Central dos Sindicatos Brasileiros

“Compartilhei a angústia deles” , diz Belluzzo sobre meta

“Compartilhei a angústia deles” , diz Belluzzo sobre meta

Para economista, ajuste não alentou as expectativas e resultado fiscal depende do setor privado

Embora diga que a presidente Dilma Rousseff cedeu na queda de braço entre as forças do partido e do mercado, o economista Luiz Gonzaga Belluzzo – que já foi um dos interlocutores informais de Dilma para temas econômicos – se diz triste com a situação do Brasil e revela ter ficado “deprimido” com a apresentação dos ministros do Planejamento e da Fazenda, na semana passada, quando foi anunciada a revisão da meta fiscal: “No fundo, compartilhei a angústia deles”. Professor da Unicamp e da Facamp e sócio da consultoria Una, Belluzzo sugere que um dos problemas do ajuste pode ter vindo do caminho escolhido para fazê-lo. E da dificuldade de convencer que ele seria factível, sem o que não se resgatam confiança e investimento. “Pode se controlar o gasto, mas não o resultado primário, que depende do comportamento do setor privado”, afirma.

A economia, diz ele, ainda deve enfrentar muitas dificuldades, com quedas substanciais do Produto Interno Bruto (PIB) neste ano (-2,5%) e no próximo ano, período em que, “com sorte”, o PIB vai cair mais 2%. “Eu gostaria muito de estar enganado. Mas me diga quais são os elementos que temos para dizer que a economia vai se recuperar de uma queda deste tamanho?” Ele mesmo responde: a saída seria montar rapidamente o programa de concessões, atrair empresas de fora e concluir acordos de leniência com as empresas envolvidas na operação Lava-Jato.

E não titubeia ao dizer que se preocupa com o estado em que se encontra o aparelho policial judiciário brasileiro. Segundo ele, o país vive um clima de Fla x Flu, em que o mais preocupante é a desconfiança com relação à democracia. Diz que seus princípios são contrariados quando, por exemplo, o Ministério Público abre uma investigação contra Lula porque ele “foi a um jantar da Odebrecht “. Aos 72 anos, o ex-secretário de Política Econômica do governo Sarney avalia que estamos longe das crises vividas na década de 1980, mas a situação “mais normal” abre espaço para que a recessão seja ainda pior, especialmente se permitir o retrocesso nos importantes avanços sociais dos últimos anos.

Um pouco de otimismo ainda resta. Para Belluzzo, o fogo da crise política perdeu um pouco da intensidade, com evidências aqui e ali de que não seria conveniente a ninguém continuar dando corda à tese do impeachment. A seguir, os principais trechos da entrevista.

Valor: A crise atual é mais política ou econômica?

Luiz Gonzaga Belluzzo: A crise econômica deu um pouco mais de fôlego para a crise política. Pode ser que esteja enganado, mas acho que a crise política está amainando. Há uma percepção de que não é conveniente para ninguém continuar dando fôlego à questão do impeachment. Isso teve uma curva ascendente, um pico, e agora começou a declinar. Estou vendo muita gente falando a respeito, não só o [senador] Aloysio Nunes, mas também o [deputado] Jarbas Vasconcelos e o [deputado], Teixeira, um velho político experimentado que tem relações cruciais no mundo dos negócios, um homem sensato. Acho que esse fogo perdeu um pouco de intensidade.

 Valor: Que implicações a citação do presidente da Câmara, Eduardo Cunha, por um delator na Operação Lava-Jato teria nesse movimento?

Belluzzo: Acho que o Cunha, como qualquer outro brasileiro, tem o direito de ser processado e julgado. Não é porque é o Cunha que eu vou fazer algo que contraria meus princípios. Meus princípios são frequentemente contrariados por coisas como, por exemplo, o Ministério Público querer processar o Lula porque foi a um jantar da Odebrecht. Eu fico muito surpreso com isso, porque sou filho de juiz. Meu pai já morreu. Se ele visse o estado em que está o aparelho judiciário brasileiro, gostaria de morrer de novo. Acho que a gente tem que baixar a bola. Virou um Fla x Flu. Órgãos de imprensa que são adversários do governo botam fogo de um lado. Sites e blogs partidários do governo, de outro. Virou uma coisa “nós contra eles” e quem perde é o leitor, o espectador. É preciso um pouco de serenidade. Muito bem, o Cunha foi acusado por um delator, como fizeram com outras pessoas. É o Supremo que vai julgar. Vamos esperar que todos os meios e processos da formação da culpa funcionem e depois chegaremos à conclusão se é ele culpado ou inocente. Estou muito mais preocupado com essas escaladas, essa perda de controle do aparelho policial judiciário.

Valor: O sr. vê essa perda de controle na investigação contra Lula?

Belluzzo: Jantar de ex-presidentes da República com empresários tem toda hora. Quantas vezes o Sarney não jantou, o Clinton não jantou, o Bush não jantou? Eles carregavam os empresários com eles para fora do país, e isso é normal. Daqui a pouco, se eu cuspir na rua vão me processar por atentado violento ao pudor. Valor: Qual o principal desfecho possível para a crise hoje? Belluzzo: Acho difícil fazer esse tipo de prognóstico, mas, no meu ponto de vista, a crise política está tendendo para um apaziguamento sem que as oposições deixem de ser críticas. Nem devem deixar, mas em clima de razoabilidade.

Valor: E do lado econômico?

Belluzzo: Vejo a coisa com muita dificuldade. Acho que a queda do PIB neste ano vai ser substancial, acima de 2,5%. E para o ano que vem, se a gente tiver sorte, vai cair 2%. [Belluzzo é interrompido pelo sócio, Daniel Keller, que diz que a queda em 2015 vai ser de 2% e de 0,5% no ano que vem.] Não estou pessimista, estou dizendo que a trajetória da economia mostra que o processo vai se aprofundar. Espero estar enganado. Gostaria muito de estar enganado. Mas me diga quais são os elementos que temos para dizer que a economia vai se recuperar de uma queda deste tamanho.

Valor: A Fazenda diz que tudo o que está sendo feito deve provocar a retomada da confiança…

Belluzzo: É preciso um esforço grande para reverter o processo de queda da renda e do emprego. E você acha que o setor privado espontaneamente tem forças para fazer isso quando olha para seus balanços? De repente, vão começar a gastar para recuperar a economia? Talvez, se desvalorizassem o câmbio suficientemente e a economia mundial crescesse um pouco mais, a gente se recuperaria, como os dinamarqueses e suecos, num caso clássico, fizeram no início dos anos 90.

Valor: O dólar precisaria ir a quanto?

Belluzzo: O problema é que há a maldição do câmbio. Não posso ficar fazendo a Pollyanna [personagem infanto-juvenil excessivamente otimista]. O repasse cambial é alto e assim é porque se aumentou muito o coeficiente de importado da indústria e de outros setores. Então, com desvalorização mais forte, a inflação pega.

Valor: No jogo entre inflação e câmbio, estamos presos em uma camisa de força?

 Belluzzo: As expectativas das autoridades são de que a inflação vai para a meta, mas acho que não vão conseguir colocar a inflação na meta em 2016. É muito difícil. A indexação é muito resistente e tem ainda um rabo de reajuste de tarifa no ano que vem, quando os preços da energia vão se refletir no preço da água. Há ainda os cerca de 9% de correção do salário mínimo. [Keller interrompe mais uma vez para dizer que a consultoria espera inflação de 9,5% para 10% neste ano.] Segundo o mercado, vamos voltar a uma inflação de 5,4% no ano que vem e para isso vai ser preciso produzir uma recessão respeitável. Não acredito que se possa sair dessa crise sem que se tenha uma discussão entre atores sociais relevantes – empresários e trabalhadores – de modo a poder encontrar outro caminho para fazer o ajuste fiscal.

Valor: Que caminho seria esse? Belluzzo: Alguns dizem que os direitos sociais conquistados na Constituição não cabem dentro da renda e se a renda está caindo, cabem menos ainda. Não concordo. Numa economia de mercado capitalista, se ela está entrando num processo recessivo e se não há forças externas, não se consegue reverter isso. Vide a Grécia. O Brasil é diferente da Grécia? É. Ele tem mais recursos naturais, tem uma indústria que resistiu e ainda pesa 2% na produção industrial mundial, mas, a não ser que se inicie um processo de investimento coordenado pelo Estado – seriam os investimentos em infraestrutura, que vão demorar um pouco -, não vejo muito saída. Qual é, então, o elemento de demanda efetiva que vai reverter essa situação?

Valor: Qual é?

Belluzzo: Isso de se fazer ajuste, colocar inflação na meta e o pessoal vai começar a gastar é “trololó”. Alguns dizem que é preciso terminar com o intervencionismo. Mas pergunto, qual é a economia no mundo sem articulação entre Estado e setor privado? Os alemães, americanos para não falar dos chineses, que têm articulação mais criativa entre os dois. O setor privado lá é de uma vitalidade impressionante; fazem até bolha na bolsa. É engraçada essa coisa da percepção. Os chineses fazem intervenção e o Federal Reserve, não? Como são americanos, a percepção joga isso para o fundo do baú.

Valor: Mas como o crescimento vai ser retomado?

Belluzzo: É preciso montar rapidamente o programa de concessões, atrair empresas de fora, fazer logo esse acordo de leniência com as empresas, afastar essa contaminação das empresas em relação a seus proprietários. Agora vem essa CPI do BNDES. O banco, como sempre, financiou grandes empresas. Financiou também para disputar mercados lá fora. Como faz o Eximbank americano, o banco japonês. Concessões é o caminho que a gente tem para sair. Se a gente conseguir fazer, se conseguisse definir bem as parcerias público-privadas, com aporte do Estado menor e mais garantias para o setor privado… É assim que tem que ser. Tenho medo que as pessoas vejam isso de novo como uma história de promiscuidade com o setor privado. Não é assim. Essa parceria se dá no mundo inteiro, não tem essa história de Estado versus mercado. Isso é uma coisa binária, idiota. Nem o liberalismo inglês foi assim, mas as pessoas não conhecem história econômica.

 Valor: O que achou da decisão de baixar a meta de superávit primário?

Belluzzo: Fiquei deprimido com a apresentação. Não sei quem não tinha razoável dose de segurança de que ia acontecer o que aconteceu. Foi desencadeado um processo de ajustamento com a subida de juros e a economia que já vinha com desempenho ruim, despencou. É clássico. Eles corriam o risco de chegar ao fim do ano com resultado muito pior, porque é difícil se comprometer com uma meta daquele tamanho. Pode se controlar o gasto, mas não o resultado primário, que depende do comportamento do setor privado. Se fosse como eles vinham dizendo, o ajuste alentaria as expectativas dos empresários, que estariam mais animados com os resultados, mas não é isso que está acontecendo. Faltou um pouco de visão pragmática de como funciona isso. Foi uma visão mais “Isso de que vai se fazer ajuste, colocar inflação na meta e o pessoal vai começar a gastar é trololó” ideológica, como na política monetária. Não é na martelada que se resolve. No fundo, compartilhei a angústia deles, pois não tinha a menor chance de alcançar a meta nessas condições.

Valor: O sr. também vê a questão fiscal como problema estrutural?

 Belluzzo: Tenho uma divergência de opinião. Divirjo na concentração e na circularidade do raciocínio puramente fiscal. Há uma discussão sobre o que aconteceu com a situação fiscal e é feita uma análise da resposta que a receita fiscal teve no período de expansão. Há uma elasticidade da receita fiscal em relação ao crescimento do PIB. Quando a economia começa a desacelerar, a receita cai. E as despesas, como são mais rígidas, passam a ter participação maior no PIB. Se a economia entra em recessão, isso se agrava. É preciso uma reorganização fiscal. Eles tinham que ter perseguido um superávit primário, mas isso só seria possível se tivessem desencadeado lá em 2012 o programa de concessões. Cortar investimentos impacta ainda mais a arrecadação. Não gosto de fazer comparação com a Grécia, mas a dinâmica da renda, da receita e do emprego foi a mesma.

Valor: É mesmo a pior crise dos últimos anos?

Belluzzo: A crise da dívida externa foi muito pior. É que os meninos não se lembram disso. Eu não só me lembro, como fui ao governo tendo que lidar com esse terremoto. O problema é que a crise levou a economia à beira da hiperinflação. A taxa de crescimento flutuou muito. Do ponto de vista da complexidade foi mais difícil de lidar. Mas essa tem uma característica um pouco preocupante, que é ocorrer depois de levar boa parte da população da miséria para a pobreza e desta para um nível de consumo e renda que permitiu uma participação na vida contemporânea. E isso pode retroceder.

Valor: Mas os anos 1980 ficaram para trás?

Belluzzo: Sim. Estamos numa situação mais normal, o que significa que a recessão vai ser pior.

Valor: Dilma termina o mandato?

Belluzzo: Sim, tem que terminar. Nós não somos uma república das bananas. Se há dificuldade econômica, isso é pedagógico, o governo vai ter que pagar nas eleições.

Valor: O sr. enxerga um ocaso para os partidos hoje no poder?

Belluzzo: Estava lendo um artigo na internet em que o sujeito dizia “Que se vayan todos”. E todos quer dizer todos mesmo. A herança que se está deixando é muito ruim, uma descrença no sistema partidário e, o que é pior, uma desconfiança com relação à democracia como uma instância de mediação entre interesses contrapostos. Isso é que é mais preocupante. Não é o problema da Dilma. Essa é uma visão estreita das coisas, querer escolher um bode expiatório. Essa mudança brusca de ponto de vista dela em relação ao que ela disse tem importância, sim. Era preciso contornar os equívocos cometidos no governo anterior, mas eu acho que a mudança foi de tal maneira brusca que trouxe um desalento nas pessoas, um desânimo, que as pessoas estão tentando se proteger. Mas eu também poderia dizer que a opinião dos economistas de mercado foi de tal maneira exagerada em relação à situação, inclusive fiscal, que acabou provocando essa reviravolta. Isso é um jogo. Não existem as pessoas isoladamente, existem em suas relações. E essa relação mercado, Partido dos Trabalhadores e Dilma foi ruim porque se aceitou esse desafio e cedeu.

Valor: A presidente cedeu?

 Belluzzo: Cedeu. Lamento dizer isso, gosto dela. Eu também já cedi várias vezes na vida. Há horas em que é preciso ser do contra. Contra a opinião dominante.

Fonte: Valor Econômico