Os alicerces do movimento sindical – Já são mais de 100 dias desde a vitória do presidente Lula no segundo turno do pleito de 2022. Neste período, pouco ou quase nada se falou sobre a pauta trabalhista do governo, que foi vitorioso com o apoio unitário do movimento sindical e dos trabalhadores brasileiros.
Nos últimos anos, vivenciamos ataques profundos à pauta ambiental, aos direitos humanos e à legislação trabalhista. É urgente que o governo dê o mesmo tratamento que foi corretamente dado à questão climática e civilizatória para a proteção e o direito à vida dos trabalhadores.
É preciso enfrentar os obstáculos criados contra a negociação coletiva e a organização dos sindicatos. É urgente o reestabelecimento das bases mínimas de civilidade e proteção das vidas de trabalhadores e trabalhadoras que estão vulneráveis ao processo de escravidão e degradação humana.
Se recuperarmos um pouco a memória, veremos que desde 1988, com mais ênfase a partir do governo Collor, o movimento sindical brasileiro vem sofrendo inúmeras investidas pelas políticas neoliberais, visando o seu enfraquecimento, sua fragmentação e a prevalência do individuo sobre o coletivo. Os ataques ao sistema sindical brasileiro, à unicidade e à sustentação financeira das entidades foram constantes, movidos por grandes grupos econômicos, além de contarem com o respaldo de parte do movimento sindical.
As teses de pulverização da estrutura sindical, do acordado sobre o legislado, do fim da contribuição sindical, dos acordos nacionais suplantarem as negociações dos sindicatos e a criminalização dos dirigentes sindicais pavimentaram o caminho para a imposição da Reforma Trabalhista em 2017, que na prática, aplicou esse receituário.
Estes equívocos, somados aos ataques à Justiça do Trabalho, às mudanças legislativas que impuseram o comum acordo para dissidio coletivo, à perseguição do Ministério Público do Trabalho aos sindicatos, ao interdito proibitório, à constante e perversa falta de combate às práticas antissindicais e ao avanço dos conceitos liberais na sociedade foram decisivos para o enfraquecimento da estrutura sindical e, consequentemente, das forças progressistas que se relacionam, inclusive os partidos políticos.
Nos últimos dias surgiram discussões de uma ainda embrionária Reforma Sindical. Essa não é a pauta urgente dos trabalhadores, mas sim a de revogação dos instrumentos que retiraram direitos e jogaram milhões na escravidão moderna.
A situação se assemelha ao governo encontrado pelo atual presidente. Um Brasil desmontado, desorganizado e asfixiado financeiramente pela PEC do Teto de Gastos. A solução foi uma PEC da Transição para garantir fôlego e tempo para a reorganização do Estado antes de uma nova ancoragem fiscal e de uma necessária Reforma Tributária.
Antes de reformar a “casa” é preciso recuperar as colunas e a estrutura do movimento sindical. Ou seja, é preciso reorganizar a negociação coletiva e interromper a asfixia financeira das entidades.
Para quem defende mudanças na organização sindical, é importante lembrar que foi justamente essa estrutura que nos garantiu resistir em meio às ações destrutivas promovidas contra o sindicalismo brasileiro nos últimos anos e possibilitou até mesmo avanços como a conquista dos 600 reais de auxílio emergencial.
Com medidas assertivas podemos colocar o movimento sindical rapidamente em outro patamar: o fim do comum acordo para suscitação de dissídio coletivo, o reestabelecimento da ultratividade de convenções e acordos coletivos, a retomada da prevalência de instrumentos coletivos sobre instrumentos individuais e o fim da asfixia da estrutura sindical.
Qualquer reforma sindical para ser bem-sucedida terá que ter duas premissas atendidas: o fortalecimento dos sindicatos e a sua capacidade de avançar nas conquistas, levando essa estrutura para os servidores públicos, trabalhadores rurais e autônomos.
A maturidade acumulada nos tempos de resistência e unidade será uma importante bússola para a construção de uma reforma que contemple as mais diversas correntes do sindicalismo brasileiro.
É preciso dosar a ânsia por reformas e o conformismo do comodismo. Até pouco tempo, defender teses como a unicidade sindical e o imposto sindical era antipopular até mesmo no movimento sindical. A história provou que os ataques ao tributo foi um erro que acabou só contribuindo para a criminalização da luta dos trabalhadores.
A unicidade sindical, que até então era alvo preferencial do ideário libertário, se provou como a grande trincheira de resistência contra a pulverização de entidades pelo liberalismo econômico que buscava o enfraquecimento da organização sindical e das negociações coletivas.
Mas foi também a incapacidade de fazer uma reforma sob a ótica do trabalho na legislação trabalhista respondendo às novas necessidades do mundo do trabalho que colocou em xeque a nossa CLT.
Não podemos esquecer como chegamos até aqui. E definitivamente não será com alianças e parcerias com aqueles que tentaram nos liquidar que encontraremos o caminho para resgatar o protagonismo e a força do movimento sindical.
Antes de mexer naquilo que garantiu as nossas principais conquistas e a nossa resistência nos últimos 80 anos, é preciso derrotar aquilo que buscou a nossa destruição nos últimos seis anos.