Em 1920 o Brasil, uma República ainda jovem, vivia sob poder oligárquico que tradicionalmente se revezava entre São Paulo e Minas Gerais. Com apenas 30 anos do fim do regime imperial e da escravidão, aquele período, embora regido por uma nova Constituição, mantinha em sua mentalidade coletiva, os valores que marcaram os 300 anos anteriores.
Vivendo e trabalhando naquelas condições, sem direito a férias, 13º salário, ou mesmo a um salário mínimo, Orlando Riani, ferroviário da Leopoldina Railway Company, e Maria Riani, não desfrutavam dos mesmos direitos e da mesma estrutura de organização que os trabalhadores tem hoje, 100 anos depois. Legislação trabalhista até existia, mas era precária e não havia fiscalização que garantisse seu cumprimento.
Foi neste Brasil que nasceu, no dia 15 de outubro de 1920, em Rio Casca (MG), o filho de Orlando e Maria, Clodesmidt Riani. Um Brasil essencialmente agrário, cujos trabalhadores, submetidos aos desmandos de uma mentalidade escravocrata, organizavam suas primeiras lutas.
Os últimos 100 anos foram, pode-se dizer, de construção de um país urbano e industrial. E para Riani, estas transformações não foram apenas presenciadas. Foram, em muitos casos, resultados de ações nas quais o sindicalista esteve diretamente envolvido.
Se Orlando, seu pai, amargou anos de trabalho sem os direitos previstos na CLT, o próprio Clodesmidt só viria a conhecê-la dez anos depois do ano em que começou a trabalhar numa fábrica de tecidos.
Desde pequeno aprendeu com o pai a consciência sobre as injustiças sociais e a necessidade da luta por conquistas para a classe trabalhadora.
Foi esta consciência que o empurrou para os embates políticos e classistas, já no fim da década de 1940, época de grande efervescência, marcada pela derrota do nazifascismo, com fim da 2ª guerra mundial e, no Brasil, pelo fim da ditadura do Estado Novo e pela promulgação da Constituição de 1946.
Por seu perfil trabalhista era natural que Riani ingressasse no PTB de Vargas e de Jango, o que ocorreu em 1950. Pelo PTB foi deputado estadual, além de ter sido praticamente um conselheiro de João Goulart, tanto em seu período como Ministro do Trabalho, quanto como Presidente da República.
Mas ele nunca deixou de lado a luta sindical. Envolveu-se nas negociações que criaram o salário mínimo e o 13º salário. Ativista reconhecido e bem quisto por seus pares chegou à presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Indústria (CNTI) e do combativo Comando Geral dos Trabalhadores (CGT), embrião das centrais sindicais contemporâneas.
Riani é uma das raras pessoas que ainda guardam na memória episódios fundamentais da nossa história, eventos honrosamente protagonizados pelos trabalhadores, como a Greve dos 300 mil, de 1953, e a Greve dos 700 mil, dez anos depois.
Eventos que não só tornaram o sindicalismo mais politizado, como deu força para que o movimento passasse a intervir diretamente na política. Deste profícuo casamento entre política e sindicalismo, selado na década de 1950, Clodesmidit Riani é um dos maiores exemplos.
Como líder combativo e reconhecido que era, Riani foi cassado e preso pelos militares na ocasião do golpe de 31 de março de 1964. Foram anos duros, de repressão e de perdas. Mas ele não poderia estar de outro lado que não o daqueles que sofreram as agruras do golpe, assim como Gregório Bezerra, Hércules Correia, Afonso Dellelis, o ferroviário Raphael Martinelli, seu amigo do CGT, a tecelã Maria Sallas Dib, entre tantos outros.
Com a anistia, Clodesmidt foi pouco a pouco retomando sua ação política, sempre fiel aos compromissos com os trabalhadores.
Ainda que ao tratar dos anos de ditadura não se possa falar em justiça, alguma reparação começou a acontecer no ano 2000, quando, através do projeto de lei do deputado Durval Ângelo, Riani teve direito a uma indenização pelas atrocidades contra ele executadas.
Em 2014, por recomendação das centrais sindicais, ele foi um dos homenageados pelo Grupo dos Trabalhadores na Comissão Nacional da Verdade. No ato de entrega do relatório sobre a perseguição à classe trabalhadora durante o período do regime militar à Dra Rosa Cardoso, coordenadora do grupo, em dezembro daquele ano, homenageamos Clodesmidt Riani e Raphael Martinelli, líder ferroviário e também ex-membro do CGT, que infelizmente nos deixou em fevereiro deste ano.
Agora, no ano de seu centenário, prestamos mais uma justa e merecida homenagem.
Riani abriu o caminho de lutas e conquistas e chega a edificante marca dos 100 anos em um Brasil diferente daquele em que deu seus primeiros passos.
Embora a desigualdade social seja ainda um entrave para o desenvolvimento econômico e civilizatório do país, a situação atual da classe trabalhadora não se compara à miséria a que estava submetida até a década de 1930. A Consolidação das Leis Trabalhistas de 1943, a conquista e a universalização do salário mínimo, a Greve dos 300 mil, em 1953, o CGT, a lei do 13º salário, a resistência à ditadura militar e todo o processo de redemocratização e de construção da Constituição Cidadã, na década de 1980, o amadurecimento dos sindicatos e das centrais sindicais brasileiras, separam o trabalhador de hoje do de cem anos atrás.
Quantos dedicaram a vida por esta nobre causa? Quantos sacrificaram a convivência familiar, submeteram-se à repressão, à tortura e até à morte para que os trabalhadores tivessem direitos, cidadania e dignidade? Direitos tão duramente conquistados e que, em um mundo marcado por uma cruel divisão de classes, são de tão frágil manutenção. Direitos que vemos pouco a pouco escapar pelos vãos dos dedos.
Por isso tudo é necessário que todos conheçam a história dos homens que lutaram e lutam pelos trabalhadores. Que todos saibam que os direitos não se tornam realidade através de passes de mágica. E que, por isso, requerem vigília permanente. Precisamos que todos saibam da história de Clodesmidt Riani. Mais do que isso, o Brasil precisa de mais Clodesmidts Rianis.
José Avelino Pereira, Presidente da Central dos Sindicatos Brasileiros
Sérgio Nobre, Presidente da CUT – Central Única dos Trabalhadores
Miguel Torres, Presidente da Força Sindical
Ricardo Patah, Presidente da UGT – União Geral dos Trabalhadores
Adilson Araújo, Presidente da CTB – Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil
José Calixto Ramos, Presidente da NCST – Nova Central Sindical de Trabalhadores
Ubiraci Dantas de Oliveira, Presidente da CGTB – Central Geral dos Trabalhadores do Brasil
Atnágoras Lopes – Secretário Executiva Nacional da CSP-Conlutas
Nilza Pereira de Almeida – Secretária de Finanças da Intersindical – Central da Classe Trabalhadora
Emanuel Melato – Coordenação da Intersindical – Instrumento de Luta e Organização da Classe Trabalhadora
José Gozze, presidente da PÚBLICA, Central do Servidor