Documentos encontrados em depósito do MTE comprovam perseguição aos trabalhadores e sindicalistas na ditadura

Comissão Nacional da Verdade e representantes das centrais sindicais analisarão os arquivos que evidenciam os crimes cometidos no regime militar

O Grupo de Trabalho Ditadura e Repressão aos Trabalhadores e ao Movimento Sindical da Comissão Nacional da Verdade (CNV) anunciou ontem, 3 de setembro, em São Paulo, o acesso e reconhecimento de arquivos do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) do período da ditadura militar (1964-1985), que serão utilizados no processo de investigação e esclarecimento das repressões e crimes cometidos contra trabalhadores e movimentos sindicais da época.

O primeiro reconhecimento destes arquivos ocorreu nos últimos dias 29 e 30 de agosto. Equipes do Arquivo Nacional localizaram estes materiais deteriorados em depósitos e comprovaram sua existência em relatórios. A partir de então, a coordenadora do grupo, Rosa Cardoso, e o ministro do Trabalho, Manoel Dias, iniciaram diálogo, e as portas do ministério foram abertas à CNV.

Dos cinco acervos encontrados, três ficam na sede do Ministério, em Brasília: o arquivo geral, o arquivo do gabinete do ministro e o arquivo dos processos de anistia do MTE. Os outros dois arquivos ficam em um depósito nos arredores do Distrito Federal e no centro de referência Leonel Brizola.

No conteúdo dos arquivos estão documentos da Divisão de Segurança e Informações (DSI), que tratam de violações aos direitos trabalhistas ‑ como cassações de dirigentes sindicais ‑, intervenções nos sindicatos por motivos políticos e repressão a greves legítimas. Até o momento foram identificados documentos que citam as categorias dos ferroviários, portuários, petroleiros, metalúrgicos e bancários.

De acordo com Rosa Cardoso, essa descoberta trará novos rumos para investigação. “A partir dessa descoberta, vamos poder reconstruir um painel muito rico de informações sobre a repressão que seu deu ao movimento sindical”, afirmou.

Rede de repressão aos trabalhadores

Comissão Nacional da Verdade Segundo o coletivo do grupo, que é formado por representantes das centrais sindicais e pesquisadores, por meio desses documentos será possível identificar uma suposta rede de repressão aos trabalhadores composta pela DSI, o Ministério do Trabalho, as Assessorias de Segurança e Informação (ASIs), e as Delegacias Regionais do Trabalho (DRTs).

Dentro de cada um desses órgãos havia interventores e agentes que se infiltravam nos sindicatos e empresas para contribuir com informações sobre seus empregados aos agentes do governo.

Foram encontradas correspondências que demonstravam uma forte relação entre o governo e as empresas privadas. As informações eram recolhidas nas fábricas pelos diretores, e eram fornecidos aos agentes dados como o cargo, o departamento e endereço pessoal de trabalhadores.

Ismael Antônio de Souza, representante da CSB no Grupo de Trabalho, afirma que presenciou casos de cooperação das empresas com o aparelho repressor. “No mínimo o trabalhador era demitido. Em muitos casos eram presos com a ajuda da direção das empresas. Aqui em São Paulo, eu presenciei empresa fornecendo transporte para a polícia prender pessoas de oposição à ditadura”, conta.

Dentre as empresas que devem constar nos arquivos como colaboradoras da ditadura, estão nomes como Cobrasma, Scania, Toshiba, Chrysler, Volkswagen, Mercedez, Ford, Tecnoforjas e Monark.

O Ministério do Trabalho também forneceu à CNV acesso aos processos e à base de dados da Comissão de Anistia para dirigentes sindicais perseguidos. O MTE recebia os pedidos de indenizações dos trabalhadores, com materiais que comprovavam a violação de direitos que eles sofreram. Todavia, esses documentos eram apenas arquivados.

De acordo com Rosa Cardoso, os documentos serão analisados com cautela. “As informações que nós encontramos estão mascaradas por um víeis ideológico. Há cassações de sindicalistas, por exemplo, que ficaram registradas como casos de corrupção. Mas a motivação, na verdade, era fortemente política”, explicou a coordenadora.

Para ampliar o processo de investigação, os representantes das centrais foram designados a convocar seus sindicatos filiados para fornecer informações sobre intervenções e perseguições aos dirigentes sindicais.

“Essas informações por fora, que sindicatos e centrais puderem fornecer, nos ajudarão a fazer uma leitura mais precisa dos fatos”, pontuou Rosa Cardoso.

Contribuição da CSB

O representante da CSB afirma que a Central já está fazendo um levantamento para localizar esses trabalhadores perseguidos. De acordo com Ismael Antônio de Souza, a entidade possui sindicatos e dirigentes que vivenciaram os anos de regime militar no Brasil.

“Muitos perseguidos já morreram. Mas já localizamos alguns deles, ex-presos e seus familiares no interior de São Paulo, precisamente na região de São Carlos. A CSB deseja colaborar no que for preciso, pois sabemos a importância desse Grupo de Trabalho na reparação do mal a muitas pessoas envolvidas”, afirmou Souza.

Agenda

Na ocasião também foi anunciada uma agenda de eventos nacionais para relembrar momentos importantes na luta dos trabalhadores na época do regime militar.

A agenda prevê um ato em outubro para relembrar a perseguição, logo após o golpe de 1964, ao Comando Geral de Trabalhadores (CGT), embrião das centrais sindicais; uma audiência pública no dia 7 de outubro para relembrar os 50 anos do massacre de Ipatinga, em Minas Gerais; uma audiência em Santos, em novembro, sobre a repressão a trabalhadores na Baixada Santista, em parceria com a Comissão da Verdade de Santos; e um ato sobre a Greve de 1968, em Osasco. Uma reunião de sindicalistas cassados e perseguidos da Capital e da Região Metropolitana de São Paulo deve ocorrer no final de novembro.

 Foto de capa: Marcelo Oliveira / ASCOM-CNV

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