Segundo estudo do Ipea, violência cresce a cada ano; só em 2016, foram mais 62 mil homicídios no Brasil
Na última semana, o portal de notícias G1, em parceria com o Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, lançou em sua plataforma o Monitor da Violência. Neste estudo, que tem o objetivo de discutir a violência no Brasil, foram registrados 11 mil assassinatos no 1º trimestre de 2018, sem contar cinco estados [Bahia, Maranhão, Mato Grosso do Sul, Paraná e Tocantins], que não divulgam todos os números.
O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) também publicaram, recentemente, o Atlas da Violência 2018, que aponta que no ano de 2016 o número de homicídios passou dos 62 mil. Número 30 vezes maior que a Europa.
Em 2017, uma produção do jornal O Globo intitulada A Guerra do Brasil mostrou que a violência no País mata mais do que a guerra na Síria e do Iraque. Segundo o documentário, entre 2001 e 2015, o número de homicídios foi de 786 mil.
Vários outros estudos apontam que o Brasil está longe de resolver esse problema. É o que mostra o ranking da ONG mexicana “Segurança, Justiça e Paz”, que faz levantamento anual com base em taxas de homicídios por 100 mil habitantes. Neste ranking, das 50 cidades mais violentas do mundo, 17 são brasileiras.
Em pesquisa realizada pelo Ibope Inteligência, cerca de 44% dos brasileiros apontam que o foco do próximo presidente deve ser a promoção da mudança social, no qual se inclui a segurança pública.
Além das vidas que se vão, o Brasil perde dinheiro com a violência. De acordo com o relatório “Custos Econômicos da Criminalidade no Brasil”, produzido pela Secretária de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, pelo menos R$ 450 bilhões foram perdidos em capacidade produtiva no período de 1996 a 2015. O estudo também mostra que a violência consome cerca de 4% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro.
Com este cenário, sindicalistas ligados à área de segurança falaram ao portal da CSB sobre as possíveis causas e soluções para combater esse cenário de horror.
Um dos motivos apontados pelos especialistas foi a falta de investimentos na pasta e a burocracia na resolução dos crimes.
Vice-presidente da Central dos Sindicatos Brasileiros e presidente do Sindicato dos Agentes de Atividades Penitenciárias do Distrito Federal (SINDPEN-DF), Leandro Allan acredita que o País chegou a esse ponto por conta do descontrole do Estado.
“Primeiro é a falta de investimento em segurança pública, e segundo que há uma flexibilidade das leis do Brasil, que beneficiam a criminalidade. Precisamos de um endurecimento das leis, e o servidor precisa de um maior empoderamento”, falou.
Para o presidente do Sindicato dos Policiais Federais no Estado da Bahia (Sindipol-BA), José Mário Silva Lima, existem causas de médio e longo prazo.
“Nós temos um modelo de execução penal no Brasil que dá 92% de chance de um assassino não ser nem mesmo identificado após o crime. Isso é um convite aberto para a criminalidade. A estrutura das organizações policiais é muito lerda. Se a Polícia Militar identificar um ato de violência, ela vai atuar e levar para uma outra polícia, que como um telefone sem fio vai passar para um delegado, que depois passa o telefone sem fio para o Ministério Público, que depois vai começar o processo de execução criminal”, falou Lima, que vê a burocracia como um elemento de violência.
Com mais de 33 anos de Polícia Federal, Eugênio Alencar Brayner, presidente do Sindicato dos Policias Federais do Ceará, garante que grande parte da culpa é da falta de investimento em educação.
“Um país que quer crescer sem violência, certamente terá que ter a educação como base, educação que foi negligenciada pelo Brasil. Nossa educação é só estatística, ela não tem qualidade. Agora chegamos em um ponto epidêmico e precisamos de um tratamento de choque”, disse Brayner.
O Brasil possui 23.102 km de fronteiras, muitas delas usadas como rotas do tráfico de drogas e armas. Os dirigentes também acreditam que este é um ponto a ser combatido.
“A entrada de drogas e armas no Brasil se dá, principalmente, pelas fronteiras que são extensas. Existe carência de pessoal nessas áreas e isso facilita a entrada”, completou Eugênio Brayner.
“Cadê o exército nas fronteiras, estão fazendo o quê? Não temos nenhuma política efetiva para impedir a entrada de armas. Alguém faz arma na Rocinha? O fortalecimento das fronteiras com fiscalização urgente e cirúrgica podemos fazer em curto prazo”, completou José Mário, do Sindipol-BA.
A falta de projetos a longo e médio prazo também é apontada como um dos principais fatores para a escalada da violência.
“O poder público não criou projetos a médio e longo prazo para segurança-pública. O que se cria são ações imediatas e governamentais, que na verdade são politiqueiras. Ações que visam alavancar ou manter um nome para que seja eleito ou que domine a política local. Nada que se pensa de forma científica ou técnica para se aplicar”, falou Paulo Sergio Alves de Araújo, presidente do Sindicato dos Policiais Civis do Estado de Goiás (SINPOL-GO), que também acredita que a melhoria na área passa pela valorização dos profissionais.
“Se não valorizar aquele que trabalha com segurança pública, nós não conseguiremos resolver nada. Nós precisamos que o Estado assuma a responsabilidade de investir em segurança, aparelhar melhor a polícia civil, dar condições para a inteligência atuar, mapeando o crime organizado. Aqui em Goiás, o estado teve a ideia de abaixar o salário dos policiais em dois terços para aumentar o efetivo. Essa é a maneira correta? ”, questionou Araújo.
Para o Brasil chegar à média recomendada pela Organização das Nações Unidas (ONU) de um policial para cada 450 habitantes, seriam necessários 20 mil policiais militares, de acordo com os estudos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), de 2017.
Apesar dos índices apontarem sempre um crescimento, ano após anos, o remédio usado para o combate é sempre o mesmo, e isso, para José Mário Lima, é um ponto que deveria ser pensado.
“Se você tem um fenômeno crescendo e você usa o mesmo remédio para tentar evitar que esta doença cresça, significa que você quer um resultado diferente usando a mesma coisa. Se não está dando resultado da forma como está montada, é sinal de que os recursos colocados desta forma não vão funcionar”, completou.
Uma pesquisa do Datafolha de 2017 mostrou que 49% da população têm medo de ser alvo da violência por parte da Polícia Militar. Para Araújo, essa aproximação é essencial.
“Precisamos envolver a população nos projetos, aproximar a polícia da comunidade para que ela passe a confiar na polícia. Hoje há uma crise de confiança, estamos cada vez mais distantes da população”, disse o presidente do Sinpol-GO
Chile
Usado como exemplo pelos dirigentes, o vizinho brasileiro Chile consegue detectar cerca de 95% dos autores de homicídios e gasta com segurança pública 1/3 do que o Brasil gasta. Outro ponto positivo da política chilena é o ingresso único, que permite que o policial chegue na chefia somente por meio do merecimento e da experiência.
Dois países dentro do Brasil
O Atlas da Violência 2018 também revelou que no Brasil negros e brancos vivem realidades distintas quando o assunto é violência. De acordo com o estudo, o número de assassinatos de negros cresceu 23%, enquanto de brancos caiu 6% entre 2000 e 2016.
Segundo a secretária da Igualdade Racial da CSB, Patrícia Batista, as mudanças nos números acontecerão somente quando houver mudança no comportamento das pessoas.
“Infelizmente no Brasil a desigualdade racial é crescente, e para minimizar somente com mudança no comportamento da população. O Brasil por ser um país muito grande, o ideal seria ter uma central onde tenha todos os tipos de informações criminais e civis, para que o órgão responsável tome medidas necessárias”, analisou.