A insegurança jurídica da reforma trabalhista

Nesta confusão jurídica, vai-se constatando, aos poucos, os equívocos da reforma trabalhista, que, ao final, não gerou empregos

A reforma trabalhista de 2017 foi aprovada sob discursos e promessas de geração de empregos, modernização da legislação do trabalho, retomada da economia e mais negociação entre empregados e empregadores.

Os que assim pensavam não contavam (ou contavam?) com a insegurança jurídica daí decorrente. A segurança jurídica nas relações contratuais é muito importante para as empresas e para os trabalhadores.

Em meio a tumultos legislativos, o mercado fica apreensivo, inseguro de assumir os compromissos e planejar. As relações de trabalho, que envolvem custos consideráveis na produção e, mais ainda, no setor de serviços, passam por adequações jurídicas frequentes, prejudiciais a empregados e empregadores.

De forma açodada e sem maiores discussões, o Congresso Nacional aprovou, em julho de 2017, uma profunda alteração na legislação do trabalho, no Brasil (Lei nº 13.467, de 13.07.2017, mas que só vigorou a partir de 11.11.2017).

A maior mudança que a CLT já sofreu. Como tudo que é feito às pressas, a nova lei trouxe falhas, incongruências e perplexidades. Além disso, os compromissos assumidos pelo Presidente da República para que houvesse imediata conclusão do processo legislativo reformista, tornaram necessária a edição de uma Medida Provisória, ante a “urgência” da matéria.

Foi assim que o Presidente editou a MP 808, de 14.11.2017, tratando sobre jornada 12h por 36h, trabalho da gestante em ambientes insalubres, limites pecuniários da indenização por danos morais; além de esclarecimentos sobre trabalho autônomo e intermitente, contribuição previdenciária, comissão de fábrica e gorjetas. Os empregadores, para evitarem multas da fiscalização do trabalho, precisaram alterar os contratos em vigor e, nas novas contratações, observarem a referida MP.

Mas a MP 808/2017 perdeu a vigência no 23.04.2018, resultando disso o restabelecimento da previsão legal que lhe antecedia. Então, o Brasil volta a ter a lei básica anterior, que é a CLT, modificada pela Lei nº 13.467/2017. Cumpre esclarecer que, desde julho/2017, as empresas se preparavam para a vigência dessa lei, junto aos RHs e aos setores jurídicos, bem ainda preparando as alterações contratuais e processos de rescisão-readmissão.

Nas circunstâncias atuais, os contratos de trabalho precisam se adequar à legislação em vigor. Perceba-se a situação jurídica: tínhamos um texto legal histórico, que era a CLT, até 11.11.2017, quando entrou em vigor a Lei nº 13.467/2017.

Os contratos de trabalho então foram alterados; novos trabalhadores foram contratados e ocorreram rescisões contratuais, até como expedientes utilizados para a recontratação, mesmo que estas não fossem as medidas corretas.

Então, em 14.11.2017, foi editada a MP 808/2017, que novamente alterou a CLT, já modificada pela Reforma Trabalhista. Logo, os contratos de trabalho passaram a ser regidos e juridicamente readequados à MP. Com a perda de vigência da MP citada, os contratos de trabalho voltarão a ser disciplinados outra vez (re-readequação) pela Lei nº 13.467/2017.

Isso é insegurança jurídica, que pode se agravar, a partir do julgamento das ações de inconstitucionalidade que tramitam no STF (são mais de vinte) e das ações correntes na Justiça do Trabalho. E, de fato, a dita reforma apresenta alguns pontos inconstitucionais, que poderão ser retirados do texto legal por conflitarem com a Constituição. E isso afetará os contratos de trabalho, novamente.

Mas nem tudo que é jurídico significa repercussão prática. Assim, tendo a Lei nº 13.467/2017 entrado em vigor em 11.11.2017 (sábado) e a MP 808 em 14.11.2017 (data da publicação no Diário Oficial da União, terça-feira), resulta disso um dia útil (segunda-feira), que, certamente, não foi tempo suficiente para grandes alterações contratuais, sobretudo em escala nacional. Portanto a repercussão prática da sequência normativa não foi extraordinária.

Verdade seja dita, a MP 808/2017 não tinha grande profundidade, porque ela se limitara a esclarecer e complementar a Lei nº 13.467/2017. De mudança mesmo, havia pouca coisa, valendo citar o trabalho da mulher gestante em ambiente insalubre e a jornada 12h por 36h. Então, por que tanto alarde sobre a MP?

O interesse estava, mesmo, era nas “emendas” feitas a seu texto. De fato, quando o Presidente da República a editara e a encaminhara ao Congresso Nacional, ela recebeu mais de mil propostas de emendas, que iam desde a intenção de revogar a Reforma até rever o sistema de financiamento ou custeio sindical (ponto em que a MP recebeu maior número de emendas).

Obviamente, o Congresso não iria reabrir discussão sobre uma reforma trabalhista recentemente aprovada nem sobre assuntos que não lhe interessava rever. A apreciação, num ano eleitoral, acarretaria muito mais desgaste político, aprovasse ou não as emendas, do que simplesmente deixando a MP expirar. Foi esta última alternativa que o Congresso escolheu. Ficou o dito pelo não dito. Agora, a bola está com os Tribunais, a começar pelo STF.

Ainda na iminência de a MP 808 perder a vigência, o ministro do trabalho anunciara que o governo iria tratar de pontos da reforma trabalhista por meio de decretos. Ora, matéria trabalhista se submete ao princípio da reserva legal estrita, ou seja, somente o Congresso Nacional, por meio de lei, é que pode tratar do tema “trabalho”, e não o presidente da República por meio de decretos.

Os decretos são normas de hierarquia inferior à lei e só podem complementá-la; não podem divergir dela nem suprir as lacunas que sejam reservas de legalidade estrita. Não se compreende como “decretos” possam alterar a reforma trabalhista empreendida pela Lei nº 13.467/2017. No máximo, o governo poderá esclarecer alguns pontos da reforma por meio de Decretos, como detalhes do trabalho intermitente, mas sem destoar uma linha que seja do texto legal, sob pena de invalidade da norma presidencial.

Nesta confusão jurídica, vai-se constatando, aos poucos, os equívocos da reforma trabalhista, que, ao final, não gerou empregos, não estimulou as negociações coletivas, não contribuiu para a retomada da economia e, ainda por cima, acarretou precarização nas relações de trabalho.

Fonte: Carta Capital

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