Central dos Sindicatos Brasileiros

Centrais sindicais e Comissão Nacional da Verdade denunciam contribuição da Volkswagem com a ditadura

Centrais sindicais e Comissão Nacional da Verdade denunciam contribuição da Volkswagem com a ditadura

Grupo pediu a abertura de um inquérito civil para averiguação de responsabilidade sobre perseguições e tortura que configuram crimes contra a humanidade

Na terça-feira, 22 de setembro, a Volkswagen foi denunciada ao Ministério Público Federal (MPF) por violação de direitos humanos dentro de sua planta de São Bernardo do Campo, São Paulo, durante os anos da ditadura civil-militar (1964-1985). A empresa também foi denunciada por ter financiado e colaborado para a implementação do golpe no Brasil.

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A representação contra a montadora alemã foi protocolada no MPF pelo Fórum Trabalhadores e Trabalhadoras por Verdade, Justiça e Reparação, do qual a CSB faz parte, e pela Comissão Nacional da Verdade. O grupo pediu aIMG_6072 abertura de um inquérito civil para averiguação de responsabilidade sobre perseguições e tortura, que configuram crimes contra a humanidade. É a primeira vez que uma empresa será denunciada por participação em crimes característicos de regimes autoritários no Brasil.

A iniciativa baseia-se em documentos e relatos colhidos pelo grupo de trabalho Ditadura e Repressão aos Trabalhadores, às Trabalhadoras e ao Movimento Sindical, da CNV. A denúncia foi entregue ao procurador regional dos Direitos dos Cidadãos do Estado de São Paulo, Pedro Antônio de Oliveira Machado.

IMG_6059Segundo Antonio Neto, presidente da CSB, a denúncia contra a Volkswagen é apenas o início do processo por luta, justiça e reparação que as vítimas da ditadura merecem. “Na verdade, nós aqui estamos inaugurando aquilo que em muitos países já se faz, que é reparar os danos que os governos ditatoriais causaram. Dezenas de empresas podem ser judicializadas nos mais diferentes estados, a exemplo do Rio de Janeiro com a Petrobrás. Queremos fazer isso em todo o Brasil”, disse.

O secretário-geral da Central, Alvaro Egea, explica que, para a Central dos Sindicatos Brasileiros, este é um momento muito importante. “Nos últimos dois anos nós contribuímos ativamente para o trabalho da CNV. Essas denúncias contra as empresas representam a conclusão do nosso trabalho de resgatar a memória e a verdade do período da ditadura”, avaliou.

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Para Ismael Antonio de Souza, representante da CSB no Fórum e ex-preso político, se os empresários não tivessem contribuído com a ditadura, ela não teria perdurado por tanto tempo. “A cumplicidade das empresas com o governo militar foi muito grande. Eles contribuíram para a ausência de liberdade sindical no período, para o arrocho salarial, para perda de direitos trabalhistas e pela repressão ao movimento dos trabalhadores”, disse.

O caso Volks

De acordo com os documentos da CNV, uma das empresas que teve participação ativa na ditadura foi a Volkswagen. O documento, no entanto, apresentou com mais detalhes a participação da Volkswagen e sua contribuição com oIMG_6025 regime militar. “A montadora fez o trabalho de polícia política da ditadura, além de financiar a ditadura. O relatório revelou a existência de um aparato repressivo militar-empresarial, na qual as firmas monitoravam funcionários, repassando informações e fazendo denúncias ao Departamento de Ordem Política e Social (Dops). Fui preso dentro da Volks pelo coronel Adhemar Rudge, responsável pela segurança da empresa. Fui levado algemado para o departamento de recursos humanos e lá começaram a me torturar”, afirmou Lúcio Bellentani, ex-funcionário da Volkswagen e presidente do Sindicato Nacional dos Aposentados do Brasil .

“Na época, eu distribuía o jornal ‘Voz Operária’ e discutia política com as pessoas, com a intenção de levá-las para o sindicato e lutarmos contra a ditadura e pela democracia. Esse foi meu crime”, relatou o dirigente. Levado ao Dops, Bellantani passou por sessões de tortura por mais de um mês para que falasse sobre sua militância e reconhecesse cidadãos envolvidos com o Partido Comunista Brasileiro e movimentos sociais.

“A minha pretensão é que a Volkswagen construa um memorial e relate o papel que desempenhou neste período de repressão. A luta é para que a história seja registrada e ensinada para as crianças, para que nunca mais se repita. A reparação moral e da verdade são importantes. É por este resgate histórico que trabalho”, afirmou Bellentani.

IMG_6056Segundo Modesto da Silveira, ex-deputado e advogado de presos políticos no período da ditadura, a Volkswagen não foi a única empresa envolvida, mas teve um papel de gestão em São Paulo e, até mesmo, coordenou outras companhias. “A anistia – publicada a 28 de agosto de 1979 – foi votada de uma forma muito malandra, marota. Pela qual os juristas militares e civis a serviço da ditadura inseriram na lei uma expressão chamada “crimes conexos”, que estaria anistiando os criminosos oficiais do governo tanto quanto as vítimas. Mas você não pode nunca misturar um crime político com um crime comum. O Brasil tem uma dívida com a humanidade. A representação contra a Volks e outras empresas que financiaram os miliares representa o início da justiça de transição tão fundamental para que exista a democracia plena. Trazer a verdade a público é trazer a dignidade dos trabalhadores”, enfatizou.

Silveira também destacou que no Brasil a ditadura foi uma das mais cruéis do mundo. “Aqui, além da organização da maldade, que há em todas as ditaduras, havia a maldade desorganizada de cada doente mental que sequestrava, torturava e matava. Ele era dono da sua liberdade, da sua moral e do seu corpo. Assim, quando, por exemplo, sequestravam uma mulher jovem e atraente, iam desnudando logo. Para observar, comentar, manusear e usar como objeto de sexo e de violência. Tanto que eu tive clientes que engravidaram. Se a gente pudesse reproduzir tudo, daria uma enciclopédia do terror que dificilmente você vê igual na história da humanidade”, revelou.

Contribuição das empresas

No relatório final da Comissão Nacional da Verdade entregue à presidenta Dilma Rousseff, em dezembro de 2014, constam também nomes de outras empresas que contribuíram para a ditadura civil-militar. Segundo a Comissão, dezenas de companhias, estatais e privadas, nacionais e estrangeiras, ajudaram os órgãos da repressão denunciando trabalhadores engajados na resistência ou repassando informações sobre a atuação deles, sobretudo nos sindicatos. Entre elas estão Monark, Embraer, Rhodia, Ford, General Motors, Petrobrás, Philips e Volkswagen, que chegou a espionar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em eventos sindicais no início dos anos 1980, quando ele liderava as greves no ABC paulista.

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“Tudo indica que as estatais foram usadas como laboratórios para pensar a repressão dentro das empresas. É preciso encontrar forma de responsabilizar empresas e empresários que ajudaram os militares. Se o golpe não tivesse tido o apoio da sociedade e dos empresários, não teria durado décadas. Muitos empresários se beneficiaram com a ditadura e enriqueceram às custas de torturas. Nosso objetivo com as representações contra as empresas é de reparação coletiva para as vítimas de perseguição”, afirmou Rosa Maria Cardoso, advogada da CNV.