Para 500 cidades do país, os benefícios pagos pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) representam mais de um quarto do Produto Interno Bruto (PIB). O levantamento realizado pelo Valor leva em conta a soma total dos valores pagos pelo INSS como proporção do PIB municipal, considerando dados de 2014, os mais recentes.
Em alguns casos, a dependência em relação aos benefícios é bem mais elevada e chega a passar dos 60%. Em Condeúba (BA), na fronteira entre Minas e Bahia, a Previdência responde por 66% da economia local. Em Paulistana, no Piauí, os benefícios do INSS respondem por 61,2% do PIB.
A proposta de reforma da Previdência encaminhada pelo governo ao Congresso promove mudanças nas regras de concessão e cálculo do valor dos benefícios previdenciários, mas eles continuarão sendo relevantes na alavancagem da economia local, segundo avaliação de técnicos do governo e especialistas.
Essa dependência pode ter se elevado por causa da deterioração da atividade econômica, embora os efeitos da recessão em 2014 ainda estivessem no início. De acordo com o levantamento, em 2010 os benefícios pagos pelo INSS respondiam por pelo menos 25% do PIB de 457 municípios. Para 228 cidades, representavam mais que 30% da economia local.
Em 2014, os benefícios já equivaliam a mais de 30% do PIB para 262 cidades. Juntas, de acordo com dados IBGE, elas têm pouco mais de 5,3 milhões de habitantes e um PIB per capita médio de R$ 6,6 mil. O PIB per capita médio do Brasil é de R$ 27,2 mil. Do total dessas cidades, 222 tem menos de 30 mil habitantes. Todos os dados são referentes a 2014, últimos dados municipais fornecidos pelo IBGE.
Outra maneira de mostrar o peso dos benefícios previdenciários nas pequenas cidades é fazer uma comparação com os repasses do Fundo de Participação dos Municípios (FPM). De um total de 5.570 municípios, em 4.216 (74,08%) a receita com benefícios previdenciários era superior aos repasses do fundo em 2015. Em 2014, 4.026 municípios (72,28% do total) viviam essa realidade.
Na região Sul, por exemplo, 80,27% dos municípios têm uma receita maior com benefícios previdenciários do que com o FPM em 2015 – em 2014, o percentual era de 78,84%. Considerando o atual cenário de baixo crescimento e o fato de que os brasileiros estão vivendo mais, a tendência é que a proporção dos municípios com receita de benefícios previdenciários superior aos repasses do FPM continue crescendo.
“Uma parte da economia dessas regiões, principalmente das cidades menores, gira em torno do que os aposentados e pensionistas recebem da Previdência”, diz José Matias-Pereira, professor da UnB.
Um representante do governo envolvido na elaboração da proposta da reforma da Previdência pondera que “a Previdência não é política regional, tem que dar condições de trabalho para essas regiões e não mais renda”. “A Previdência não é instrumento para resolver problemas do mercado de trabalho”, disse.
O professor da UnB concorda com a avaliação do técnico do governo e lembra que um “modelo de previdência onde você não cobra nenhuma contrapartida acaba tendo um efeito dinâmico na economia. Quando falamos em política para amenizar os problemas sociais, a Previdência é o principal instrumento”.
O levantamento indica também que os benefícios previdenciários têm importância maior para a economia de cidades entre 20 mil e 30 mil habitantes. Nesse grupo, os benefícios previdenciários chegam a 10,49% do PIB. Na outra ponta estão as cidades com mais de um milhão de habitantes, com economia mais dinâmica, onde esses benefícios respondem por 5,51% do PIB.
De acordo com o técnico do governo, as principais cidades impactadas pela reforma serão as cidades mais ricas. “A reforma afeta bem menos a idade do que o tempo de contribuição. Geograficamente, os municípios ricos serão os mais afetados”, explica. Matias-Pereira avalia, entretanto, que “se houver uma mudança na previdência que eleve a dificuldade da pessoa se aposentar, criando mais barreiras, é claro que essas regiões, as cidades menores e mais pobres, vão sofrer com o impacto dessas mudanças”.
Apesar disso, ele elogia a reforma, já que “há uma preocupação muito grande e determinada no sentido de caminhar para resolver o problema dos déficits” atuariais e financeiros do sistema previdenciário.
“Isso não quer dizer que Estado tenha que virar as costas para esse problema [da desigualdade]. É preciso discutir como encontrar outras formas de financiamento para atender áreas hoje beneficiadas pela Previdência Social”, afirma Matias-Pereira.
Leonardo Rolim, ex-secretário de Previdência Social e consultor da Câmara dos Deputados, concorda que a reforma não deve ter impacto relevante para os municípios pequenos. O que poderá afetar as receitas previdenciárias nessas cidades é a adoção de medidas para coibir fraudes, como na concessão de aposentadoria rural e as alterações nas regras e na correção da pensão por morte.
Dentre as mudanças previstas pelo projeto de reforma da Previdência estão a fixação de idade mínima de 65 anos para homens e mulheres com transição diferenciada; unificação das regras para o regime dos trabalhadores da iniciativa privada e servidores públicos. Além disso, prevê a desvinculação da aposentadoria por morte e do Benefício de Prestação Continuada (BPC) do salário mínimo.
Fonte: Valor Econômico