Opinião | Daniel Nonohay – Justiça do Trabalho Comunista

De tempos em tempos, algumas palavras entram na moda. Brasileiro adora inventar termos e subverter significados. Foi assim com o “peixe” do Romário, há muito tempo. Ou com o “caixa 2” e os “laranjas”. A palavra nova do momento, contudo, é velha: “comunismo”.

Todo mundo é comunista. A ONU é comunista. O Papa é comunista. O PSDB também. A revista Veja. Assim como o Felipe Neto e a Rachel Sheherazade. Além do Flávio Dino… Bem, esse é comunista mesmo. Mas vocês pegaram a ideia. Há um mar vermelho imaginário batendo com suas ondas na nossa porta, esperando a mínima brecha para nos levar em sua correnteza marxista.

Nesse surto psicótico do avanço bolchevique, uma das acusações que mais me diverte é quando tacham a Justiça do Trabalho de “comunista”.

Em tempos democráticos normais eu obviamente não me importaria com isso. É daqueles casos em que a acusação diz tudo sobre o acusador e nada sobre o acusado. O problema é que vivemos um momento de transição, de irracionalidade e de polarização. Um momento no qual as piores ideias da humanidade resolveram sair do armário e se mudar para o Brasil.

Assim, muito embora seja ridícula a frase fala em tom acusatório, quem a profere não pensa assim. Ele não só pensa assim, como não pensa assim sozinho. Há milhares com ele. E esse número só faz aumentar. Vão reproduzindo o que ouvem de uns para os outros, como uma brincadeira grotesca e gigante de telefone sem fio.

Por mais inútil que pareça tentar trazer alguma luz racional ao momento, eu me sinto obrigado. Afinal, jurei defender a Constituição Federal. E minhas juras não são em vão.

Primeiro, vamos à revelação impactante.

A Justiça do Trabalho é capitalista!

Ela não é simplesmente “capitalista”. Ela é muito capitalista. Ela “chora” (para continuarmos nos termos novos) de tão capitalista.

Não há o menor sentido em ligar a Justiça do Trabalho a um modelo político no qual não há propriedade privada e onde os meios de produção estão nas mãos dos próprios trabalhadores. É como tentar nadar em uma duna de areia – impossível.

O Direito do Trabalho e a Justiça do Trabalho são respostas do capitalismo àquela massa de trabalhadores, incluindo crianças, que prestava serviço por 16 horas diárias e não recebia o suficiente para se alimentar.

Em algum momento, aquele bando de “comunistas” começou a fazer greves, quebrar algumas fábricas, ficar doente e morrer muito seguido, atrapalhando a produção. Assim, alguns limites tiveram que ser colocados, para a máquina continuar a girar.

É isto que o Direito do Trabalho e a Justiça do Trabalho fazem: colocam limites mínimos na exploração do homem pelo homem, para que a economia continue funcionando. Mais importante, para que o Mercado, esse ente mágico ao qual oferecemos oferendas econômicas diárias, permaneça feliz.

A Justiça do Trabalho é o algodão estatal entre os que compram e vendem a sua mão de obra. Uma das peças fundamentais que permite a continuidade de uma sociedade onde uma pessoa tem a renda anual equivalente a de 100 milhões de outras. (Sim, esses números são um fato, não um “chute”.) (Sim, sim, tenho certeza de que o número é esse mesmo).

A Justiça do Trabalho é um ambiente frio, limpo e com seguranças contratados, onde trabalhadores vão reclamar por escrito que não recebem meses de salário, que não conseguem pagar o colégio dos filhos ou a conta no mercado. Um local onde todos devem se comportar e onde são advertidos a respeitar o Juízo, que aplicará a lei. Um local incolor, insípido e inodoro, para normalizar a exploração da mão de obra.

Imagine você se a Justiça do Trabalho não existisse? O que esse trabalhador faria como o patrão que lhe deve?

Suprimir a Justiça do Trabalho de algum país capitalista (e ela existe em todos, com esse ou com outro nome) é como como colocar uma panela de pressão no fogo e vedar suas válvulas. Uma hora, a pressão social fará a economia explodir.

Então, se você é daqueles que chama a Justiça do Trabalho de comunista e quiser, mesmo, acusá-la de algo, acuse-a de ser sua aliada.

Essa sim é uma ofensa grave.

Fonte:  www.danielnonohay.com.br

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