No momento em que estamos pagando preços recordes de combustíveis, a Petrobras registra lucros astronômicos
Em 1953, a Petrobras foi criada por Getúlio Vargas na esteira da campanha “O petróleo é nosso”, que tomou conta do País. A empresa foi construída com a riqueza do nosso subsolo e o dinheiro dos impostos pagos pelo povo brasileiro. Na inauguração, em mensagem à nação, Getúlio destacou a importância da estatal para a nossa soberania nacional: “Constituída com capital, técnica e trabalho exclusivamente brasileiros, a Petrobras (…) constitui novo marco da nossa independência econômica”.
No entanto, contrariando a sua visão patriótica, algumas décadas depois, durante o governo Fernando Henrique, começou o processo de fatiamento e entrega da Petrobras para grupos privados, que só pensam em seu próprio lucro – processo que continuou nos governos seguintes. Até que, em 2016, no governo de Michel Temer, foi perpetrado um dos maiores ataques ao projeto que deu origem à Petrobras e ao sonho de um Brasil grande: foi instituída a famigerada PPI, a política de paridade de preços internacionais, que atrela o preço dos combustíveis produzidos aqui no Brasil ao preço internacional do barril de petróleo.
Essa política criminosa, que tem um impacto gigantesco na vida do trabalhador brasileiro, foi mantida pelo ignóbil presidente Jair Bolsonaro, apesar de ele ter feito críticas a ela recentemente. Como biruta de aeroporto, o presidente também já tentou responsabilizar governadores e impostos pelos aumentos escorchantes nos preços de combustíveis. Sempre como se não fosse com ele, como se não pudesse fazer nada para acabar com a PPI. O fato é que Bolsonaro mente: a União detém 63,6%% das ações ordinárias da Petrobras com direito a voto, ou seja, o governo continua sendo o controlador da companhia e tem o poder de ditar os rumos da empresa – se tiver competência e vontade de fazê-lo.
Mas por que é preciso acabar com a PPI urgentemente? Por que ela é prejudicial aos interesses do povo brasileiro? Porque o petróleo é extraído dos poços e processado nas refinarias em real, mas os combustíveis chegam aos postos em dólar. Todos os custos de extração e processamento são pagos em real, mas os consumidores brasileiros precisam pagar a conta em dólar. As famílias ganham salário em real, mas precisam pagar o gás de cozinha em dólar. Os consumidores de gasolina são os motoristas, caminhoneiros e entregadores, mas não só. Somos todos nós, pois o preço dos combustíveis está embutido em tudo que consumimos, no preço dos alimentos e demais produtos, que são entregues majoritariamente por via rodoviária. A alta dos combustíveis provoca o aumento da inflação, que penaliza a todos, e principalmente os mais pobres.
A produção de petróleo no Brasil (em real) atende 80% do nosso consumo interno. No entanto, pagamos o preço em dólar, como se não tivéssemos nenhuma gota de petróleo no nosso subsolo, como se não tivéssemos refinarias e fôssemos obrigados a importar tudo.
Por que isso? Por que os acionistas da Petrobras, que detêm 76,7% das ações preferenciais sem direito a voto, lucram toda vez que aumenta o preço internacional do barril de petróleo e quando o real se desvaloriza frente ao dólar. Eles lucram com a desgraça alheia – no caso, a nossa desgraça. O Brasil é o único país exportador que não pode comemorar quando o preço do barril de petróleo aumenta, pelo contrário, todos nós sofremos os efeitos tenebrosos na PPI.
No momento em que estamos pagando preços recordes de combustíveis, a Petrobras registra lucros astronômicos, os maiores da história, que não são revertidos em investimentos na própria empresa, mas sim distribuídos em dividendos para os acionistas. Em 2021, o lucro foi de R$ 106,6 bilhões, um crescimento de 1.400% em relação ao ano anterior, e a companhia anunciou a distribuição de R$ 101,4 bilhões aos acionistas – R$ 38,1 bilhões para o próprio governo, que tem 36,7% das ações preferenciais.
De outubro de 2020 a outubro de 2021, a Petrobras teve mais lucro do que os quatro maiores bancos brasileiros juntos. Obviamente, ninguém defende que a companhia deva ter prejuízos e ser deficitária. Mas é possível alterar a política de preços de forma que a companhia mantenha lucros razoáveis, em linha com o praticado no mercado internacional, como defende Ciro Gomes. Segundo ele aponta, a taxa média de lucro da indústria mundial de petróleo em 2020 foi de 6,8%; já a Petrobras teve lucro de 38,7% no segundo trimestre de 2020. Ou seja, um lucro mais de seis vezes maior do que média mundial, que gera benefício apenas aos acionistas da Petrobras e não a todo o povo brasileiro, o seu verdadeiro dono.
O preço médio do botijão de gás de 13 quilos, usado para preparar refeições nos lares do país, é de R$ 112,54 – em alguns lugares, chega a custar R$ 160. Com isso, muitas famílias estão deixando de cozinhar a gás e voltando a usar lenha e outros métodos, expondo-se a riscos de acidentes. Isso quando há o que cozinhar. Com os R$ 63,3 bilhões distribuídos aos acionistas (excluído o percentual destinado ao governo), seria possível comprar mais de 560 milhões de botijões, o que daria para garantir um botijão por mês durante um ano para quase 47 milhões de famílias, para se ter uma ideia.
Enquanto isso, os diretores da Petrobras recebem um vencimento médio de R$ 1,5 milhão por ano, ou R$ 121 mil por mês, além do 13º salário. Só o presidente da Petrobras, general Joaquim Silva e Luna, ganha mais de R$ 230 mil. E a estatal ainda propôs separar R$ 13,1 milhões para pagamento de um bônus aos seus diretores, pelo “belo” resultado alcançado em 2021.
Mas que fique claro: quem paga esse lucro exorbitante e esses salários astronômicos é você.
artigo por Antonio Neto, presidente da CSB, publicado originalmente em Carta Capital