Katia Maia: “Quem está pagando essa conta é a classe média e os mais pobres”
A classe média e os mais pobres no Brasil pagam, proporcionalmente, mais impostos que os super-ricos – aqueles que ganham mais que R$ 252 mil por mês, destaca relatório que será divulgado hoje pela ONG Oxfam Brasil. O estudo reforça o que já é consenso entre especialistas em pobreza a respeito do sistema tributário brasileiro: o país não reduzirá a desigualdade de renda enquanto os rendimentos do topo não forem mais tributados.
“O que esses dados mostram é que o 1% mais rico paga pouco imposto e é essa discussão que queremos fazer”, diz a diretora-executiva da Oxfam Brasil, Katia Maia. O relatório indica que pessoas que ganhavam R$ 252 mil mensais em 2015, ou 320 salários mínimos, pagaram efetivamente em imposto alíquota similar à de quem ganhava R$ 3,9 mil mensais, ou cinco mínimos. “Existe a ideia de que todos pagamos muito imposto no Brasil, e é verdade. Mas quem está pagando essa conta é a classe média e as pessoas mais pobres”, afirma.
Os super-ricos brasileiros, na visão da Oxfam Brasil, são beneficiados em termos tributários em todas as frentes: têm alíquota relativamente baixa no Imposto de Renda (IR), são pouco tributados no patrimônio e impostos indiretos.
O estudo destaca que pouco mais da metade (53%) da receita tributária do Brasil é formada por tributação do consumo, que incide sobre alimentação, medicamentos, vestuário, transporte, aluguel e, por isso, “onera de maneira injusta os mais pobres, que gastam a maior parte de sua renda nestes itens”. O IR, mais justo na visão da entidade, é responsável por apenas 25% da arrecadação total.
Como consequência dessa distorção, aponta a Oxfam, os 10% mais pobres gastam 32% de sua renda em tributos (28% dos quais são indiretos, ou seja, sobre produtos e serviços). Por outro lado, os 10% mais ricos gastam apenas 21% de sua renda em tributos, sendo 10% em tributos indiretos.
Dados da Receita referentes a 2015 e coletados pela ONG indicam que pessoas com rendimentos mensais superiores a R$ 63 mil (80 salários mínimos) têm isenção média de 66% de impostos – considerando isenção sobre patrimônio, lucros e dividendos. Em rendimentos mensais superiores a R$ 252 mil, a isenção pode chegar a 70%.
Por outro lado, a isenção para a classe média que ganha entre R$ 2.364 e R$ 15.760, é de 17%, resumindo-se a deduções como gastos em saúde e educação no IR, baixando para 9% para quem ganha entre R$ 788 a R$ 2.364, em valores estimados pelo mínimo de 2015.
“A isenção dos super-ricos é medida com base em rendimentos isentos em tributação, não como as da classe média, que deduzem gastos em educação e saúde, por exemplo”, explica Rafael Georges, um dos autores do estudo e coordenador de campanhas da Oxfam Brasil. “Ou seja, dois terços dos rendimentos deles não estão sujeitos à tributação. Provavelmente sejam lucros e dividendos”, afirma Georges. O estudo analisou dados da Receita combinados aos dados da Pnad.
Além da isenção de lucros e dividendos, tributam-se pouco as grandes rendas de salário. Hoje, as alíquotas por faixas do IRPF são divididas em quatro, a depender da faixa de renda do declarante: 7,5%, 15%, 22,5% e 27,5%. “A inexistência de alíquotas maiores para quem ganha muito mais do que o piso da maior alíquota – R$ 4.664,68 – contribui para a perda de progressividade do IR”, diz o relatório.
Considerando os dados de faixa de renda divulgados pela Receita, pagam 27,5% de alíquota tanto quem ganha cerca de seis salários mínimos mensais quanto quem ganha 320. “Esta situação é piorada pela defasagem de mais de 80% da tabela do IRPF, há mais de 20 anos sem reajuste.”.
O estudo também pontua que a arrecadação com impostos patrimoniais no Brasil representa apenas 4,5% do total, enquanto em países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico ou Econômico (OCDE) como Japão, Reino Unido e Canadá essa taxa é de mais de 10%; nos EUA, chega a 12,15%.
“O imposto sobre herança, por exemplo, representa cerca de 0,6% da arrecadação nacional, valor baseado em alíquotas baixas e, por vezes, sequer aplicadas”, cita o estudo. Em São Paulo, a alíquota do imposto sobre herança é de 4%. No Reino Unido, ela alcança 40%.
A ONG destaca que há diversos tipos de patrimônio não tributados no Brasil. “A posse de jatos, helicópteros, iates e lanchas não incorre no pagamento de nenhum tributo por seus proprietários, enquanto os veículos terrestres requerem pagamento do IPVA”, exemplifica. Apesar de estabelecido na Constituição, até hoje não foi criado o Imposto sobre Grandes Fortunas, lembra o relatório.
O estudo destaca, por outro lado, alguns aspectos em que o Brasil ficou menos desigual nas últimas décadas. “Saímos de uma situação em que mulheres ganhavam 40% do valor dos rendimentos dos homens para uma proporção de 62% em 20 anos, sobretudo por conta da crescente entrada da mulher no mercado de trabalho remunerado”, diz o levantamento.
A discrepância, no entanto, permanece: a renda média do homem brasileiro era de R$ 1.508 em 2015, enquanto a das mulheres era de R$ 938. Mantida a tendência dos últimos 20 anos, a Oxfam Brasil calcula que mulheres terão equiparação salarial só em 2047.
Mais grave ainda é a situação da população negra. Entre as pessoas que recebem até 1,5 salário mínimo, estão 67% dos negros brasileiros, em contraste com menos de 45% dos brancos. Cerca de 80% das pessoas negras ganham até dois mínimos. Considerando todas as rendas, brancos ganhavam, em média, o dobro do que ganhavam negros, em 2015: R$ 1.589, contra R$ 898. No ritmo atual, projeta a Oxfam, a equiparação da renda média com a dos brancos ocorrerá somente em 2089.
Fonte: Valor Econômico