Para o professor e economista, soberania nacional deveria ter papel estratégico para o desenvolvimento do País
A segunda palestra do Seminário Nacional de Formação Política da CSB teve por interlocutor o economista e consultor editorial da Carta Capital Luiz Gonzaga Belluzzo. A partir do painel “Situação econômica e alternativas para a retomada do desenvolvimento”, o professor apresentou os principais desafios que a ditadura do mercado financeiro impõe ao crescimento do Brasil.
Segundo o especialista, o controle da taxa de câmbio é um parâmetro muito relativo para dizer que o País está no caminho certo. “Durante vinte anos, desde a estabilização com o plano real, nós, sistematicamente, valorizamos o câmbio e fragilizamos a indústria brasileira. A participação da indústria caiu para 13%. Sofremos um processo de desindustrialização e isto é a grande herança da incapacidade que o Brasil teve para se reajustar as novas regras da economia internacional”, comentou.
Tendo por exemplo o modelo econômico chinês, Belluzzo destaca o relevo do investimento de capital estrangeiro, mas com controle de fluxo especulativo. “Na China você tem o máximo de liberdade política com o mínimo de capacidade do setor privado de se meter nas decisões do Partido Comunista. Eles usaram as empresas estatais para articular com as empresas privadas. Elas estão formando conglomerados a partir dos quais eles se movem para fora da China, para fazer investimento para, na verdade, transnacionalizar a economia chinesa”, apontou.
Para o especialista, o Brasil precisa resgatar a estratégia baseada no fortalecimento da indústria nacional, por meio das empresas estatais, de modo a retomar seu potencial de desenvolvimento. Segundo aponta, as companhias públicas são fundamentais para garantir a competitividade do País. “Os grandes articuladores da industrialização eram as empresas estatais – Eletrobrás, Petrobras, Siderbras. O papel estratégico das empresas estatais foi fundamental e nós destruímos isto com a privatização. O que acontece com o Brasil é a incapacidade de perceber o que você precisa ter como articulação da economia para poder manter o desenvolvimento”, comentou.
Ele afirma que essa desarticulação estrutural da economia brasileira foi produzida pelos poderes que sucederam o regime militar. “O que veio na cabeça deles era que era preciso abrir a economia, então você abre a economia e valoriza o câmbio, mas o que aconteceu é que isto ferrou com a indústria nacional. Quando eu ouço um economista de mercado falar em produtividade eu digo: ‘ah, não diga! ’. Como é que você vai melhorar a produtividade se a sua estrutura industrial regride e se o investimento industrial caí?”.
Durante a exposição, Belluzzo condenou as análises simplistas, sobretudo aquelas que dizem respeito ao liberalismo. Para o especialista, o modelo só existiu enquanto teoria, mas não como prática. “Nem na Inglaterra dos séculos 18 e 19, porque ela nasce do monopólio, ela nasce do mercantilismo. Como diz um grande estudioso do mercantilismo, não era o Estado que fazia isto, eram as empresas monopolistas que faziam o papel do Estado. Os economistas não sabem a história, e se não sabem história não sabem nada, sabem generalidades, modelos. O que eu quero dizer é o seguinte, este jogo entre livre comércio e protecionismo é um jogo permanente na história do capitalismo”, sentenciou. De acordo com suas análises, “os que estavam mais fracos diante do poder das finanças tinham que se defender criando proteção e estimulando suas indústrias nacionais”.
Evocando as contribuições de John Maynard Keynes, economista inglês de relevo para a história, Belluzzo afirma que a orientação financeira deve estar voltada para o bem-estar do povo. “O Keynes dizia assim: como é possível criar um sistema econômico que cria esse maravilhoso potencial produtivo – ele está falando do quê? do capitalismo -, mas não entregar o que promete para aqueles que ajudam a criar valor”, ponderou.
Diante do atual pacote de ajuste econômico empreendido pela equipe do governo, em que o País sobrevive a inflação fora do controle e ventila-se um alegado desajuste das contas públicas, o especialista assinalou como inspiradora a votação do referendo grego, que, no último domingo, 05, rejeitou o proposta de austeridade do mercado europeu. “Eu acompanhei o ato de coragem do povo grego. Um jovem de vinte e cinco anos, quando perguntado, respondeu que votou não porque votou com a alma e não com o bolso. Isto é uma manifestação incrível nos dias de hoje”, elogiou.
Para ele, há uma tendência alarmista que dificulta a verdadeira compreensão da crise nacional. Segundo o economista, o verdadeiro reajuste deveria considerar a parcelas mais vulneráveis, posto que a atual medida apenas vá gerar mais desemprego e, por consequência, a queda da renda da população. “Por isso que eu volto no negócio grego. É um divisor de águas. Agora é o seguinte: ou escuta a voz da democracia, agora se manifestando de uma maneira clara, ou se submete à ditadura dos mercados financeiros. É isto que está em jogo na Grécia e na Europa, o resto é conversa mole. Tem que ampliar os espaços de manifestação popular. Aí me ocorreu: Por que não fazemos um plebiscito sobre o reajuste econômico? Por que não fazemos um referendo sobre o programa de ajuste fiscal e as consequências que ele tem para a população? Por que quem é que está pagando e quem está ganhando?”, questionou.
Sob as perspectivas do estudioso, possíveis correções no orçamento da União deveriam considerar a oneração das parcelas mais abastadas, posto que, atualmente, quem arca com grande parte da carga tributária é o povo. “55% da carga tributária é gerada por quem tem até três salários mínimos. Quem é que paga imposto de renda, de contribuição, de herança? É uma minoria, e são os mesmos que são rentistas. Esse seria o verdadeiro ajuste fiscal, fazer com que pagassem os que ganham mais e preservar os que ganham menos. O sistema fiscal brasileiro é injusto e regressivo. Na verdade, eles desaparelharam o Estado da capacidade de transferir renda para quem tem que receber. Você tem um profundo desequilíbrio fiscal no Brasil sim, porque os que pagam não são os mesmos que recebem os benefícios carga fiscal”, condenou.
Neoliberalismo
Em análise sobre os efeitos nocivos da política neoliberal, Luiz Gonzaga Belluzzo apontou “o neoliberalismo é uma forma de você usar o Estado. Um filósofo francês, Michel Foucault, escreveu o livro sobre a “Microfísica do poder”, mostrando como o neoliberalismo não é uma forma de você tirar o Estado da economia, mas de ser mudar as prioridades do Estado”. Para ele, o modelo econômico não é uma via de tirar a participação do Estado, mas, sim, um modo de romper com sua responsabilidade com as políticas de bem-estar, da proteção do cidadão, para que absorvam a lógica de concorrência dos bancos e agentes financeiros.
“É uma mentira essa história de mais Estado e menos Estado. Existe capitalismo sem Estado? Aliás, capitalismo e Estado nasceram juntos e um em função do outro. Não é possível que a gente escute isto e fique repetindo. O que aconteceu aqui no Brasil é que os mercados financeiros impuseram suas razões à política econômica e nós estamos fazendo este maldito ajuste fiscal, que não precisava. Não estou dizendo que não tivesse desequilíbrio, mas olha que estão produzindo!”, finalizou.
Democracia
Belluzzo afirma que é necessário haver espaços de interlocução. “A vida democrática depende da existência de instâncias de interlocução, de mediação. Não é só pelas estruturas formais das instituições. É preciso que você tenha espaços de diálogos, de falar e ouvir a opinião contrária. O que está havendo no Brasil hoje é que você está fechando esse espaço de interlocução. Porque você estabeleceu uma cesura entre os que são legítimos em suas opiniões e os que não são ilegítimos”, sinalizou. Ele ainda alertou “A direita está provocando a luta de classes na sua forma mais extrema, porque se não há diálogo, se não possibilidade de entendimento e de resposta, a única coisa que resta é a violência”, disse.
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Assista à integra da palestra de Luiz Gonzaga Belluzzo no vídeo abaixo: