Central dos Sindicatos Brasileiros

“Fast food é escravidão, não tem jeito”: trabalhadores relatam jornadas abusivas

“Fast food é escravidão, não tem jeito”: trabalhadores relatam jornadas abusivas

Joio e o Trigo – Trabalhadores do ramo de fast food na cidade de São Paulo relatam que fazem jornadas de até 14 horas, são proibidos de se sentar durante o expediente e passam até seis horas no transporte público diariamente.

Eles trabalham no regime seis por um —ou seja, folgam um dia por semana e ganham um domingo de descanso por mês. Eles dizem que se revezam em todas as funções nas lojas.

Foi o que o Joio e o Trigo descobriu conversando durante duas semanas com quase vinte funcionários do McDonald’s, do Ragazzo e do Subway, três das maiores redes de fast food presentes na capital. A maioria é jovem, mora na periferia e está no emprego há poucos meses. Os nomes dos trabalhadores foram trocados para preservar suas identidades.

Sentados na lixeira
“Fast food é escravidão, não tem jeito”, diz Alice, gerente do Ragazzo, que está há dez anos no ramo, com passagens por McDonald’s e Giraffas.

Ela conta que trabalha dez horas por dia, no quiosque de uma estação de metrô, onde frita coxinhas, e na sua casa, onde realiza funções administrativas da empresa.

“É muito exaustivo. Tenho dois esporões nos pés, de tanto ficar em pé”, diz, afirmando que os funcionários não podem se sentar durante o expediente. “Às vezes, o funcionário se encosta em algum lugar ou se senta na lixeira, escondido. Mas isso é proibido”.

As histórias se repetem. A funcionária de um McDonald’s na zona sul aponta para uma lixeira branca dentro do seu quiosque e diz que às vezes descansa ali em cima: “O problema é que uma vez pegaram na câmera e me deram bronca.”

Prática comum nas redes de fast food, o revezamento total de funções também dificulta o descanso.

“A gente lava banheiro, limpa chão, entrega bandeja, fica na chapa, na batata frita”, diz Karina, funcionária do McDonald’s. “É muito trabalho para pouco salário”.

O advogado trabalhista Fábio Melman entende a proibição de se sentar durante o expediente como um abuso de poder da empresa: “Sentar não atrapalha em nada a jornada de trabalho”, diz. “É uma norma que não faz sentido.”

Ele afirma que a rotação de funções também causa problemas de insalubridade que geralmente não são reconhecidos pelas empresas.

“O funcionário limpa o banheiro, remove o lixo, entra na câmara fria para fazer estoque, opera a fritadeira”, diz. “Aí fica exposto ao contato com produtos químicos, agentes biológicos e a variações muito bruscas de temperatura.”

Em nota, a Arcos Dorados, operadora do McDonald’s, afirmou que respeita a legislação vigente e que todos os seus funcionários “usufruem de seus momentos de descanso de forma organizada, de acordo com suas posições e escala de trabalho”.

O Grupo Habib’s, dono da rede Ragazzo, afirmou que atua dentro da legislação trabalhista e que está apurando internamente as denúncias da reportagem.

“Eu gosto, mas a gente trabalha muito e é pouco valorizado em todos os sentidos, começando pelo salário”, diz Vitória, 19, atendente em um McDonald’s próximo ao parque Ibirapuera, em seu primeiro emprego.

Pelo trabalho de 160 horas mensais, tem salário de R$ 800. No final do mês, após os descontos, sobram de R$ 650 a R$ 700.

No intervalo do trabalho, do lado de fora do restaurante, colegas de Vitória confirmam remuneração parecida, entre R$ 600 e R$ 700, algo repetido por funcionários de outras unidades da rede.

Procurada, a Arcos Dorados afirmou que respeita e cumpre a legislação trabalhista e convenções coletivas de trabalho, honrando com todas as cargas tributárias de sua folha de pagamento.

Jornadas longas
Camila, 18, está treinando para ser “líder” no Ragazzo. Ela diz que roda várias unidades da sua região cobrindo faltas de outros funcionários. A jornada de trabalho vai das 8h às 22h, o que dá 14 horas.

“Na carteira, são R$ 900, mas chego a tirar R$ 1.600 com as horas extras”, conta ela, que diz ter sido contratada como funcionária de meio período. “É um trabalho muito bom”.

Outras duas funcionárias da rede confirmaram já ter praticado jornadas longas. No dia da entrevista, uma delas disse que ficaria de plantão por 13 horas para cobrir a falta de um colega.

O artigo 59 da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) define que os empregados não podem realizar mais de duas horas extras de trabalho por dia, ao passo que a convenção coletiva da categoria veta jornadas diárias acima de dez horas.

“Elas teriam direito a uma indenização por danos morais pelo caráter exaustivo da jornada”, diz Melman. “Essa pessoa fica 14 horas no trabalho, mais uma ou duas horas no transporte coletivo para chegar em casa, e acaba perdendo todo o convívio social e familiar.”

Sindicato
A última convenção coletiva assinada entre o Sindifast, sindicato dos empregados de redes de fast food na cidade de São Paulo, e o sindicato patronal, Sindresbar, traz uma série de vantagens às empresas do ramo.

O contrato permite que as empresas paguem 75% do piso salarial da categoria, cortem pela metade a duração dos horários de descanso, o valor do adicional noturno e as horas extras, desde que forneçam auxílio-alimentação de R$ 130 aos seus funcionários.

A convenção traz ainda duas cláusulas irregulares. Uma estipula que os trabalhadores só poderão cancelar a contribuição sindical em até dez dias após o início da vigência da norma —o que contraria o artigo 611-B da CLT, que exige que o trabalhador autorize previamente a dedução do valor.

A segunda cláusula estabelece que não é fraudulenta a demissão e a recontratação de funcionários, por salário menor, em menos de 90 dias, ferindo o artigo 468, que veda a diminuição salarial.

“É uma cláusula abusiva”, diz Melmam. “Você está se utilizando da norma coletiva para praticar um ato inconstitucional, que é a redução do salário.”

Em 2008, a revista Época mostro que houve aumento do patrimônio do fundador do Sindifast, entidade que representa a categoria na capital paulista.

O sindicalista Ataíde Francisco de Morais teria imóveis de luxo e até uma pousada avaliada, na época, em R$ 1,5 milhão, em Fortaleza.

A reportagem também mostrou que Ataíde fundou sindicatos de representação da mesma categoria pelo Brasil, sempre colocando parentes nos cargos de presidência.

Desde a publicação da matéria, o presidente do sindicato é o filho dele, Ataíde Morais Júnior, apresentado no site da entidade como funcionário licenciado do McDonald’s.

O Sindifast foi procurado por e-mail e telefone pela reportagem, mas não respondeu aos pedidos de entrevista.