Central dos Sindicatos Brasileiros

Revista Estudos Avançados divulga entrevista com Antonio Neto

Revista Estudos Avançados divulga entrevista com Antonio Neto

Publicação da Universidade de São Paulo dedicou sua 81ª edição a questões sobre o trabalho, emprego e desemprego no Brasil

A 81ª edição da revista Estudos Avançados publicou entrevista com o presidente da CSB e do Sindpd, Antonio Neto, sobre a realidade do trabalho no Brasil. Neto respondeu a questões acerca da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), do salário mínimo, além de temas ligados à diminuição do desemprego no País.

A revista é uma publicação quadrimestral do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (USP).

Leia abaixo a íntegra da entrevista:

As Centrais Sindicais e os temas trabalhistas

*Antonio Neto

A EDITORIA da revista Estudos Avançados convidou representantes de todas as centrais sindicais brasileiras para responder questões sobre temas trabalhistas. As repostas que se seguem foram apresentadas por ordem de chegada.

Qual a posição de sua Central Sindical em relação à Consolidação das Leis do Trabalho (CLT): ela deve ficar nos termos atuais ou deve ser reformada’? Em caso de reforma, que mudanças lhe parecem mais importantes? 

Antonio Neto (Presidente da Central dos Sindicatos Brasileiros – CSB) – A Consolidação das Leis do Trabalho, criada em 1943, foi revolucioná­ria. Foi ela que regulamentou e normatizou as relações trabalhistas, concentra­das para mitigar a exploração do homem sobre o homem e sustentar uma era de desenvolvimento económico e social que acompanhou o Brasil por mais quatro décadas.

Foi um ato corajoso, um avanço extraordinário implantado pelo governo para dar condições e estrutura para ambos os lados (patrão e empregado), tentar regrar o relacionamento e transformar minimamente, num grau de igualdade, essa disputa entre o capital e o lucro, o lucro e o salário.

São as leis laborais que garantem ao trabalhador e à trabalhadora a carteira de trabalho assinada; repouso semanal remunerado; salário pago até o quinto dia útil do mês; 13° salário; férias de trinta dias com acréscimo de um terço do salá­rio; vale-transporte; licença maternidade de 120 dias, com garantia de emprego até cinco meses depois do parto; licença paternidade; Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS); horas extras pagas com acréscimo de 50% do valor da hora normal; garantia de doze meses em casos de acidentes; adicional noturno; aviso prévio em caso de demissão; seguro desemprego, entre outros.

Posteriormente, a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) serviu de base para todos os avanços conquistados, sejam eles constitucionais ou advindos das Convenções Coletivas de Trabalho, uma vez que fortaleceu os sindicatos e lhes garantiu estrutura e independência para enfrentar a força do capital. Não é exagero afirmar que as leis trabalhistas promoveram a libertação da escravatura, na prática, para muitos brasileiros.

Consideramos que, ainda hoje, a CLT representa a segurança do trabalha­dor e uma carta sagrada para os empresários sérios e modernos, pois nada é mais moderno do que combater a desigualdade.

Nada é mais arcaico do que a exploração. Combater a CLT ou taxá-la de retrógrada só interessa aos maus empresários, que visam o lucro a qualquer preço, que tentam confundir os direitos trabalhistas com impostos que recaem sobre a folha de salários, criando uma falsa impressão de que o “custo” de um trabalhador impede a competitividade das empresas brasileiras.

Esse argumento infundado foi derrubado com a desoneração da folha de pagamento, a exemplo do que ocorreu no setor de Tecnologia da Informação (TI) com a transferência da tributação dos 20% do INSS sobre o salário para 2% do faturamento das empresas.

Além de reunir e organizar todas as leis trabalhistas existentes no país, outra grande evolução gerada pela CLT foi o reconhecimento dos sindicatos, fortalecendo as instituições na defesa dos interesses económicos, profissionais e sociais dos trabalhadores. Apoiados na CLT, os sindicatos se consolidaram como os verdadeiros representantes dos trabalhadores brasileiros, zelando pelo cumprimento das leis e lutando por mais conquistas. Não é verdade que a CLT impede avanços nas relações entre patrões e empregados. Ela é a base para ne­gociação.

Macular atualmente os direitos assegurados pela CLT e outros que se so­maram na evolução de nosso país, como férias, limitação de jornada de trabalho, fundo de garantia, licença maternidade, 13° salário, hora extra, aposentadoria, entre outros, é o mesmo que, antes de 1888, advogar a redução do aumento fornecido ao escravo para aumentar o lucro do dono.

Estamos num país legalista e, mesmo com a proteção existente, ainda vi-venciamos centenas de casos de trabalho análogo à escravidão. Vale sempre lem­brar a célebre frase de Henri Lacordaire de que “entre o forte e o fraco, entre o rico e o pobre, entre o patrão e o empregado, é a lei que liberta e a liberdade que escraviza”.

Podemos e devemos avançar mais, iniciando um processo de ampliação dos direitos para garantir ao Brasil a modernidade necessária para melhorar as condições de vida do povo brasileiro, como a redução da jornada de trabalho para quarenta horas semanais, a implementação da Convenção n.151 que asse­gura direito de organização aos servidores públicos, o fim do fator previdenciá-rio, o fim da demissão imotivada e leis mais rígidas para aqueles que insistem em explorar o trabalhador, com sistemas de trabalho análogos à escravidão.

Como deveria ser repensada a forma de constituir o “salário mínimo”? O que o salário mínimo significa, hoje, para os trabalhadores? Em que as alterações do salário mínimo afetam realmente a economia nacional?

Antonio Neto (CSB) – É inegável a importância do salário mínimo para milhões de brasileiros, trabalhadores e trabalhadoras cuja renda fica em torno do valor do piso nacional. Ainda muito longe do ideal – segundo o Dieese seu valor deveria ser de cerca de R$ 2.700 -, sua criação e valorização nas últimas décadas garante condições de vida mínimas para o povo.

Criado em 1940, o salário mínimo já enfrentou diversas fases. Desde sua implementação até o golpe militar, comissões formadas por empresários, traba­lhadores e governo eram encarregadas de definir seu valor. Entre 1940 e 1951, seu valor real médio foi equivalente a 63% do determinado pelo decreto que o criou em julho de 1940. Nos doze anos seguintes – entre 1952 e 1964 -, o salário mínimo obteve aumentos reais que elevaram sua média a 104% do valor inicial.

A partir da ditadura, porém, houve uma desvalorização do salário mínimo, que foi perdendo gradativamente valor em termos reais. Temos, no período de 1965 e 1981, a média de 51% do valor que vigorava em julho de 1940. E de 1990 a 1995, essa queda é ainda maior, com redução de seu valor médio para 27%.

Só então com a política de valorização do salário mínimo, firmada durante o governo Lula, houve uma recuperação do SM. A conquista deve-se muito ao movimento sindical brasileiro, que se mobilizou e lutou pela política de valoriza­ção salarial. O acordo com o governo Lula possibilitou a correção anual levando em conta a variação do PIB e da inflação.

O resultado foi de aumento real de 75% de 2002 a 2014, e acima de 100% se considerarmos seu valor em 1995. Além disso, todas as teorias defendidas na época, de que aumentar o mínimo levaria ao aumento do desemprego, da infor­malidade e geraria uma inflação altíssima, foram contrariadas.

O que vivemos hoje é um mercado interno recuperado, uma economia fortalecida – capaz de passar por crises internacionais sem grandes efeitos -, e um país com maior distribuição de renda. Vivemos uma era de pleno emprego, de queda na informalidade. Mas consideramos que ela ainda não é a ideal, pode­ria estar mais acelerada. Entretanto, já representa um avanço substancial para a melhoria das condições de vida do povo e para a economia nacional.

O aumento do salário mínimo não é dinheiro que fica em poupança, na especulação, é dinheiro que vai diretamente para o consumo. E quem recebe o salário mínimo usa-o para sobreviver, para comprar e adquirir bens.

A que se deve a diminuição atual do desemprego no país, considerando que a crise nesse setor continua abalando as economias dos países desenvolvidos?

Antonio Neto (CSB) – Vivemos em um período de pleno emprego. Em março deste ano, a taxa de desemprego do Brasil recuou a 5%, menor nível para o mês. Consequência de um mercado interno fortalecido e de uma forte ten­dência de formalização.

As políticas que vêm sendo adotadas, como a desoneração da folha de pagamento para 53 setores, estimulam a formalização do trabalhador brasileiro uma vez que a contribuição previdenciária depende da receita e não mais da folha de salários.

O país criou, em 2013, 1.117.171 vagas com carteira assinada, segundo o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged). O saldo é muito positivo. Outra vitória é o salário médio de admissão, que teve aumento real (acima da inflação) de 2,59% sobre 2012, atingindo R$ 1.104,12.

Existe, porém, um fator importante que é preciso ser considerado: a alta rotatividade do trabalhador brasileiro. Ainda de acordo com o Caged, no ano passado foram realizadas 22,1 milhões de contratações e 21 milhões de demis­sões no ano.

A CSB acredita que é necessário criar medidas urgentes para diminuir a ro­tatividade no mercado de trabalho, porque ela só visa diminuir salário. É comum as empresas dispensarem funcionários com maior remuneração para substituí-los por outros que receberão menos. Além disso, a rotatividade não traz benefícios nem para trabalhadores nem para empresas. Essas não criam vínculos, precisam procurar mão de obra especializada constantemente e não conseguem investir na formação e na qualificação dessa mão de obra.

Uma das ferramentas para reduzir esse turnover é acabar com a demissão sem justa causa. Por isso, a CSB defende a ratificação da Convenção n.158 da Or­ganização Internacional do Trabalho (OIT), que proíbe a demissão imotivada.

No Brasil, ainda existe a cultura de se demitir sem motivos que realmente justifiquem a demissão. Principalmente para defender interesse dos maus em­presários e empresas que se utilizam da prática para diminuir os gastos com a mão de obra. É comum, por exemplo, que haja demissões expressivas em épocas que precedem os reajustes salariais das categorias, ou imediatamente posteriores a eles. Dessa forma, as companhias não precisam arcar com os novos salários e benefícios resultados da negociação coletiva, que nos últimos anos, na maioria das categorias, vem alcançando ganhos reais.

Nos casos de dispensas justificadas, por motivos económicos, tecnológi­cos, estruturais ou análogos, a Convenção determina que se observem vários critérios. O empregador precisa comprovar a causa da dispensa, com aviso em tempo hábil, fornecimento de informações pertinentes, abrir negociação com os representantes dos trabalhadores e notificar previamente a autoridade com­petente. Ainda assim, o trabalhador que se sente lesado pode contestar judicial­mente ou recorrer à arbitragem contra a atitude do empregador.

Ratificar a Convenção n.158 da OIT significa proteger os trabalhadores brasileiros das práticas desleais do patronato e garantir que haja maior estabili­dade e valorização do profissional.

*Central dos Sindicatos Brasileiros (CSB). São Paulo/SP, Brasil.

Fonte da entrevista: Revista Estudos Avançados