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Opinião | Arthur Silva – As garras imperialistas sobre os dados brasileiros: a entrega da Dataprev e da Serpro

Opinião | Arthur Silva – As garras imperialistas sobre os dados brasileiros: a entrega da Dataprev e da Serpro

Na lista de privatizações alardeada por Paulo Guedes, há duas empresas nacionais relativamente desconhecidas: a Serpro e a Dataprev. São as duas principais estatais responsáveis pelo gerenciamento dos dados públicos dos brasileiros. Em uma economia cada vez mais informatizada, essas duas companhias são órgãos centrais de nosso tecido industrial, de alto valor estratégico.

Nossa série de artigos “garras imperialistas” tem por objetivo mostrar o caráter estratégico da dilapidação do patrimônio público e privado nacional em um verdadeiro projeto de recolonização do Brasil. Os núcleos mais importantes da economia pátria estão na mira da sanha imperialista, verdadeiros centros de tecnologia brasileira e extremamente importantes para o desenvolvimento industrial do Brasil. A entrega da Braskem, uma das campeãs mundiais em resinas termoplásticas, da TAG, a artéria energética do Brasil no setor de gás natural, os lucros da Petrobras derivados de sua sangria e até mesmo a ventilação da hipótese da fusão do Banco do Brasil com o Bank of America não são pontos isolados. São partes de um programa imperialista de submissão do país, em conjunto com a privatização da Eletrobras, da destruição do BNDES e da entrega da Embraer, e tantas outras medidas que destroem nossa soberania econômica.

O veículo imperialista The Economist já vaticinou anos atrás que os dados são o novo petróleo. A concentração desse mercado – que no mundo oligopolizado de Coca-Cola e General Eletric não é exatamente nenhuma novidade – deriva da necessidade de escala para poder extrair valor dos dados agregados. Não se trata somente de saber as preferências de compra de roupas de uma ou outra pessoa. Assim como o petróleo, os dados têm que ser “refinados”. Por isso, o volume imenso de dados tem que ser combinado por algoritmos sofisticados capazes de fazer previsões satisfatórias a respeito do comportamento de populações inteiras. Esse é o segredo por trás de empresas como a Alphabet, dona da Google, que coleta diariamente dados de milhões de pesquisas de usuários da internet, cruzando com diversos outros dados de diferentes tipos. Salta aos olhos o valor estratégico dessas empresas no mundo da indústria 4.0, da internet das coisas produzindo informações sobre milhões de objetos, desde carros até mercadorias no estoque da Amazon e realizando previsões com base nisso. Países que não dominem essas cadeias de valor sobre os dados estarão condenados à dependência tecnológica.

Tanto a Dataprev como a Serpro são verdadeiros “Pré-Sal” de dados brasileiros. A primeira empresa, prestadora de serviços principalmente do INSS, é responsável pela gestão de dados previdenciários, cobrindo mais de 47 milhões de segurados e beneficiários. Já a Serpro administra os sistemas mais importantes do governo federal, como o sistema da Abin e os sistemas da Receita Federal, gerindo algumas das bases de dados mais estratégicas do país.

Além de detentoras de riquíssimos bancos de dados, ambas as empresas são importantes produtoras de tecnologia nacional. A história da Dataprev remonta ao governo de Getúlio Vargas. Em 1938, José Gomes Pinho Neves, que viria a ser o primeiro presidente da Dataprev, instalou no Instituto Aposentadoria e Pensões dos Industriários o primeiro centro de processamento de dados do Brasil, ainda baseada na tecnologia de cartões. A Dataprev – oficialmente Empresa de Processamento de Dados da Previdência Social – foi criada no governo Geisel nos anos 70 para assumir os contratos entre o então INPS (futuro INSS) e uma transnacional chamada Burroughs Eletrônica. A internalização da tecnologia da gestão da complexa folha de pagamentos da Previdência produziu efeitos sistêmicos no tecido industrial brasileiro. Nos anos 80, houve um surto manufatureiro no setor de informática brasileiro causado por uma eficiente estratégia de desenvolvimento para esse segmento, baseada em uma inteligente combinação de investimentos públicos e um grau de protecionismo sobre a tecnologia nacional. Nessa época, a Dataprev tornou-se uma importante cliente da Cobra, que fabricava computadores brasileiros. Mesmo depois da catastrófica abertura do governo Collor, a Dataprev reteve ainda um grande pioneirismo na produção de softwares nacionais. A estatal ainda detém três grandes Data Centers e cinco unidades de desenvolvimento de software principalmente no nordeste brasileiro.

O Serviço Federal de Processamento de Dados – Serpro – foi criado pelo Regime Militar em 1964 e sua história é muito ligada à gestão dos imensos volumes de dados das declarações do Imposto de Renda de Pessoa Física. Até hoje, a Serpro desenvolve e a administra alguns dos sistemas mais essenciais para o Estado Nacional, como o Siafi, responsável pela gestão do Tesouro Nacional, o sistema de emissão e controle de passaportes do Itamaraty e diversos sistemas de inteligência da Abin e da Polícia Federal. A Serpro sozinha teve lucro de quase meio bilhão de reais em 2018 e seu faturamento total ultrapassa R$ 3,2 bi. Quando pensamos que somente um contrato de solução de computação em nuvem (cloud) da Microsoft com o Tribunal de Justiça de São Paulo superou a casa dos R$ 1,3 bi, podemos dimensionar a quantidade de recursos que podiam estar sendo espoliados do Brasil pelas transnacionais do segmento de informática. Em vez desses bilhões se acumularem na produção de novas tecnologias nas mãos de transnacionais aprofundando nossa dependência tecnológica, os lucros das estatais podem ser reinvestidos para o desenvolvimento de soluções brasileiras, como é o caso do e-Social criado pela Serpro.

O capitalismo contemporâneo é determinado fundamentalmente pelo contínuo desenvolvimento de tecnologias. As mazelas do Brasil não podem ser separadas da inserção subordinada do país no capitalismo mundial. Não se trata de uma demonização da iniciativa privada, que tem um importante papel a desempenhar na produção de tecnologia nacional. Contudo, não podemos permitir que o Estado Nacional perca sua relevância como motor de desenvolvimento do país, sob o risco de ver reduzido a uma mera plataforma de sucção de recursos para o sistema financeiro. A destruição do setor de dados nacionais rasga mais uma parte do tecido industrial brasileiro. Pensar o Brasil estrategicamente implica em defender a gestão nacional desse segmento.

Fonte: Portal Disparada
Link: https://portaldisparada.com.br/economia-e-subdesenvolvimento/dados-brasileiros-dataprev-serpro/