Central dos Sindicatos Brasileiros

Projeto de lei limita atuação dos sindicatos e da Justiça do Trabalho

Projeto de lei limita atuação dos sindicatos e da Justiça do Trabalho

A reforma trabalhista, prevista para ser votada hoje ou amanhã na Câmara dos Deputados, se aprovada da forma como está, alterará significativamente a maior parte da jurisprudência da Justiça do Trabalho que hoje resulta em condenações às empresas. Além disso, a proposta reduz o poder de negociação dos sindicatos, cria novos tipos de contratos e tenta mudar a ideia de que o funcionário é a parte mais fraca na relação empregatícia (hipossuficiência) ao criar o conceito de autonomia individual do trabalhador.

O Projeto de Lei nº 6769/2016, de autoria do deputado Rogério Marinho (PSDB­RN), que em dezembro faria uma reforma pontual na legislação do trabalho e tinha apenas seis páginas para tratar do negociado sobre o legislado e de terceirização, foi substancialmente alterado. Agora, o texto substitutivo tem quase 45 páginas e modifica cerca de 200 dispositivos da CLT.

A proposta, por exemplo, derruba o conteúdo de oito súmulas do Tribunal Superior do Trabalho (TST) com interpretações favoráveis aos trabalhadores. Também, contrariando julgamento da Corte trabalhista, estabelece a TR como fator de reajuste das ações judiciais, e não o IPCA­E ­ cuja correção é mais favorável ao vencedor da causa. Ainda na seara da Justiça do Trabalho, o projeto proíbe o TST de publicar súmulas, enunciados e afins que criem obrigações não previstas em lei.

“Essa proibição me parece bastante ousada, pois há uma interferência direta sobre os poderes da Justiça do Trabalho”, afirma o professor de direito do trabalho da Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU), Gabriel Henrique Santoro.

Entrar na Justiça do Trabalho também ficará mais difícil, pois o trabalhador terá que arcar com custas processuais e honorários. Atualmente, a maioria obtém a Justiça gratuita. (Leia mais abaixo).

 Outras novidades são as novas formas de contratação, a ampliação das hipóteses para a jornada de trabalho de 12 horas (com 36 horas de descanso) sem a necessidade de acordo coletivo, a substituição do pagamento de horas extras pelo uso de banco de horas, também sem necessidade de participação do sindicato e renováveis a cada seis meses. O que poderá ser feito por meio de contratos diretos entre o funcionário e a empresa.

“Na prática, as horas extras deixarão de existir, pois a opção das empresas será a compensação de horas”, avalia Dânia Fiorin Longhi, professora e sócia do escritório que leva seu nome.

Pelo artigo 59­C da proposta, se não houver a compensação das horas trabalhadas com folgas, por exemplo, a companhia ainda assim não será obrigada a pagar as horas extras. Segundo o advogado trabalhista José Eymard Loguercio, sócio do LBS Advogados e assessor jurídico da CUT Nacional, até as penalidades para as empresas estão sendo minimizadas na proposta.

Dentre os novos contratos, o texto regulamenta o trabalho intermitente, por meio do qual o funcionário é contratado por períodos determinados. “O empregado fica à disposição da empresa e só recebe quando trabalhar. Não se sabe nem quando vai trabalhar e nem quanto vai ganhar”, diz o especialista em direito do trabalho, advogado Wagner Luís Verquietini, do Bonilha Advogados.

A atividade dos empregados autônomos também é contemplada na proposta. O PL regulamenta a prestação de serviços por meio desses profissionais e autoriza a contratação pelas empresas. Segundo Dânia, a contratação está permitida ainda que a prestação de serviço seja habitual. “Se o profissional, porém, obedecer ordens, estiver todos os dias na empresa, o vínculo empregatício pode ficar caracterizado e essa previsão cair no vazio”, afirma.

Além disso, cria normas para o contrato por prazo determinado e amplia a contratação por tempo parcial de 25 horas para 32 semanais. “Esse contrato [prazo determinado] é interessante para algumas áreas de comércio e serviços que têm demandas em determinados períodos. Nesse caso, esse tempo seria suficiente e resultaria em menos gastos com o trabalhador”, diz Verquietini.

O projeto ainda se propõe a regulamentar pontos da terceirização, como a responsabilidade subsidiária pelo pagamento dos terceirizados, e deixa claro a possibilidade de terceirizar atividade ­fim, o que ainda gerava dúvidas entre juristas.

Outra grande mudança é a possibilidade de empregados com curso superior e salário superior a R$ 11 mil negociarem seus contratos diretamente com o empregador, sem a presença do sindicato e estipular cláusulas próprias com força de lei.

“O empregado poderia negociar para um período mínimo o horário de almoço”, exemplifica Dânia. Segundo ela, porém, o que deve ocorrer na prática é o oposto do que propõe o projeto, pois essa liberdade e autonomia do empregado para negociar não existe.

De acordo com o professor Gabriel Santoro, o projeto também permite que empresa e empregado firmem um acordo para demissão. O empregado, segundo ele, poderá combinar com a empresa a saída com vantagens, como o recebimento de metade do aviso prévio e até 80% do FGTS. O sindicato não participará dessa negociação.

Apesar de estar nas intenções da reforma reduzir encargos para as empresas, gerar empregos e reaquecer a economia, especialistas avaliam que nos países onde se promoveram alterações semelhantes, como Espanha e México, o resultado não foi o esperado. Segundo o advogado José Eymard Loguercio, nesses países o efeito foi inverso e o que ocorreu foi a redução da massa salarial, da arrecadação previdenciária e do consumo.

Segundo Loguercio, o substitutivo ampliou muito o projeto inicial, fez alterações profundas sem um debate consistente das consequências dessa reforma. “Desse jeito, estamos retrocedendo à era pré­industrial.”

O procurador João Carlos Teixeira, da Coordenadoria Nacional de Promoção da Liberdade Sindical (Conalis), do Ministério Público do Trabalho (MPT), afirma que o projeto representa “um vergonhoso retrocesso social nas relações de trabalho no Brasil”. Para ele, alguns dispositivos violam normas internacionais de trabalho emanadas da Organização Internacional do Trabalho (OIT), ratificadas pelo Brasil, e de preceitos fundamentais da Constituição.

O Ministério Público do Trabalho, a CUT e diversas confederações e sindicatos de trabalhadores formaram o Fórum Interinstitucional de Defesa do Direito do Trabalho e Previdência Social para discutir essas alterações e fazer propostas. “Está havendo um trabalho muito intenso de levar aos deputados como essas alterações são prejudiciais. Mas o que estamos vendo é que existe uma agenda pronta”, afirma.

Fonte: Valor Econômico