PEC 32: como evitar mais uma contrarreforma

“Reforma” Administrativa, que pode arrasar o serviço público no país, avança na Câmara. Governo tem bolsonarista em comissão-chave e amplo apoio do “centrão”. Freá-la requererá vencer a apatia e recuperar as mobilizações populares

As primeiras reuniões organizadas pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) da Câmara dos Deputados (CD) com o propósito de debater a proposta de Reforma Administrativa confirmaram aquilo que os analistas já antecipavam há um bom tempo. Caso não haja uma manifestação organizada da maioria da sociedade e dos especialistas na matéria, a tramitação da PEC 32 deverá obedecer exclusivamente aos interesses do governo e aos compromissos assumidos pelo atual presidente da Casa junto a Bolsonaro.

Todos se recordam do grande empenho realizado pelo Palácio do Planalto para assegurar a vitória de Arthur Lira (PP/AL) em fevereiro, logo no início dos trabalhos legislativos de 2021. O governo se mobilizou com cargos e verbas para impedir que Rodrigo Maia conseguisse emplacar seu candidato à sucessão, o deputado Baleia Rossi (MDB/SP). Frente a tal aliança, viu-se reforçada a dependência mútua entre o Chefe do Executivo e o ocupante do terceiro cargo na linha sucessória da República. Vale a pena recordar que o Presidente da Câmara é o responsável por engavetar ou iniciar o processo de impeachment do Presidente da República.

Desde então, o deputado alagoano parece ter incorporado de forma rigorosa o figurino de governista. Sua postura de defesa dos interesses do capitão foi ainda mais fortalecida a partir do momento em que o Supremo Tribunal Federal (STF) determinou ao Presidente do Senado Federal (SF) que instalasse a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para apurar as (ir)responsabilidades do governo na condução da pandemia. O núcleo duro de Bolsonaro menosprezou a articulação e viu-se em minoria na composição do colegiado temporário, apesar de contar com maioria entre os senadores. Afinal, sua contribuição foi determinante também para a eleição de Rodrigo Pacheco (DEM/MG) à presidência daquela Casa.

Bolsonaro e Arthur Lira: aliança sólida

Como o aprofundamento da crise política, sanitária e econômica tem contribuído para acelerar a queda de popularidade de Bolsonaro, é bastante provável que o protagonismo da dinâmica da CPI do Senado Federal acabe roubando bastante a cena dos assuntos no interior do legislativo. A intenção de Lira parece ser a de manter algum grau de postura propositiva da pauta de interesse do governo no âmbito da Câmara dos Deputados e assim buscar um espaço nos meios de comunicação que o favoreça. Talvez por isso o seu interesse explícito e declarado em promover a aceleração da tramitação das reformas constitucionais, em especial a tributária e a administrativa. De um lado, reforça o seu compromisso com a pauta conservadora nacional e, de outro lado, posa de bom menino no atendimento das demandas apresentadas por seu padrinho político.

O rito processual previsto no regimento da Câmara dos Deputados determina que as proposições de emenda constitucional devam ter o início de tramitação por meio de uma avaliação de sua legalidade e constitucionalidade no âmbito da CCJ. A partir daí, caso aprovada naquele colegiado, a matéria deve seguir para sua apreciação no interior de uma Comissão Especial, especialmente constituída para esse fim. Ora, a indicação de uma parlamentar bastante identificada com os interesses de Bolsonaro para presidir a CCJ parece ser mais uma movimentação no sentido de acelerar a agenda conservadora. Assim, uma deputada em primeiro mandato, Bia Kicis (PSL/DF), assumiu o comando da comissão permanente considerada como a mais importante e estratégica na dinâmica da Câmara.

De acordo com a avaliação de convidados para participação nas primeiras audiências para avaliar a PEC 32, percebe-se que a proposta está carregada de ilegalidades e inconstitucionalidades. Apesar da postura governista irredutível e de alguns depoentes comprometidos com uma abordagem ideologicamente contrária ao setor público, o saldo da contribuição daqueles que participaram das reuniões aponta claramente para a impossibilidade de atestar a essência da PEC 32 como estando em conformidade aos determinantes constitucionais.

A lista das inconstitucionalidades presentes no texto justificaria a sua não aceitação pelo colegiado da Câmara, que tem exatamente essa função preliminar de avaliação. A criação de 5 novos regimes jurídicos para enquadramento de servidores sem prever qualquer destinação aos atuais funcionários amparados pelo Regime Jurídico Único (RJU) é entendido como uma afronta aos direitos constitucionais. A eliminação do instituto da estabilidade para os servidores públicos também compromete aspectos de constitucionalidade, uma vez que o princípio da isonomia estaria sendo ferido. A abertura da possibilidade de contratação de novos quadros integrantes da administração pública sem a exigência de concurso público se apresenta como possível afronta a princípios constitucionais.

PEC 32 é inconstitucional

Por outro lado, a PEC 32 apresenta um conjunto de dispositivos relativos à criação e à extinção de elementos da estrutura da administração pública. Assim, de acordo com as novidades a serem introduzidas na Constituição, o Presidente da República estaria autorizado a extinguir autarquias, fundações e outros órgãos da administração indireta sem a necessidade de recorrer ao estabelecido atualmente, qual, seja, a prévia autorização do poder legislativo.

Ora, esse poder quase imperial que se pretende conferir ao Chefe do Executivo, combinado à possibilidade de contratar pessoal sem concurso e de demitir servidores sem estabilidade, caracterizaria uma clara afronta ao princípio da impessoalidade, da imparcialidade, à divisão entre poderes e do espírito republicano que caracteriza nossa Carta Magna.

Assim, como se pode perceber, a PEC 32 não resiste nem mesmo a um exame preliminar de sua constitucionalidade. Caso a CCJ pretenda se manter fiel às suas responsabilidades e atribuições, o órgão não deveria permitir que a matéria avançasse para apreciação de seu mérito na Comissão Especial.

Os membros da CCJ acertaram um cronograma de audiências públicas e pactuaram que a matéria não seria votada antes que ali fosse recebido o Ministro da Economia. À parte todos os problemas associados aos aspectos da formalidade jurídica acima mencionados, persiste um conjunto de outros equívocos de natureza econômica e administrativa. Em uma abordagem sincera e honesta, a PEC 32 não pode ser qualificada de “Reforma Administrativa”. Não se trata de um instrumento reformista, pois a intenção fundamental não é aperfeiçoar ou melhorar o setor público, senão destruí-lo. Não se trata de uma peça cujo objetivo seja enfocar a administração de forma ampla e integral, mas tão somente pela ótica reducionista de busca do Estado mínimo. Portanto, o comparecimento do superministro Paulo Guedes à CCJ pode converter-se em mais uma oportunidade também de esclarecer aspectos de mérito da matéria, uma vez que a inconstitucionalidade já foi devidamente atestada.

Fonte: Outras Palavras

Compartilhe:

Leia mais
Sindpd-SP aciona empresa contra demissão em massa
Sindpd-SP aciona empresa por demissão em massa de mais de 500 trabalhadores
operação resgate trabalho escravo
Quase 600 pessoas são resgatadas em maior operação da história contra trabalho escravo
Febrafite pec 66-23
Febrafite critica projeto sobre dívida previdenciária dos municípios; assine petição
presidente da anamatra justiça do trabalho stf
Não há enfrentamento ao STF na Justiça do Trabalho, afirma presidente da Anamatra
greve serpro
Trabalhadores de São Paulo rejeitam proposta de acordo, e greve do Serpro é mantida
assédio eleitoral no trabalho mpt denúncia
Assédio eleitoral: Centrais e MPT fazem parceria para combater prática nas relações de trabalho
Projeto de lei motoristas em apps
Ministra do TST reconhece vínculo entre app e motorista por "gamificação" do trabalho
MPT HQ Sindicalismo e diversidade
Sindicalismo e Diversidade: Ministério Público do Trabalho lança HQ sobre inclusão
Dados da desigualdade no Brasil
Desigualdade: Brasil reduz pobreza, mas concentração de renda segue em alta
Lula fala sobre Getúlio Vargas em SP
Nos 70 anos da morte de Getúlio Vargas, Lula reconhece seu legado para trabalhadores