Apesar da melhora do mercado de trabalho nos últimos trimestres, esse avanço não tem sido sentido com tanta força pela população negra. Dados recentes mostram que brancos hoje ganham 66,2% mais do que negros. Por outro lado, a despeito da queda na taxa de desocupação, dentre pretos e pardos (que compõem a população negra) o desemprego continua na casa de dois dígitos.
Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad), compilados pela Tendências Consultoria, mostram que o rendimento médio real mensal dos trabalhadores passou de R$ 2.640 no segundo trimestre para R$ 2.736 no terceiro. Dentre os brancos, o rendimento passou de R$ 3.393 para R$ 3.492 no período. Dentre os pretos, de R$ 2 mil para R$ 2.078. E dentre os pardos, de R$ 2.009 para R$ 2.101.
“Vemos que o rendimento médio habitual tem mostrado recuperação. Isso se dá tanto por conta de menor inflação quanto por geração de mais postos formais com carteira assinada”, afirma Lucas Assis, economista da Tendências.
Na abertura dos dados, argumenta, observa-se que a população branca ganha cerca de 66,2% mais do que pardos e 68% mais do que pretos. “Portanto, por mais que o mercado de trabalho esteja apresentando recuperação, ainda é marcante a desigualdade econômica por cor”, diz.
Segregação por atividades
Segundo Assis, dois pontos ajudam a explicar essa situação. “A segmentação das ocupações e a persistência da segregação racial no mercado trabalho. Por mais que haja recuperação, ela segue heterogênea e desigual”, explica.
É o que se constata na maior presença de pretos e partos em trabalhos na agropecuária, construção, serviços domésticos e outras atividades que, em geral, possuem rendimento inferior.
Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no fim de 2021 havia 3,47 milhões de brancos no setor de agropecuária e 5,22 milhões de negros.
Na construção, eram 2,26 milhões de brancos e 4,53 milhões pretos e pardos. No grupo de informação financeira e outras atividades profissionais, brancos somavam 6,03 milhões e negros, 4,65 milhões.
Quando se observam dados do IBGE sobre número de horas trabalhadas, as desigualdades persistem. Em 2021, a população branca recebia mais do que pretos e pardos, qualquer que fosse o nível de instrução.
Também no desemprego
A discrepância é alta também quando se analisa a taxa de desocupação. No último ano, a taxa de desocupação total caiu de 12,6% no terceiro trimestre de 2021 para 8,7% no terceiro trimestre deste ano.
Enquanto o desemprego entre brancos caiu de 10,3% para 6,8% no período, o de pretos foi de 15,8% para 11,1%, e o de pardos, de 14,2% para 10%.
Do total de 9,46 milhões de trabalhadores desocupados, 6,13 são pretos e pardos, o que equivale a 64,7%. Proporção maior do que o percentual de negros dentre os ocupados – 53,64% de um total de 99,26 milhões.
Desigualdade é geral
“As desigualdades no mercado de trabalho são mais consequências de outras desigualdades que ocorrem com esses grupos”, afirma Bruno Imaizumi, da LCA Consultores. “Nos 500 anos de história do Brasil houve um monte de políticas públicas contra ou a favor [dessas populações], muitas delas prejudicando-as, e até hoje não temos políticas afirmativas que conseguiram reparar isso.”
O economista da LCA argumenta que há forte correlação entre educação e raça, com pretos e pardos muitas vezes recebendo educação inferior à dos brancos. “Pretos e pardos têm mais dificuldade de inserção no mercado de trabalho, mas muito pela qualificação”, afirma Imaizumi, ao acrescentar questões estruturais como moradia de baixa qualidade e violência. “O mercado de trabalho é um reflexo de outros problemas.”
Para reverter esse quadro, ele afirma, seria necessário fazer reforma importante na educação e mais ações afirmativas para diminuir desigualdades.
Marcelo Tragtenberg, do conselho deliberativo do Centro de Estudos e Dados sobre Desigualdades Raciais (Cedra), afirma que, mesmo nas ocupações de predominância negra, os brancos costumam ganhar mais que pretos e pardos.
“Dados do Censo de 2010 mostram que nas ocupações com renda média de R$ 471, os brancos ganhavam R$ 539 e os negros, R$ 433. Ou seja, os brancos ganhavam cerca de 25% a mais que os negros nas ocupações de maioria negra”, diz.
No dia 16 de dezembro o Cedra lançou uma plataforma aberta com dados raciais demográficos, econômicos e referentes ao mercado de trabalho. A ideia é compilar estatísticas relativas a essas populações para orientar a formulação de políticas públicas.
Assis observa que as desigualdades no mercado de trabalho alimentam e refletem outras discrepâncias socioeconômicas.
“Em geral, são pretos e pardos em trabalhos domésticos sem carteira assinada, que não contribuem para a Previdência Social. É uma população que apresenta vulnerabilidade econômica e que, do ponto de vista social, é desprotegida no mercado de trabalho”, diz Assis.
Ele argumenta que a melhora conjuntural recente do mercado de trabalho beneficia populações em setores como comunicação e informação, atividades financeiras, que enfrentaram a pandemia com digitalização do trabalho e maior proteção social.
“Enquanto os mais vulneráveis, pretos e pardos, acabaram sofrendo mais com [oscilações] dos ciclos econômicos”, afirma. “É preciso focar de forma estrutural para que essa população mais vulnerável não fique à mercê desses ciclos econômicos e para que possa se beneficiar [dos ganhos] igualmente.”
No curto prazo, a perspectiva não é de criação massiva de empregos bem pagos e de qualidade para essa população, o que deve perpetuar essas assimetrias, prevê o economista.
O lado positivo, diz, seria em relação ao rendimento como um todo, com expectativa de reajuste real do salário mínimo em 2023, depois de dois anos sem alta acima da inflação.
Fonte: Valor Econômico
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