Brasileiros demitidos sem justa causa com vínculo empregatício igual ou menor a um ano são os mais afetados: quase metade tem até 39 anos, não fez ensino superior e ganha até dois salários mínimos
As mudanças propostas pelo governo no seguro-desemprego podem atingir um grande contingente de trabalhadores jovens, pouco escolarizados e com baixos salários, mostra um levantamento do economista Eduardo Zylberstajn, da Fipe, com base no Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged). As alterações no benefício estão no centro do debate sobre o ajuste fiscal, em um momento em que as centrais sindicais pressionam o Planalto para que as novas exigências sejam amenizadas.
Pelas novas regras, que ainda não estão em vigor, o trabalhador só poderá pedir o seguro-desemprego pela primeira vez depois de 18 meses de vínculo empregatício – originalmente, o período exigido era de 6 meses. O problema é que a exigência maior para o primeiro requerimento teria um forte impacto justamente em quem mais precisa do benefício, alerta Zylberstajn.
O levantamento do economista separou as demissões sem justa causa por período de vínculo: menos de seis meses, de seis a 12 meses, de 12 a 24 meses e mais de 24 meses, e cruzou esses dados com idade, escolaridade e salário dos desligamentos em 2014. A conclusão é que, dos demitidos sem justa causa com vínculo de até um ano, 47% têm até 39 anos, 45% não possuem ensino superior e 40% recebem até dois salários mínimos (veja mais ao fim do texto).
“Pode ser que dentre essas pessoas estejam aquelas que vão pedir o benefício pela segunda ou terceira vez, mas é o universo potencial de afetados”, explica Zylberstajn. As novas regras ainda estipulam uma carência de 12 meses para o segundo pedido e de seis meses a partir do terceiro. “O seguro-desemprego foi desenhado para proteger os trabalhadores de menor renda. Da forma como as mudanças foram propostas, ele ficou um programa para os poucos privilegiados e mais capacitados”.
O economista avalia que as mudanças foram pensadas mais pelo lado fiscal. “O seguro-desemprego é o que tem mais impacto no curto prazo”, diz. O esforço fiscal combinado de todas as alterações trabalhistas, estimado em R$ 18 bilhões, foi superestimado pelo governo em pelo menos 40%.
Zylberstajn ainda relativiza as alegações de mal uso do seguro-desemprego. “Qualquer seguro estimula um comportamento, por assim dizer, mais ‘inadequado’ das pessoas. Se você tem um seguro de carro, tende a dirigir mais rapidamente ou a deixar o veículo na rua. O mesmo acontece com o seguro-desemprego”, diz.
Ultrapassado. Na semana passada, o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, provocou mal-estar entre líderes sindicais ao afirmar ao jornal britânico Financial Times que o modelo do seguro-desemprego está ultrapassado.
“Eu arrisco a dizer que o Brasil é um dos únicos países do mundo que têm uma configuração simultânea de benefícios como abono salarial, seguro-desemprego, multa por demissão sem justa causa e FGTS. Acho que era isso a que o ministro se referia. Apresentei esses dados no Banco Mundial durante uma conferência e ninguém soube me apontar outro exemplo”, afirma Zylberstajn.
Rotatividade. O economista ainda usa os dados para rebater a tese de aumento da rotatividade como justificativa para alterar o seguro-desemprego. “Há, de fato, um aumento na rotatividade, mas ela ocorre entre aqueles motivos que não dão direito ao benefício”, afirma.
De 2002 a 2013, o índice de trabalhadores que mudam de emprego passou de 43% para 55%, segundo a Rais (Relação Anual de Informações Sociais), um consolidado anual do emprego formal no Brasil. Em outras palavras, significa dizer que, a cada 100 trabalhadores, a mudança de emprego cresceu de 43 para 55.
Desmembrados, no entanto, os dados mostram que só cresceu a rotatividade nos motivos que não dão acesso ao benefício. Nesse grupo – que inclui demissões a pedido do trabalhador, aposentadorias e até morte -, o porcentual passou de 19% para 28%. Já os desligamentos que partiram do empregador e que, portanto, dão direito ao benefício, tiveram apenas uma leve alta, de 24% para 27%.
Além das distorções apontadas pelo levantamento, o economista sustenta que o aumento do gasto com benefícios sociais era um fenômeno mais do que esperado diante das transformações no mercado de trabalho.
Ainda com base na Rais, Zylberstajn conclui que o aumento de gasto com seguro-desemprego e abono salarial é totalmente explicado pelos sucessivos reajustes no salário mínimo, combinados com o aumento do número de trabalhadores formais.
De 2002 a 2013 (o dado mais recente da Rais), o salário mínimo brasileiro teve um aumento real médio – descontada a inflação – de 5,3% ao ano. Já o número de empregos formais avançou a um ritmo anual de 5,4%. Por fim, os gastos com seguro-desemprego e abono salarial aumentaram 11% na mesma comparação.
Fonte: Estadão