Opinião | Como a greve na GM, nos Estados Unidos, pode ajudar os trabalhadores brasileiros

Os quase 50 mil trabalhadores da General Motors – GM nos Estados Unidos iniciaram uma grande greve no último dia 16 de setembro. A greve adentra assim na sua terceira semana, acumulando um prejuízo de 1 bilhão de dólares à companhia e também trazendo dificuldades aos operários, que deixaram de receber seus contracheques e estão vivendo às custas da quantia distribuída por seu sindicato, o United Auto Workers – UAW, em torno de 250 dólares semanais, bem menos do que o seu salário normal.

É a greve mais longa da empresa desde 1970 e nenhuma das partes parece querer ceder, apesar dos danos que estão sendo causados reciprocamente.

Mas o que está realmente em jogo nessa greve? Por que ela é tão importante, tanto para as empresas quanto para o movimento dos trabalhadores norte-americano (e mundial)?

Quanto à primeira pergunta, a greve tem como pano de fundo a crise financeira sofrida pela empresa em 2018, que levou o governo federal a socorrer a companhia. Ao mesmo tempo, o sindicato de trabalhadores uniu-se aos esforços governamentais e fez concessões em salários em benefícios a fim de reerguer a empresa. Toda essa ajuda deu certo para a GM, que nos últimos três anos teve lucros de mais de 35 bilhões de dólares. Porém, o que ganharam os trabalhadores? Nada. E para piorar a situação, mesmo tendo recebido gigantes subsídios governamentais, a empresa anunciou recentemente que cortaria empregos americanos e levaria a produção de uma linha de automóveis para o México. A decisão deixou o presidente Trump em cólera, mas mais ainda os trabalhadores que cederam na crise e nada ganharam na bonança.

Entretanto, já tentando responder à segunda pergunta, há algo mais importante por detrás, que simboliza o momento pelo qual passam os trabalhadores americanos. A principal demanda dos trabalhadores da GM é o fim da fraude na contratação de trabalhadores temporários pela empresa.

A empresa se utiliza do artifício de contratar trabalhadores como temporários para realizar as mesmas tarefas de empregados permanentes. Além disso, esses trabalhadores ficam anos nessa empresa realizando as mesmas funções, sem qualquer esperança de serem efetivados. A razão disso: o instrumento de negociação coletiva até então vigente entre sindicato e empresa previa a possibilidade de contratação de trabalhadores temporários por menor salário e com menos benefícios. A empresa, aproveitando-se dessa brecha, classifica erroneamente seus trabalhadores como temporários para poder pagar menos. Simples assim.

Os trabalhadores, assim, se cansaram do artifício. E cansaram tanto que os trabalhadores permanentes estão em greve em solidariedade aos trabalhadores falsamente classificados como temporários. Os trabalhadores perceberam que a continuar assim serão eles mesmo dispensados e contratados trabalhadores falsamente temporários no lugar.

A fraude na falsa classificação de trabalhadores grassa nos Estados Unidos. A reação ao abuso na utilização de figuras contratuais para pagar menores salários e menos direitos começa a pipocar em várias partes do país. Após diversas manifestações de trabalhadores, inclusive por meio de greves e paralisações, e a decisão Dynamex da Corte Suprema da Califórnia, aquele estado editou recentemente uma lei para tentar evitar a classificação errônea de trabalhadores como trabalhadores autônomos (“independent contractors”).

Assim, percebe-se não somente que a luta contra a fraude à relação de emprego começa a aumentar nos Estados Unidos, como ela começa a dar resultados.

A greve da GM, então, representa muito nessa luta contra a fraude. Representa a força dos trabalhadores em oposição aos esquemas empresariais destrutivos da relação de emprego, bem como representa a resistência do patronato de abrir mão dessa estratégia, que não é local, é mundial. Por isso a forte resistência, mesmo com tantos prejuízos. O resultado dessa greve poderá indicar um caminho a ser seguido tanto por trabalhadores quanto por empresas nos Estados Unidos e, por influência, no mundo.

No Brasil, também sofremos de epidemia de fraudes à relação de emprego. Temos mais de 8 milhões de trabalhadores formalizados como Microempreendedores individuais formais, grande parte em fraude pela substituição de empregos estáveis com direitos. A tendência é de crescimento desse número, pelo incentivo estatal. Os danos aos trabalhadores, à organização coletiva e à sociedade são gigantescos, e serão mais ainda quando esses trabalhadores ficarem mais velhos e forem buscar a assistência e a previdência social.

A disputa nos Estados Unidos em torno da chamada “misclassification” (fraude à relação de emprego) é algo que interessa ao mundo, e particularmente ao Brasil e pode dar um sinal para que os trabalhadores brasileiros também reajam à violência que sofrem com a fraude na classificação da natureza de seus contratos. Fiquemos atentos aos desdobramentos desse importante movimento.

Fonte: UERJ Labuta
Link: http://bit.ly/GreveEUA

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