Exibição do filme “Marcas da Memória” reuniu autoridades políticas e dirigentes sindicais em São Paulo. Antonio Neto é um dos personagens do documentário
Apresentado como o registro de vozes e visões de brasileiros que viveram e sobreviveram à ditadura militar e um estímulo ao debate sobre “o valor permanente da democracia”, o documentário “Marcas da Memória”, com direção de Tarcísio Tadeu, reuniu autoridades do cenário político, jornalistas e dirigentes sindicais em sessão exclusiva, na noite da última quinta-feira (28), em São Paulo. A exibição do filme aconteceu na biblioteca latino-americana, do Memorial da América Latina.
Para representar a resistência da classe trabalhadora ao longo do período da ditadura (1964 – 1985), Antonio Neto, o presidente da Central dos Sindicatos Brasileiros e do Sindpd, foi uma das figuras do movimento sindical que participaram do filme. Em depoimento, Neto resgatou a trajetória de luta e repressão sofrida pelo seu pai, Guarino Fernandes dos Santos, após ter o mandato de deputado estadual cassado pelo Ato Institucional – I, do regime de exceção.
Presidente da União dos Ferroviários da Estrada de Ferro Sorocabana, um dos principais instrumentos de organização trabalhista do Brasil, Guarino foi preso e condenado a torturas nos porões da ditadura pelo “crime” de defender os direitos e a dignidade dos operários. Rotulado como comunista, a taxação e o terrorismo ideológico marcaram a vida do dirigente sindical e de seus familiares, punidos pelo futuro incerto e pelo parentesco com um progressista.
“Nós sofremos muito com a cassação, com a prisão, com a falta de emprego. Nós éramos em seis irmãos e todos éramos vistos como os filhos do comunista. Então, havia uma discriminação na cidade, na sociedade, na escola que era uma coisa absurda, judiava. Eu tinha 11 anos quando ocorreu a cassação dele em 1964”, relembra Neto.
Vinte e três anos depois do golpe, Guarino dos Santos lançou o livro “Nos Bastidores da Luta Sindical”, no qual explicou os estratagemas utilizados pelos militares para marginalizar as ações sindicais. De acordo com o dirigente, “para melhor conseguirem os seus intentos, [eles] visaram os trabalhadores que naquela época lutavam bravamente por melhores condições de trabalho e de vida”.
“Esses conspiradores usavam nossas greves, que eram estritamente econômicas, para justificar que o País estava a bancarrota […], que as greves eram de cunho político e subversivas […] e que os nossos objetivos eram de formar no Brasil um país comunista. Com esses argumentos, esses conspiradores ganharam grande parte da população”, relata o autor.
Segundo o secretário de comunicação do Sindpd, Joel Chnaiderman, presente na sessão, resgatar essas narrativas e a memória daqueles que enfrentaram o governo ditatorial é de suma importância para que, principalmente, os mais jovens possam compreender o atual contexto político-econômico e valorizar a liberdade de expressão, possível graças à democracia, pela qual 434 vítimas (mortos e desaparecidos) da ditadura lutaram conforme dados do relatório final da Comissão Nacional da Verdade (CNV).
Perseguições e torturas
Outro personagem sobrevivente dos anos de chumbo que narrou sua história no documentário é o presidente do Sindicato Nacional dos Aposentados do Brasil, Lúcio Bellentani. Detido pelos militares em julho de 1972, aos 28 anos, o então membro do Partido Comunista Brasileiro (PCB) foi preso e torturado com socos e chutes dentro das dependências da fábrica da Volkswagen de São Bernardo Campo (SP). A prisão aconteceu às 23h30.
Em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, o antigo ferramenteiro conta que ainda foi encaminhado para o Dops (Departamento de Ordem Política e Social, cuja função era censurar e reprimir atos contra o regime), onde levou choques elétricos e chegou a ser arrastado por um veículo com as mãos amarradas.
Hoje, com 71 anos de idade – quase dois deles nas prisões da ditadura – Bellentani questiona o atraso nas reformas de base e a falta de incentivo à indústria nacional ao relembrar a figura de Leonel Brizola, político exilado pelo regime militar em 1964.
“O que o João Goulart deu continuidade depois da década de 1960? O que o Brizola continuou fazendo historicamente até o final da vida? Lutando pela reforma de base, lutando por uma política industrial. ‘E o que aconteceu?’, hoje eu pergunto. Por mais incrível que possa parecer, nós estamos no ano de 2016 e ainda estamos levantando reivindicações das décadas de 1940 e 1950”, lamenta o dirigente sindical.
A vice-prefeita da cidade de São Paulo, Nádia Campeão, e o ex-ministro do Trabalho e Emprego Carlos Lupi também estiveram presentes no evento. De acordo com Lupi, a conjuntura política atual demanda a recordação dos que rememoram que “vale a pena continuar lutando”. “Nós estamos em um momento muito difícil em nosso País. É o capital que manda no sistema hoje, e nós todos somos reféns do capital. E para romper esse processo, só muitos sonhos, muitas ideias, muitos exemplos. Então, amigos, vamos trazer aos nossos corações a emoção da memória de brasileiros e brasileiras que honraram essa pátria”, discursou ao final da apresentação.
Por iniciativa do Movimento de Memória, Cultura e Sociedade, apoiado pelo Memorial da América Latina e pela Fábrica de Vídeos, os nomes dos perseguidos políticos Joaquim Alencar Seixas, Aderval Alves Coqueiro e Tito de Alencar Lima também foram relembrados “com a determinação de que o cálice nunca mais volte a se encher com o vinho tinto de sangue”.