI), localizado nos arquivos da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) e anexado a uma tese de mestrado apresentada na PUC-SP nos anos 1980. Nele, há uma relação das firmas que “colaboraram com a mobilização de material empreendida em decorrência dos eventos de 31 de março de 1964”, data da derrubada de Goulart.
Para Sebastião Oliveira Neto, que trabalhou na Comissão Nacional da Verdade (CNV), dirige o Instituto Intercâmbio, Informações Estudos e Pesquisas (IIEP) e contribuiu com a representação ao MPF, há “pontos estranhos” no relatório do professor alemão. Ele reclama da falta de acesso a a documentos internos da montadora.
— Só ele teve acesso aos documentos do departamento de segurança. A Volkswagen tem que abrir os arquivos dela.
INDENIZAÇÕES
Neto afirma que as reparações individuais a ex-funcionários que foram demitidos ou denunciados aos órgãos de repressão por sua atuação política não estão no horizonte dos autores da representação.
— Se houver reparação individual, é decorrente da condenação da Volkwswagen na ação coletiva.
No evento de apresentação do seu estudo, no último dia 14, o presidente da Volks na América Latina, Pablo Di Si, usou a falta de comprovação de apoio formal à ditadura como argumento para a montadora não pagar indenização.
As compensações anunciadas pela empresa se resumem à instalação de uma placa em sua fábrica de São Bernardo do Campo e ao apoio a um centro social da cidade que atende a crianças. Com base nas informações colhidas por Minguardi para um inquérito civil, o MPF pode acionar a montadora na Justiça com pedido de pagamento de reparação.
Depois de a CNV apontar que a Volks e outras empresas colaboraram com a ditadura, centrais sindicais, sindicatos e ex-funcionários fizeram uma representação, em 2015, ao Ministério Público que levou à abertura da investigação.
Fonte: O Globo